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Patentes no setor de informática : a visão do INPI por Antonio Carlos Souza de Abrantes (*) Nas últimas décadas a indústria tem percebido, cada vez mais, o conhecimento como um ativo importante na estratégia de negócios, a ponto de alguns autores identificarem os tempos atuais como a “era do conhecimento”. Dentro da perspectiva de um mundo globalizado, percebe-se como um instrumento cada vez mais importante nessa estratégia de negócios, a proteção de tais conhecimentos por meio da propriedade industrial. O setor de software, caracterizado fundamentalmente por seu conteúdo informacional, está portanto diretamente inserido nesse contexto. Empresas americanas e européias do setor de informática já há décadas perceberam a utilidade do sistema de patentes na defesa dos direitos de propriedade de suas criações. As empresas brasileiras, contudo ainda tem se utilizado pouco desse instrumento, em grande parte pelas informações confusas que tem circulado, não raras vezes divulgando erroneamente que a funcionalidade do programa de computador não seria objeto de proteção pelo sistema patentário. Este artigo procura desfazer tais concepções errôneas, bem como a idéia de que o INPI por falta de capacidade técnica, estaria concedendo patentes de software como mero reflexo das decisões dos escritórios de patentes estrangeiros, sem a devida análise detalhada de tais pedidos. No debate sobre patentes de software muitos críticos tem colocado como argumento uma suposta inadequação do sistema de propriedade industrial. O programa de computador comporta dois aspectos. O primeiro é o relativo às expressões literais da idéia, como o programa fonte ou objeto e o programa executável. Esta criação expressa literalmente a idéia através de um conjunto de instruções. A proteção de tais elementos do software, na medida em que atendam ao quesito de originalidade e não sejam ditadas por questões de funcionalidade ou por outras limitações operacionais são objeto de proteção pelo direito autoral. O segundo aspecto comporta os elementos não literais do programa de computador, ou seja, seus aspectos funcionais, suas características técnicas operacionais expressas por métodos e sistemas que são passíveis de proteção por patentes. Uma criação industrial relativa a programa de computador será considerada invenção desde que a criação como um todo apresente um efeito técnico, isto é, venha a resolver um problema encontrado na técnica, que não diga respeito unicamente à forma como este programa de computador é escrito, isto é, ao programa de computador em si. O INPI tem considerado portanto como patenteáveis os programas de computador que evidenciem um efeito técnico novo, e que portanto não podem ser considerados como programas em si. Diretrizes de exame do início da década de 90 já estabeleciam tal conceito: "A concessão de patentes de invenção que incluem programas de computador para realização de um processo ou que integram equipamentos que realizam tais processos tem sido admitidos pelo INPI há longos anos. Isto porque não pode uma invenção ser excluída de proteção legal, desde que atendidos os requisitos convencionais de patenteabilidade, meramente pelo fato de que para sua implementação utilizem programas de computador. Assim o programa de computador em si é excluído de proteção patentária, todavia, se o programa controla a operação de um computador mesmo convencional, de modo a alterar tecnicamente o seu funcionamento, a unidade resultante do programa e do computador combinados pode ser uma invenção patenteável como método ou dispositivo". O exame de pedido de patente recente (PI9407646) sintetiza os argumentos para patenteabilidade de métodos matemáticos. O pedido trata de processo computadorizado para otimização de gastos e a taxa de crescimento em criaturas vivas tomando por base curvas de Gompertz que levam em conta múltiplos parâmetros (genéticos e não genéticos). O parecer conclui: “Uma invenção relativa a programa de computador cuja novidade está na utilização de um método matemático para solução de um problema será considerado invenção desde que a invenção como um todo traga a solução de um problema técnico, isto é, um problema que não seja puramente matemático. Um programa de computador que implemente um método matemático, tal como um método de solução de equações, por exemplo, não será considerado invenção pois se trata de um problema de matemática pura, isto é, o estudo das propriedades das grandezas em abstrato. Para tal criação ser considerada invenção é necessário que tal algoritmo matemático seja aplicado em determinado campo da prática, isto é, fora do universo