Lucro alto, mão-de-obra descartável
O trabalho escravo contemporâneo na
economia de mercado da Amazônia brasileira
Leonardo Sakamoto
O objetivo desse ensaio é analisar como operam as formas contemporâneas de escravidão no país e entender como sua existência está intimamente ligada à dependência dos países da periferia ao centro econômico internacional.
A) Introdução
A assinatura da Lei Áurea, em 1888, representou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, colocando fim à possibilidade de possuir legalmente um escravo. No entanto, persistem situações que mantêm o trabalhador sem possibilidade de se desligar de seus patrões.
Há fazendeiros que, para realizar derrubadas de matas nativas para formação de pastos, produzir carvão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para plantio de sementes, entre outras atividades agropecuárias, contratam mão-de-obra utilizando os famigerados "gatos". Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros não sejam responsabilizados pelo crime.
Esses gatos recrutam trabalhadores em regiões distantes do local da prestação de serviços ou em pensões localizadas nas cidades próximas. Na primeira abordagem, eles se mostram pessoas agradáveis, portadores de excelentes oportunidades de trabalho.
Oferecem serviço em fazendas, com salário alto e garantido, boas condições de alojamento e comida farta. Para seduzir o trabalhador, oferecem "adiantamentos" para a família e garantia de transporte gratuito até o local do trabalho.
O transporte é realizado por ônibus em péssimas condições de conservação ou por caminhões improvisados sem qualquer segurança. Ao chegarem ao local do trabalho, eles são surpreendidos com situações completamente diferente das prometidas. Para começar, o gato lhes informa que já estão devendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentação na viagem já foram anotados no caderno de dívida do trabalhador que ficará de posse do gato. Além disso, o trabalhador percebe que o custo de todos os instrumentos que precisar para o trabalho - foices, facões, motosserras, entre outros - também serão anotados no caderno de dívidas, bem como botas, luvas, chapéus e roupas. Finalmente, despesas com os improvisados alojamentos e com a precária alimentação serão anotados, tudo a preço muito acima dos praticados no comércio.
Convém lembrar que as fazendas estão distantes dos locais de comércio mais próximos, sendo impossível ao trabalhador não se submeter totalmente a esse sistema de "barracão", imposto pelo gato a mando do fazendeiro ou diretamente pelo fazendeiro.
Se o trabalhador pensar em ir embora, será impedido sob a alegação de que está endividado e de que não poderá sair enquanto não pagar o que deve. Muitas vezes, aqueles que reclamam das condições ou tentam fugir são vítimas de surras. No limite, podem perder a vida. Este é o escravo contemporâneo, vítima do crime previsto no artigo 149 do Código Penal, submetido a condições desumanas e subtraído de sua liberdade.
A escravidão contemporânea é diferente da antiga, mas rouba a dignidade do ser humano da mesma maneira. No sistema antigo, a propriedade legal era permitida. Hoje, não. Mas era muito mais caro comprar e manter um escravo do que hoje. O negro africano era um investimento dispendioso, a que poucas pessoas tinham acesso. Hoje, o custo é quase zero, paga-se apenas o transporte e, no máximo, a dívida que o sujeito tinha em algum comércio ou hotel. Se o trabalhador fica doente, ele é largado na estrada mais próxima e se alicia outra pessoa. A soma da pobreza generalizada - proporcionando mão-de-obra farta - com a impunidade do crime criam condições para que perdurem práticas de escravização, transformando o trabalhador em mero objeto descartável.
Na escravidão contemporânea, não faz diferença se a pessoa é negra, amarela ou branca. Os escravos são miseráveis, sem distinção de cor ou credo. Porém, tanto na escravidão imperial como na do Brasil de hoje, mantém-se a ordem por meio de ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e assassinatos.
Em 1995, o governo brasileiro, por intermédio de um pronunciamento do Presidente da República, assumiu a existência do trabalho escravo no Brasil. Já naquele ano foram criadas estruturas governamentais para o combate a esse crime, com destaque para o Grupo Executivo para o Combate ao Trabalho Escravo (Gertraf) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel. No ano passado, o atual Presidente da República lançou o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e criou a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Em março de 2004, o Brasil reconheceu na Organização das Nações Unidas a existência de pelo menos 25 mil pessoas reduzidas à condição de escravos no país - e esse é um índice considerado otimista. Os números servem de alerta para o tamanho do problema. Porém, mesmo que houvesse um único caso de trabalhador reduzido à escravidão no Brasil, esse caso deveria ser combatido e eliminado.
