Alimentos
funcionais: a inovação industrial na área de alimentos
Gláucia
Maria Pastore
O
setor de alimentos vem, ao longo dos últimos dez anos, despertando
a atenção de governos, industriais, economistas, e principalmente
consumidores. Esses estão, a cada dia, mais curiosos sobre o papel
que determinado alimento pode representar para a sua saúde.
Do
ponto de vista mundial, nota-se claramente a preocupação de
governos com a relação: alimentos, nutrição e
saúde, no estabelecimento de programas e projetos de longo prazo para
alterar, modificar hábitos alimentares, sensibilizar setores industriais
de alimentos para lançamento de produtos industrializados mais saudáveis,
mais naturais.
Grande
parte desses esforços vem do conceito atual do que sejam os alimentos
funcionais.
Os
alimentos funcionais são definidos como alimentos que promovem algum
efeito benéfico no organismo, retardando ou impedindo o aparecimento
de doenças crônicas e, principalmente, o envelhecimento.
Nos
Estados Unidos, os chamados produtos nutricionais, incluindo alimentos com
alegação de saúde, alimentos para dietas especiais, e
medical foods são regulados e definidos pelo Food and Drug
Administration (FDA). Por outro lado, termos como nutracêuticos, alimentos
funcionais para a saúde, fitoquímicos, agentes chimopreventivos,
e antioxidantes não são definidos pelo FDA, mas sim por pesquisas
na área, cientistas, industriais e entidades profissionais. Esses termos
usados pela indústria americana não têm ainda status regulatório.
No
Japão o governo definiu oficialmente e regula os chamados alimentos
especiais para uso em saúde (Foshu).
O
governo do Canadá tem trabalhado com a definição dos
conceitos: alimentos funcionais e nutracêuticos.
Na
Europa, o termo vitafoods está se tornando muito popular.
Enquanto
isso, a Comissão do Codex Alimentarium da FAO (Food and Agriculture
Organization) e a Organização Mundial de Saúde (WHO)
das Nações Unidas têm definido o termo alimentos medicinais
para propósitos médicos especiais.
O
Brasil, pelas suas condições climáticas e ambientais,
tem produção agrícola e biodiversidade invejável.
As perspectivas apontam para que se torne, em médio prazo, um grande
produtor de alimentos in natura e processados, com audaciosa inserção
no mercado interno e exportador. Em 1960, mais de 80% do valor das exportações
brasileiras procediam da agropecuária; em 1990, essa cifra era de 29%.
É importante lembrar que cresceu a participação de produtos
industrializados, oriundos da agricultura. Em 1950, 95% do valor das exportações
agropecuárias correspondiam à matéria-prima; em 1986,
essa cifra foi de 68%, sendo que o restante correspondia a produtos processados
e semi-processados. Atualmente, o Brasil vem diversificando cada vez mais
sua pauta de exportações no que se refere aos produtos provenientes
do agronegócio.
A
agricultura brasileira passou por transformações profundas nas
últimas décadas. O setor primário deixou de ser mero
provedor de alimentos in natura e passou a ser consumidor de seus
produtos integrados aos setores industriais e de serviços. O agronegócio
experimentou um equilíbrio comercial de US$ 20,3 bilhões em
2002, com crescimento de 7% sobre o superávit de 2001, e contribuiu
de forma expressiva para a economia brasileira, representando mais de 33%
do Produto Interno Bruto (pm), utilizando 37% dos trabalhadores brasileiros.
Somente o pm agroindustrial brasileiro representou 7% do pm total em 2001.
Atualmente, tem-se observado que, na agroindústria de alimentos, o
desenvolvimento integrado dos binômios processos / produtos é
um dos fatores chave para a competitividade. O aumento da concorrência,
as rápidas mudanças tecnológicas, a diminuição
do ciclo de vida dos produtos e maior exigência por parte dos consumidores
levam a indústria de alimentos a buscar agilidade, produtividade e
alta qualidade que dependem, necessariamente, da eficiência e eficácia
do desenvolvimento de produtos utilizados pelas empresas. A importância
estratégica da indústria de alimentos na pauta de exportações
brasileiras tem sido amplamente evidenciada
Entretanto,
quando se sai de uma commodity para um produto processado, é
necessário desenvolver um produto ao gosto do consumidor final, dentro
das normas técnicas do país e ainda adaptar seu foco de vendas
para o varejo, em vez do atacado. Isso significa ter embalagens de embarque
menores, mais vendedores para visitar as lojas, estrutura logística
para pequenas entregas – como caminhões menores – e comunicação
dirigida ao consumidor final, e não ao atacadista/distribuidor. Essa
é uma das dificuldades que acarretam aumento de custos.
Por
isso, existe a necessidade da pesquisa científica e tecnológica
de alto nível trabalhar junto com as empresas no sentido de desenvolver
produtos adequados, com garantia de qualidade e inocuidade, aos mercados consumidores
finais.