da matemática propriamente dito. A requerente procede em seu argumento, de que no presente caso, há a aplicação de um modelo matemático para um problema de ordem prática, e não meramente matemática”. Como exemplos de algumas patentes já concedidas pelo INPI podemos citar[1]: alocação de memória em um sistema de impressão (PI9504218), controle de marcha de um automóvel (PI9503180), rede neural (PI9405871), processamento de imagem MPEG (PI9404321), sistema de seleção de programas em TV (PI9307625), sistema de telecomunicações (PI9306983), protocolo de telecomunicações (PI9306654), sistema de criptografia (PI9302550), controle de janelas gráficas (PI9300395), controle de tarefas em sistema multimídia (PI9203427), correio eletrônico (PI9107319), reconhecimento de caracteres (PI9105295), controle de elevadores (PI8404687), impressão de dados (PI8402214), formatação de textos (PI8401590), justificação de texto em impressão (PI8302322), ajuste de campos em um editor de textos (PI8202472). O entendimento de que o direito autoral seria inadequado à proteção da funcionalidade do programa e da sua interação com o usuário, uma vez que protege a expressão da idéia e não a idéia propriamente dita, se consolidou a nível internacional[2] especialmente após os anos 90, o que explica porque a proteção patentária tem se expandindo significativamente a nível internacional[3]. No Brasil não há muitas decisões judiciais a respeito. A Sinclair moveu em 1983 uma ação ordinária contra Microdigital alegando que o produto NEZ 80 violava os direitos autorais da empresa inglesa que desde março de 1980 comercializava os microcomputadores ZX81. Quanto ao firmware, o tribunal entendeu que como um programa gravado em ROM não permite que seu conteúdo seja alterável, que se caracteriza de um conversor de código, sendo componente fixo do hardware, não seria sujeito a proteção do direito do autor, mas ao Código de Propriedade Industrial. Decisões de violação de direito autoral mostram a fragilidade da proteção, na medida em que a violação torna-se mais clara apenas quando caracterizada a cópia idêntica de trechos significativos do código fonte. No caso Microsoft v. Prológica de 1990, a Microsoft acionou a Prológica, por ter lançado um programa (SO-16) similar ao MS-DOS onde haveriam trechos idênticos ao original. Em 2000 no caso Miracula v. Planeta Compras a empresa foi acusada de cópia das disposições das páginas e estrutura dos códigos fontes. Avisos e partes do código ainda mantém o nome OneClick que era marca da Miracula quando suas paginas e programas foram escritos. Esta é tida como a primeira decisão de pirataria de software utilizado em páginas da internet e foram necessários apenas três meses desde o início do caso, emissão de laudo técnico e decisão[4]. Na área de eletrônica muitas invenções podem ser implementadas por software ou hardware, sendo esta uma decisão de projeto. Um cenário onde apenas as implementações por hardware fossem objeto de patente seria um anacronismo, uma vez que tratam-se de implementações equivalentes do ponto de vista técnico, sendo a invenção definida em termos do conceito inventivo envolvido, ou seja da solução à um problema técnico específico, esta sim passível por proteção por patentes. Se programas de controle de máquinas industriais como o controle de corte mecânico de chapas de navios, são considerados patenteáveis, não há razão lógica para excluir os programas que rodam em computadores pessoais da proteção, visto que ambas tratam-se de máquinas controladas por um software, não importa que neste último caso não se esteja manipulando ou transformando elementos físicos como uma chapa de aço. Muitos dos argumentos contrários a patenteabilidade de software tem embutida uma crítica ao sistema de patentes como um todo e não a uma inadaptabilidade específica deste setor. A tese de que apenas as grandes corporações teriam interesse em patentes como forma de manter sua posição dominante no mercado, ignora o fato de que em geral o interesse em patentes se verifica em especial nas empresas que inovam, sejam estas pequenas ou grandes[5]. A Microsoft foi condenada pela justiça americana a pagar US$520 milhões à pequena empresa Eolas e à universidade da Califórnia pela violação de uma patente (US5838906) que trata do recurso de plugin browser no Internet Explorer[6]. A pequena Stac ganhou um processo em 1994 de US$120 milhões contra a Microsoft que embutiu no sistema operacional DOS 6.0 um sistema de compressão de arquivos conhecido como STACKER, de forma a reduzir o espaço ocupado em disco rígido automaticamente, objeto de uma patente da Stac (US 5016009)[7]. Estes dois casos mostram que na era