De 1995 até 2003, 10.726 pessoas foram libertadas em ações dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. No total, foram 1.011 propriedades fiscalizadas em 243 operações. As ações fiscais demonstram que quem escraviza no Brasil não são proprietários desinformados, escondidos em propriedades atrasadas e arcaicas. Pelo contrário, são grandes latifundiários, que produzem com alta tecnologia para o grande mercado consumidor interno ou para o mercado internacional. Não raro, nas fazendas são identificados campos de pouso de aviões dos fazendeiros. O gado recebe tratamento de primeira: rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado, controle de natalidade com inseminação artificial, enquanto os trabalhadores vivem em piores condições do que as dos animais.
A superexploração de mão-de-obra não especializada é adotada por empresas e fazendas para diminuir custos de produção, aumentando assim a competitividade nos mercados interno e externo - sem que seja necessária a redução nos lucros dos acionistas.
Dessa forma, o trabalho escravo torna-se um importante componente da economia globalizada. Postos em fábricas e agroindústrias são fechados em países com rígida aplicação da legislação trabalhista e rede sindicais fortes e protegidas para serem abertos precariamente em regiões pobres, com excedente de força de trabalho e, conseqüentemente, mão-de-obra barata. Não é de se estranhar, portanto, que uma das primeiras denúncias de nova escravidão no Brasil que ganhou visibilidade internacional aconteceu em uma fazenda da montadora de veículos Volkswagen. Não são apenas fatores internos - como a falta de uma verdadeira reforma agrária, a garantia de condições de financiamento à agricultura familiar e a efetivação dos direitos fundamentais - que leva o país a manter essa prática deplorável. A nova escravidão está inserida na relação de dependência econômica com o Centro capitalista.
Não é possível precisar o quanto se ganha com utilização de trabalho escravo, uma vez que as vantagens são obtidas pelas grandes corporações principalmente de maneira indireta. Deve-se considerar a cadeia de produção em sua integralidade, uma vez que os ganhos dos donos de carvoarias são significativamente menores que os da usina siderúrgica. Que por sua vez, estão abaixo dos lucros das indústrias automobilísticas e do próprio comércio internacional.
Uma das alegações das sobretaxas impostas às mercadorias de países da periferia é de que eles foram produzidos com mão-de-obra escrava e infantil. Porém, a validade desse "instrumento humanitário", para não ser tachado de protecionismo hipócrita, deveria se estender também aos lucros remetidos por multinacionais norte-americanas aos Estados Unidos, uma vez que muitas ganham direta ou indiretamente com a superexploração do trabalho no Brasil.
B) Trabalho e dependência econômica
A flexibilização das leis trabalhistas e o aumento do número de empregados terceirizados criam dificuldades para a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e inviabilizam punições a quem lucra com a prática e tem o cuidado de criar garantias em torno de si. Freqüentemente os fazendeiros flagrados com trabalho escravo têm tentando transferir a responsabilidade legal para os "gatos" [aliciadores de mão-de-obra a mando do proprietário de terra]. A justificativa é simples: os peões não seriam funcionários do dono da fazenda e sim de um empreiteiro contratado para fazer o serviço.
Nos últimos dez anos, o país viveu um processo em que as empresas, evitando o pagamento dos direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passaram a transferir essa responsabilidade aos próprios trabalhadores ou simplesmente ignorá-las. De acordo com o MTE, é comum o número de cooperativas que funcionam para empresas não recolherem os devidos impostos e taxas - a ponto de receberem dos trabalhadores o apelido de "coopergatos". O governo federal, através do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo , promete apoiar uma velha reivindicação: o corte de crédito oficial dado por agências de financiamento para as empresas reincidentes na contratação de mão-de-obra em desacordo com a legislação trabalhista. Muitos dos que se beneficiam do trabalho forçado contam com apoio, por exemplo, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
De acordo com Santos, a escravidão ainda constitui um meio de viabilizar certos empreendimentos ligados à economia de mercado ou manter abusivamente alta a sua taxa de ganho. A estratégia é justamente reduzir ou, até mesmo, estancar a incidência de reflexos pecuniários que a lei número 5889/1973, que institui normas reguladoras do trabalho rural, pode ocasionar na realização do empreendimento. Nesse momento, entra a figura do gato como intermediário do fazendeiro, apesar desses contratadores de serviço serem, na maioria das vezes, pessoas também muito pobres e não possuírem estrutura para isso.