Os
alimentos funcionais têm um mercado estimado no mundo de cerca de 60
milhões de dólares e seu apelo de promover a saúde e
o bem estar, bem como prevenir doenças, reduzindo os custos com saúde,
traz oportunidades potenciais para a indústria de alimentos nacional.
O
impacto do desenvolvimento de produtos com maior valor agregado, afetos às
regiões brasileiras como, por exemplo, a grande região amazônica
deve-se refletir positivamente no estado nutricional da população.
Por
outro lado, a indústria de alimentos brasileira, quando necessita incorporar
em seus produtos ingredientes funcionais, o faz através de importação
de ingredientes de grandes conglomerados multinacionais com impacto negativo
na competitividade devido à elevação do preço
do produto final ao consumidor.
Assim
toma-se imperioso conhecer as propriedades funcionais dos alimentos brasileiros,
muitos dos quais sequer estudados ainda como, por exemplo, caju, açaí,
manga, mirtilo, pupunha, frutas do cerrado, entre outros.
Vale
frisar que, neste momento, a área de alimentos está concentrando
grande interesse pela possibilidade cada vez mais evidenciada da utilização
de alimentos in natura e processados com propriedades funcionais.
O potencial dos alimentos funcionais de reduzir doenças, promover a
saúde e reduzir os custos da assistência à saúde,
é um benefício de saúde que vai além da simples
nutrição ou fortificação básica. O benefício
de saúde pode incluir a prevenção ou o tratamento de
doenças ou mesmo uma melhoria do funcionamento do corpo. A maioria
das pesquisas com ingredientes funcionais focaliza sua ação
contra o câncer e, assim, vários compostos potencialmente anti-cancerígenos
já foram identificados, tais como vitaminas antioxidantes, carotenóides,
flavonóides, polifenóis, fitoesteróis, saponinas etc.
Entre
os alimentos funcionais existem diversos grupos químicos responsáveis
pelas propriedades terapêuticas, ou redutoras de riscos à saúde,
dos alimentos funcionais. Os terpenos são encontrados em hortaliças,
frutas, produtos de soja e outros grãos. Funcionam como antioxidantes,
protegendo os lipídios e os fluidos corporais dos radicais livres.
Os terpenos reduzem o risco de câncer de mama, pulmão, cólon,
estômago, próstata, pâncreas, fígado e pele.
Os
carotenóides, (vitamina A e licopeno), estão presentes em alimentos
com pigmentação amarela, laranja ou vermelha (tomate, abóbora,
pimentão, laranja). Os limonóides (&-limoneno, pineno, eucaliptol)
se encontram nas cascas de frutas cítricas e protegem o tecido pulmonar
prevenindo tumores e fortalecendo o sistema imunológico.
Os
fenóis são antioxidantes encontrados em vegetais de cores roxa,
azul ou violeta (uva, cereja, berinjela). Possuem atividade antiinflamatória,
evitam a aglomeração das plaquetas sanguíneas e a ação
de radicais livres no organismo, protegendo desde o código genético
(DNA) aos lipídios, desta forma abortando os processos carcinogênicos.
Os
flavonóides (flavonas e isoflavonas) estão presentes na soja,
em frutos cítricos e outros alimentos. A camomila é rica em
apigenina, uma flavona com efeito analgésico. A diosmina e a hesperitina,
presentes nos frutos cítricos, favorece a atuação da
vitamina C no organismo.
Faz-se
necessário o estudo da biodiversidade brasileira quanto à presença
de componentes bioativos e funcionais com indicação das áreas
próprias de cultivo. Importante lembrar que muito de nossa biodiversidade
que possa ser utilizada como alimento não é conhecida, portanto
faz-se necessário um desenho de ações integradas com
os setores industriais, governamentais, pesquisadores, agências de fomento
para promover uma ação articulada e seqüencial junto aos
grupos de pesquisa brasileiros na área de alimentos visando:
-
Desenvolvimento de processos para a garantia da segurança alimentar.
-
Desenvolvimento de tecnologias inovadoras para aproveitamento de subprodutos
e resíduos em sistemas produtivos.
-
Desenvolvimento de tecnologias que promovam a integração de
cadeias agroindústriais.
-
Implementação de programas da avaliação da conformidade
de produtos e processos junto ao setor industrial de alimentos.
-
Inovação dos processos tecnológicos de alimentos minimamente
processados e semi-prontos.
-
Desenvolvimento de processos para a indústria de alimento/alternativa
para garantir a presença de moléculas bioativas no alimento
final processado.
-
Estudo da atividade biológica dos alimentos funcionais in vitro, em
vivo em animais e humanos.
Gláucia
Maria Pastore é presidente da Sociedade Brasileira de Ciência
e Tecnologia de Alimentos.