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Consumo alimentar fora do domicílio: implicações para pesquisas em segurança alimentar e nutricional

Elisabete Salay

Crescimento do consumo de alimentos fora de casa

No Brasil, em média, nas grandes cidades a população gasta 24% das despesas alimentares em consumo fora do domicílio, de acordo com a recente Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A tendência é que essa proporção aumente com o desenvolvimento econômico do país. Em países com renda elevada, como os Estados Unidos, por exemplo, gasta-se fora de casa 46,2% das despesas alimentares. Na verdade, no Brasil, já vem se observando uma taxa bem mais expressiva do crescimento do setor de serviços de alimentação, isto é, de 121,1% no período de 1995 a 2002, do que do varejo alimentício que foi de 60,2% no mesmo período, segundo a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação.

Esse novo quadro gera diversas implicações para pesquisas na área de política de segurança alimentar e nutricional, consideradas, neste trabalho, no âmbito do setor privado, do consumidor adulto e do governo. No presente artigo serão abordadas temáticas sobre a segurança e a informação nutricional das refeições.

Segurança dos alimentos

Apesar da dificuldade de se obter dados representativos sobre as enfermidades de origem alimentar no país, é consenso entre pesquisadores que a incidência de toxinfecções em serviços de alimentação requer a atenção pública.

Especificidades do setor, como o alto turnover de funcionários, a falta de qualificação de recursos humanos, a forte presença de pequenas empresas, a grande variedade de pratos e alimentos elaborados, entre outros fatores, dificultam o controle e garantia da segurança dos produtos oferecidos. E definem, portanto, importante campo para pesquisas multidisciplinares para avaliar a eficácia de diferentes estratégias de garantia de segurança das refeições.

Na verdade, estudos constataram que, com exceção de empresas de maior porte, grande proporção do setor ainda não aplicou os procedimentos de Boas Práticas, obrigatórios segundo a legislação. Curiosamente, muitas vezes as empresas relatam desconhecer esses procedimentos, além de afirmarem ter problemas financeiros.

Em conjunção com a compreensão dos problemas e da falta de incentivos privados, o papel do setor público na promoção da adoção de controles adequados deve ser pesquisado. O processo de elaboração de normas, freqüentemente estudado sob a óptica técnico-científica, necessita de análises mais abrangentes que considerem as conseqüências socioeconômicas no setor envolvido. E que avaliem também a relevância de ações de difusão e de estímulo à adoção das normas.

Neste mesmo sentido, são pertinentes as análises de programas já implementados, como o Programa Alimentos Seguros (PAS) que visa em geral disseminar e apoiar a adoção de Boas Práticas e do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle. Criado em 2001, o setor Mesa do PAS é voltado aos serviços de alimentação. Nota-se que o PAS abrange parceiros múltiplos, de caráter privado e público.

Acrescente-se também a avaliação das ações de certificação da qualidade e segurança no setor. Muitas dessas iniciativas não deslancharam e a compreensão desse fenômeno ainda é vaga. Aparentemente, além de especificidades dessas ações e do setor de serviços, a falta de interesse do consumidor nesses certificados, em restaurantes, é uma das explicações. Fato que mostra outro lado da questão, que é a necessidade de análise do comportamento do consumidor em alimentação fora do lar.

A questão da informação nutricional

Um ponto preliminar a notar é que a última pesquisa em nível nacional no Brasil sobre o consumo alimentar é o Estudo Nacional de Despesa Familiar que foi realizada entre 1974/1975. E, apesar das POFs serem feitas com certa regularidade de freqüência no país, elas não informam os gastos com diferentes alimentos no consumo fora do lar. Neste sentido, o padrão de consumo alimentar fora de casa é totalmente desconhecido, com exceção de dados de pesquisas pontuais realizadas em certas localizações do Brasil. Por outro lado, evidências em outros países sugerem que muitas vezes o aumento da freqüência de consumo alimentar fora do domicílio pode estar associado a um declínio do valor nutricional da dieta, necessitando de intervenções.

Dentre as eventuais ações destacamos a melhoria de informações sobre o valor nutricional dos alimentos oferecidos. Esta ação pode tanto contribuir para melhorar o nível de informação nutricional do consumidor adulto quanto como para estimular o setor privado a oferecer alimentos mais saudáveis. Um exemplo deste último caso é a corrida de algumas empresas para reduzir ou eliminar o conteúdo de gordura trans e comunicar essa alteração benéfica do produto aos consumidores. Fato deslanchado pela obrigatoriedade recente de declaração de gordura trans nos rótulos de alimentos embalados. No caso do consumidor, a informação nutricional contribui para deixá-lo mais informado e alerta sobre o valor nutricional de alimentos, podendo estimulá-lo a proceder a escolhas mais saudáveis.

Para os alimentos embalados a obrigatoriedade da declaração de informações nutricionais é regulamentada no Brasil o que não acontece no caso da alimentação fora do lar. Como desenhar uma ação de informação nutricional em serviços de alimentação é tema que desenvolvemos.

Nota-se que algumas cadeias de fast food mais organizadas do setor de serviços de alimentação, já voluntariamente iniciaram o oferecimento desse tipo de dado. Em serviços da alimentação institucional essa prática ocorre e, algumas vezes, no âmbito mais amplo de uma ação de educação nutricional. Mesmo algumas microempresas, como padarias, começam a dispor o valor nutricional do pãozinho francês nas embalagens.

O importante é que a soma dos resultados em consumidores e no setor privado de um programa de informação nutricional, é positiva. Todavia, é bom lembrar que para originar mudanças de hábitos sustentáveis esse programa deve estar inserido em uma estratégia mais ampla de segurança alimentar e nutricional.

Inovação das indústrias

Cabe ressaltar que as pressões de regulamentações ou outra ação pública podem prover uma boa oportunidade para as empresas inovarem e se beneficiarem do first mover advantage, conforme apontado por Michael Porter. A nova estratégia global em alimentação, atividade física e saúde da Organização Mundial da Saúde, da qual o Brasil é um dos países signatários, fornece pistas para o caminho da inovação.

Em conclusão, os possíveis arranjos entre intervenções do setor público, incentivos do setor privado e comportamentos do consumidor adulto que favoreçam o consumo alimentar fora do lar saudável precisam ser identificados.

Elisabete Salay é professora do Departamento de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Unicamp.

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Atualizado em 10/09/2005

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