Durante a ditadura militar, o governo concedeu uma série de subsídios a empresas nacionais e multinacionais para que se instalassem na região amazônica com o intenção de criar um frente de desenvolvimento agrícola, extrativista e industrial na região. Isso, na concepção dos militares, também, contribuiria para barrar o avanço das ligas camponesas. Mesmo Greider afirma que uma das qualidades da globalização pós-Guerra Fria é o fato de empresas e governos das democracias capitalistas facilmente terem abandonado os valores que eles defenderam durante 40 anos durante o embate contra o comunismo - liberdades individuais e legitimidade política baseada em eleições livres. Preocupações com direitos humanos foram deixadas de lado pela oportunidade comercial. Multinacionais mergulharam confiantemente em novos mercados, do Vietnã à China, onde os governos freqüentemente controlam e abusam de seus próprios cidadãos. A situação de direitos fundamentais e trabalhistas existente na região de fronteira agrícola brasileira é bem similar à relatada por Greider no Sudeste Asiático e extremo Oriente.
O modelo de desenvolvimento nessas regiões é predatório, visando à maximização do custo-benefício através do não cumprimento das legislações trabalhista e ambiental. Em regiões ou estados onde a agricultura está inserida nunca economia "moderna" de mercado, é que se encontra a maior incidência de trabalho escravo. Vale o exemplo das fazendas reunidas Taina Recan, em Santana do Araguaia, e da Alto Rio Capim, em Paragominas, ambas no Pará, pertencentes ao grupo Bradesco. Nelas, entre as décadas de 70 e 80 foram libertados trabalhadores reduzidos à condição análoga a de escravo. Na publicação de 50 anos do Bradesco, maior banco privado do país, lê-se que : [Os anos do milagre econômico da década de 70], "também foram os anos de avanço do Bradesco na fronteira agrícola. O objetivo era usar os incentivos fiscais para levar novas tecnologias para o interior. Por esse motivo que foram criadas fazendas como a Rio Capim".
C.1) Legitimação da exploração como instrumento do desenvolvimento
Quando o setor exportador da economia se organiza sob controle externo, os grupos locais de poder político e econômico têm como base de sustentação uma estrutura agrária pouco diferenciada e obterão força mais pela capacidade que demonstrem de exercer a violência e de impor uma ordem interna que lhes assegure as condições para negociar do que de sua capacidade de atuação econômica. Esse processo ocorre na região de fronteira agrícola amazônica, que se encontra em um estágio de desenvolvimento tecnológico, político e de direitos civis bem abaixo da média do país. Vale ressaltar que o elo de dependência econômica e de relação comercial não é apenas um direcionamento norte-sul entre Centro e Periferia, mas também se organiza internamente, entre essa região e os centros industriais e agroindustriais do Sul-Sudeste brasileiro.
Sobre a estrutura da dependência, Cardoso afirma que a viabilidade da integração econômica das economias periféricas ao mercado internacional está estreitamente relacionada com a capacidade que possui o grupo produtor local para reorientar seus vínculos no plano externo e interno. No primeiro, as condições de negociação se determinam pelo setor financeiro e industrial das economias centrais. No segundo, a viabilidade depende da organização de um sistema local de monopolização, ao menos parcial, da violência e por conseguinte da consolidação de uma estrutura burocrática e política. Violência esta que é usada contra reivindicações sociais e para manutenção da força de trabalho sob controle.
Companhias multinacionais fazem hoje o que os impérios europeus fizeram no século 19 - exploram os recursos naturais de países da periferia e tomam vantagem do baixo custo da mão-de-obra - sem precisar tomar, porém, o governo e controlar o país inteiro. Da mesma forma, a nova escravidão se apropria do valor econômico dos indivíduos enquanto os mantém sobre total controle coercitivo - sem que seja necessário assegurar a propriedade sobre a pessoa ou ser responsável por sua sobrevivência. Essa escravidão é mais vantajosa ao empreendedor, pois não é mais necessário investir capital na compra e manutenção da força de trabalho.
