O
conflito diplomático em torno das patentes
Desde
o início do seu mandato, o ministro da Saúde, José
Serra, fala na possibilidade de quebra de patente de medicamentos
anti-Aids, tendo como base a lei brasileira de propriedade industrial.
Ele critica os preços praticados pelos laboratórios
internacionais e afirma a sua intenção de incentivar
a produção dos medicamentos por laboratórios
brasileiros.
A simples
ameaça de conceder licenciamento compulsório de patentes
internacionais registradas no Brasil fez com que o laboratório
Merck-Sharp reduzisse o preço de venda de dois produtos em
cerca de 2,5 vezes. Segundo declarações de Serra à
imprensa , o laboratório que não aceitar a redução
de preço e não passar a produzir em território
brasileiro após três anos de registro da patente no
Brasil, terá essa patente licenciada para a produção
por laboratório nacional.
O licenciamento
compulsório previsto na legislação brasileira
tem sido alvo de contestação por parte dos EUA, país
onde se concentra a maior parte dos laboratórios que detém
as patentes de medicamentos anti-Aids. Em abril deste ano, o Escritório
de Comércio da Casa Branca apresentou um relatório
à OMC, acusando o Brasil de estar em desacordo com as normas
internacionais, devido à quebra de patente de medicamentos.
Em nota oficial publicada no dia 1º de maio, Serra rebate a
acusação, afirmando que os EUA têm um dispositivo
legal semelhante e que a lei de patentes brasileira segue rigorosamente
as diretrizes da OMC.
Naquele
mesmo mês de abril, o Ministério das Relações
Exteriores da Noruega promoveu um workshop com a presença
dos secretários da OMS e da OMC, para discutir preços
diferenciados e financiamento de drogas essenciais para países
periféricos. O evento contou com a presença de cerca
de 80 experts de países industrializados e periféricos,
incluíndo representantes de grandes laboratórios,
como Merck e Pfizer, de fabricantes de genéricos, como a
Cipla, e de governos diretamente interessados nessa questão,
como Brasil e África do Sul. O acordo sobre propriedade intelectual
da OMC (TRIPS Agreement) serviu como base para as apresentações
e os debates do workshop.
Acadêmicos
como o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard, dos
EUA, também participaram da discussão, e explicitaram
o seu pensamento em artigos publicados na imprensa do mundo todo.
Segundo Sachs , é necessário que o lucro dos laboratórios
seja garantido pela patente, para que haja reinvestimento em pesquisa
e desenvolvimento, mas os países pobres não podem
pagar o mesmo preço que os países ricos.
Em
maio, um dos principais tópicos de discussão na Assembléia
Mundial de Saúde, promovida pela OMS em Genebra, na Suíça,
foi a proposta brasileira relacionada a medicamentos anti-Aids.
A resolução apresentada pela delegação
do Brasil, encabeçada pelo ministro José Serra, prevê
o acesso a medicamentos para pacientes com Aids como um direito
humano fundamental.
Essa
resolução também fala da necessidade de redução
do custo dos medicamentos e de prática diferenciada de preços,
de acordo com o grau de desenvolvimento de cada país. Ela
preconiza ainda o apoio à produção de genéricos
nos países pobres e a criação de um fundo internacional
para ajudar os países pobres no combate à Aids.
A proposta
brasileira teve resistência inicial da delegação
dos EUA, que contestava a política brasileira na OMC, e das
delegações da África do Sul e da Índia,
que receavam um recuo nos acordos firmados com os laboratórios
internacionais. Mas a pressão da maioria fez com que esses
três países aderissem aos outros 188 membros da OMS
na aprovação da resolução. Uma vez aprovada,
a resolução passou a ser norma da OMS e foi encaminhada
à ONU e à OMC.
No
encontro das Nações Unidas para discutir ações
globais no combate à Aids no mundo, em junho deste ano, o
governo dos EUA anunciou a retirada da queixa contra o Brasil junto
à OMC. Os dois países assinaram um acordo no qual
o Brasil se compromente a avisar antecipadamente os EUA sobre possíveis
licenças compulsórias de patentes registradas por
indústrias farmacêuticas norte-americanas.
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