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Fome
Zero e Nanotecnologia
por
Petrus d'Amorim Santa Cruz Oliveira *
Quando
uma sociedade se depara com problemas estruturais graves, se limitar
a remediar as conseqüências destes problemas equivaleria
a tentar retirar a água de um barco sem se vedar o furo. No entanto,
diante de um iminente naufrágio, não seria prudente se
deter apenas ao problema estrutural, correndo o risco de se ir a pique
cheio de boas intenções.
Ações emergenciais devem fazer parte de um plano de ação
maior. É neste âmbito que ninguém, com um mínimo
de bom-senso, irá questionar o programa Fome Zero do Governo
Federal. Porque em se tratando de seres vivos, não se pode esquecer
de que a fome não espera, mesmo sabendo que as causas dos problemas
estão sendo atacadas: a fome não é racional.
O Governo do Presidente Lula mostra-se coerente, pois, ao lado dos programas
emergenciais, apresenta reformas que fazem parte de um plano de ação
maior, que poderão resultar na não necessidade de ações
emergenciais futuras. No entanto, essas ações não
podem se limitar a setores isolados. Mesmo porque, neste País,
comparado a uma "máquina de ajuste fino" pelo Presidente,
tudo parece estar conectado, e as sinergias são enormes, comprometendo
análises superficiais.
Mas, o que têm em comum as nações que não
necessitam hoje de um projeto emergencial contra a fome? Percebe-se
finalmente que a resposta está associada à forma pela
qual esses países geraram conhecimento - através de enormes
investimentos em ciência e tecnologia (C&T), sem preensões
imediatistas, mas tomando proveito hoje do caráter cumulativo
do conhecimento gerado, revertido em inovações e independência.
O Brasil sempre hesitou em relação a este modelo, em que
ciência é prioridade: investiu em C&T de forma não
regular, e por diversas vezes não respeitou "pontos de não-retorno",
que levaram a rupturas em programas que não se reconstroem da
noite para o dia. Hoje, mesmo com uma comunidade científica de
reconhecida relevância, é praticamente impossível
de se recuperar defasagens tecnológicas em áreas estratégicas
como a de fármacos ou microeletrônica. Dificilmente veremos
circuitos integrados "made in Brasil" ou com tecnologia nacional.
Diante de um conhecimento acumulado gigantesco dos "concorrentes",
nosso País estaria condenado a correr eternamente na direção
do inatingível, como um cão que corre atrás de
sua própria cauda? A resposta poderá ser NÃO: uma
iminente mudança de paradigmas vem acontecendo em C&T, e
irá mudar drasticamente os conceitos, produtos e processos tecnológicos.
Trata-se de uma nova era, que permitirá países com uma
comunidade científica bem estruturada, tomar a decisão
de recomeçar a corrida sem a nefasta defasagem inicial d-0. Isto
porque esta nova era, a da nanociêcia e nanotecnologia (N&N),
está desvinculada do que foi acumulado na era anterior. Agora
os novos materiais são obtidos a partir da manipulação
em escala de átomos e moléculas - novas propriedades inerentes
a esta escala surgem, e com elas novas aplicações.
O Governo do Presidente Lula, atento para a relevância do tema,
vem encarando esta "oportunidade única" de suprimir
uma defasagem antes dita irredutível, da forma mais responsável
possível: o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
em plena sintonia com as outras ações do Governo, vem
optando por uma política científica que, além de
ser a mais democrática, é a que tem a maior chance de
dar certo - a de fortalecer as Redes Nacionais de N&N. Essas Redes
cooperativas, em número de quatro, abrangem temas complementares,
e resultaram da seleção de 27 propostas com avaliação
final de consultores ad-hoc internacionais.
O MCT, de forma bastante lúcida, não se deixou impressionar
com declarações ruidosas vindas de um número inexpressivo
de descontentes com este modelo, pois estes, acostumados com programas
concentradores de recursos, contrastavam com a expressiva soma de mais
de 300 pesquisadores que vêm atuando nas quatro redes cooperativas.
E contra fatos não há argumentos: só em 2002 as
quatro redes publicaram mais de 1100 artigos em periódicos internacionais,
e vêm formando mais de 500 mestres e doutores especialistas em
N&N.
Entre 26 e 28 de fevereiro deste ano, uma delegação composta
de representantes das quatro redes apresentaram na NanoTech 2003 em
Tóquio os primeiros produtos e dispositivos com tecnologia nano
100% brasileira, cuja enorme repercussão serviu de parâmetro
em relação à questão da inovação.
No dia 29 de abril passado, apresentei à Diretoria de Cooperação
e Desenvolvimento do IPEA e à Superintendência de Planejamento
do BNDES, junto com representantes das outras três Redes, os progressos
da RENAMI - Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces, expondo
inovações em N&N decorrentes de pesquisas nas Redes.
Depois de tanto cobrar inovação, é preciso agora
que se aprenda também a cuidar das que surgem, se não
quisermos nos limitar a retirar água do barco, ou mesmo morrer
na praia...
* Petrus
d'Amorim Santa Cruz Oliveira (petrus@renami.com.br ou petrus@ufpe.br)
é professor da UFPE, pesquisador do CNPq e membro da RENAMI (www.renami.com.br)
F. (81) 8821-5820 (81) 3271-8440
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