da informação, patentes podem ser instrumentos úteis também para pequenas empresas. O argumento de que a disseminação de patentes de software interromperia a inovação no setor uma vez que a escrita de programas se tornaria um quebra cabeças em que cada peça estaria sujeita a pelo menos a uma patente registrada não se justifica na medida em que projetos de engenharia complexos, como por exemplo a construção de um avião, ou um motor de automóveis também envolvem centenas de patentes e nem por isso o desenvolvimento nestes setores foi obstaculizado. Nos dois casos prevalece a tese de que o sistema de patentes, ao divulgar a tecnologia protegida e ao garantir o controle temporário da tecnologia pela empresa inovadora constitui um estímulo a novas invenções: a única forma de os concorrentes entrarem no mercado sem ser pelo licenciamento da tecnologia é buscar novas soluções inovadoras. Isto vale tanto para o setor de mecânico e aeronáutico, como vale para software. Tampouco não procede o argumento de que a utilização de patentes inviabiliza a construção de padrões na indústria, pois vários padrões estabelecidos na indústria de informática são de tecnologias patenteadas: o mouse de Douglas Engelbart (US3541541), formato de imagem GIF e TIFF (algoritmo de compressão LZW da Unysis US4558302), o formato de arquivos de áudio MP3 da Thomson (US6185539 entre outras[8]) e tecnologia CDMA da Qualcomm usada em telefonia celular (US5103459). Defender a tese de que a propriedade industrial seja um instrumento útil para a indústria de software não implica em que este seja o único instrumento. Varian e Schapiro[9] mostram que na economia da informação o mais importante é maximizar o valor da propriedade intelectual e não protegê-la pela pura proteção. O objetivo é maximizar o valor de sua tecnologia e não o seu controle sobre ela. Um fornecedor de software pode resolver adotar uma estratégia aberta para sua tecnologia e ao mesmo tempo outra tecnologia proprietária. Os autores mostram vários exemplos: a mesma Microsoft que possui o formato proprietário de textos DOC, desenvolveu o formato aberto RTF de maior facilidade de conversão de formatos, ainda que limitado. A Intel manteve controle de especificações multimídia dos processadores Pentium MMX e paralelamente adotou a abertura das especificações da interface AGP de processamento gráfico. Kevin Rivette[10] mostra a redescoberta do valor das patentes por partes das empresas após o abrandamento da legislação anti truste norte americana, contudo enxerga a possibilidade de convivência entre esta estratégia e o movimento de open source. Quanto ao fato de que muitas patentes tem sido concedidas para tecnologias já conhecidas da técnica, esta crítica é justificável, porém sua correção requer apenas que se apliquem os critérios exigidos em lei para concessão de patentes: é patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (artigo 8 da lei 9279/96). O risco de se conceder patentes à tecnologia já conhecidas, infelizmente não se restringe ao campo da informática. À medida em que se concedem mais patentes de software, naturalmente os níveis de atividade inventiva requeridos para a concessão da patente no setor vão se estabilizando. Uma vez que os custos judiciais para contestação de uma patente na justiça são elevados, este argumento apenas reforça a necessidade de se criar condições para que o escritório de patente realize um exame de qualidade. Atualmente a divisão que cuida das patentes de software conta com apenas poucos examinadores, porém a qualidade de exame não tem sido comprometida, haja vista que dados de 2003 relativas aos pedidos por mim examinados mostram que cerca de 38% dos pedidos estrangeiros examinados receberam parecer de pré-indeferimento, sendo que 12% dos pedidos com patente européia foram indeferidos. Nos pareceres de exigência técnica, cerca de 45% dos documentos foram obtidos por busca própria em complemento às buscas internacionais realizadas pelos escritórios estrangeiros. O custo de poucos examinadores na área de software não impacta na qualidade do exame mas no atraso no exame dos pedidos: atualmente a divisão examina os pedidos de 1995. No ano de 2003 um novo concurso público prevendo a contratação de 11 novos examinadores em eletrônica foi concluído com o aproveitamento de apenas dois candidatos. A explicação para baixa procura de candidatos se explica pela ainda precária difusão da cultura de propriedade industrial no país e pelos salários pouco atrativos para um profissional de alta qualificação com titulação mínima de mestrado. Dados de 2001 mostram que o Brasil foi o sétimo maior mercado de software do mundo, com 7,7 bilhões de dólares com empresas que se destacam no setor como a Atech, empresa que fez a integração do Sivam e disputa mercado com gigantes americanas e européias ou o CPqD com softwares voltados para telecomunicações. Isto mostra que o sistema de patentes tem um papel importante na proteção das inovações do setor. Dados mostram contudo que a grande parte dos depósitos de patente realizados até 2000, na área de software, foram realizados por empresas estrangeiras (76%) o que mostra o desconhecimento do sistema por parte das empresas brasileiras. Pesquisa realizada pelo MCT em 2001 mostra que cerca de 23% dos desenvolvedores de software no Brasil pretendem fazer depósitos de patentes em seu setor[11]. Nos últimos anos, entretanto, tem se intensificado os esforços para compreensão da importância da propriedade industrial como instrumento de alavancagem da capacidade criativa das empresas brasileiras. Tem se verificado o aumento dos núcleos de propriedade industrial em universidades, presentes na maior parte das principais universidades federais[12] dando suporte aos pesquisadores para patenteamento de muitos dos resultados de suas pesquisas. A lei de inovação recentemente aprovada na Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado (projeto de lei n°3476/04) promete estimular a inovação em setores prioritários, como o software. O INPI tem trabalhado nesse sentido participado de uma série de seminários divulgando propriedade industrial como os realizados em junho em Curitiba promovido pela TECPAR e em julho em Salvador promovido pela FIESB, além de solicitar concursos públicos para contratação de novos examinadores. A reestruturação do INPI desencadeada pelo decreto n° 5147 de 21 de julho de 2004 e o fim do contingenciamento de recursos para o órgão, sinalizam para importância da propriedade industrial nas estratégias de ciência e tecnologia do governo federal[13]. (*)
Antonio Carlos Souza de Abrantes é examinador de patentes do INPI [1] Os resumos destas patentes podem ser consultados no site do INPI: www.inpi.gov.br [2] Neste sentido as decisões dos tribunais norte americanos, Computer Associates v. Altai de 1991, nega proteção a aspectos não literais de progarmas de computador, bem como nos casos Lotus v. Paperback de 1990, Apple v. Microsoft de 1993 e Lotus v. Borland de 1996 marcam o movimento no sentido de retrair a proteção à s interfaces de usuário e aos elementos não literais que restringiam a imitação de programas concorrentes. [3] Nos Estados Unidos a decisão da Suprema Corte Diamond v. Diehr de 1981 (450 US 175) http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=US&vol=450&invol=175 dá início a uma série de decisões ampliando cada vez mais a possibilidade de patentes de software. A decisão da Suprema Corte, State Street Bank v. Signature de 1998 vence a última fronteira e amplia a proteção também aos métodos de fazer negócios por trazer um “resultado útil, concreto e tangível” (http://www.law.emory.edu/fedcircuit/july98/96-1327.wpd.html) Na Europa, o marco para concessão de patentes de software é a decisão T208/84 de 1986 sobre pedido de VICOM Systems Inc. e define os princípios sobre a matéria: uma reivindicação direcionada a um processo técnico realizada por um software não pode ser considerada um programa de computador como tal (http://legal.european-patent-office.org/dg3/biblio/t840208ep1.htm). A Europa, contudo não amplia a proteção aos métodos financeiros, conforme uma decisão de 2000 acerca de um método de fundos de pensão T931/95 (http://legal.european-patent-office.org/dg3/biblio/t950931ex1.htm). [4] Jornal Valor Econômico, 16 agosto de 2000, página B5 [5] Muitas das empresas norte americanas como a GE, AT&T, Polaroid, Xerox e Hewlett Packard começaram como pequenas firmas que se utilizaram de patentes para proteger suas invenções e conquistar o mercado. [6] http://www.out-law.com/php/page.php?page_id=microsoftappeals1086774860&area=news http://www.w3.org/2003/10/27-rogan.html O fato de que o USPTO ter divulgado em março e agosto deste ano, resultados preliminares do reexame da patente, negando sua validade por falta de novidade, não invalida a tese de que a patente, caso fosse válida constitui um instrumento poderoso de uma pequena empresa frente a uma grande corporação. [8] http://www.mp3licensing.com/ [9] A Economia da Informação, Ed. Campus, 1999 [10] Rembrandts in the attic: unlocking the hidden value of patents, Harvard University Press, 2000 [11] Qualidade e Produtividade no Setor de Software Brasileiro, MCT, Brasília, 2002, página 36
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Atualizado em 16/09/04 |
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