D) Falta de ações preventivas
Em ação de dez dias iniciada no dia 30 de abril deste ano de 2003, foram resgatados 67 trabalhadores rurais que estavam sob condições degradantes de trabalho nas fazendas Ponta de Pedra e Ponta da Serra, ambas de gado, na região de Marabá, Sudeste do Estado do Pará. Dos 29 trabalhadores libertados na Ponta de Pedra, perto da Vila de Quatro Bocas, dois eram menores de idade. Um deles, de 13 anos, operava motosserra desde os nove, fazendo estacas de cercas com as árvores que o pai derrubava da floresta amazônica. O proprietário da fazenda foi obrigado a pagar mais de R$ 80 mil em multas e direitos aos trabalhadores. A criança recebeu R$ 7,2 mil, a maior quantia entre todos. Contando toda a sua família, inclusive um irmão deficiente, o total foi mais de R$ 20 mil. Na Ponta da Serra, Francisco Moreira recebeu, de acordo com o grupo móvel, a maior indenização já paga a um único trabalhador resgatado. Pelos seus 19 anos como carpinteiro da fazenda sem direitos trabalhistas e com a audição comprometida por causa do serviço, recebeu R$ 40 mil, descontados os impostos. Aos 64 anos, já tinha passado da idade de se aposentar, mas tinha medo de parar de trabalhar por não ter a carteira de trabalho assinada. A Ponta da Serra foi obrigada a acertar R$ 293 mil em contas com os trabalhadores - além das multas trabalhistas e do processo que teria que responder.
Na fazenda Ponta de Pedra, foi encontrado José Oliveira, 33 anos, três filhos, roceiro que já havia sido libertado pelos fiscais em 2001, na fazenda Peruano, município de Eldorado dos Carajás - a história narrada no início deste ensaio. Os R$ 960,00 que recebeu de direitos trabalhistas não duraram muito e ele teve que sair da sua cidade, Paragominas, na Pará, uma vez que não havia emprego disponível. Acabou caindo, novamente, na rede de endividamento e no trabalho escravo.
Se, por uma lado, preocupa o grande número de fazendas e empresas reincidentes na superexploração de trabalhadores, por outro a quantidade desses mesmos trabalhadores que voltam a se tornar escravos após serem libertados é um problema ainda maior. O caso de Oliveira é comum, de acordo com os fiscais do ministério - que declaram a insatisfação de terem que refazer o seu trabalho indefinidamente. Grosso modo, é como tirar água de um barco furado.
Apesar do anúncio das medidas do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, ainda não foi posto em prática projetos estruturais para impedir que o sertanejo deixe sua terra no Nordeste para procurar serviço na região de fronteira agrícola amazônica. Não é o objetivo deste ensaio discutir a implantação de políticas públicas para isso. Mas vale citar que o governo federal alega que está fazendo sua parte, mesma alegação do governo anterior, apesar de muitos dos itens propostos estarem parados, seja sob a justificativa de falta de recursos e entraves burocráticos, seja por falta de força política.
E) Considerações finais
A erradicação da nova escravidão passa pela mudança nessa superexploração do trabalho entre regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas. Deve-se criar mecanismos que diminuam os lucros ou tornem menos atraentes investimentos em empresas que utilizam mão-de-obra escrava em sua cadeia de produção. E, por mais que pese a incapacidade de órgãos internacionais de fornecer respostas satisfatórias a esses problemas, é importante insistir em uma participação concreta de organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC) na vigilância de instituições e empresas multinacionais que lucram com o trabalho escravo. Isso não significa levantar barreiras comerciais a produtos como o aço brasileiro - ação que teria como conseqüência apenas proteger os mercados internos dos países do Centro capitalista. Mas buscar alternativas de punição para o capital que é utilizado para financiar essa prática. Sabe-se que devido à relação desigual de forças entre os países e a impossibilidade de ação coercitiva de organizações internacionais trabalhistas e sociais, é muito difícil a adoção de uma projeto integrado global nesse sentido.
Do ponto de vista das ações internas, é imprescindível uma maior participação do Estado brasileiro na fronteira agrícola amazônica, de modo a frustar a estrutura de poder mantida por fazendeiros e instituições que lucram com essa situação. A inclusão dessa massa de trabalhadores em um estado de direito, através da implantação de condições sociais para o desenvolvimento sustentável de suas famílias e a universalização da Justiça são os passos fundamentais. Ampla reforma agrária, a concessão de subsídios ao pequeno agricultor e à agricultura familiar e, é claro, a garantia de escoamento dessa produção ao mercado interno e externo - criando uma alternativa à atual matriz agrícola da região. O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, em uma declaração que ele considerou realista, afirmou que, até 2006, é possível erradicar o trabalho escravo no Brasil. Como foi anunciada como uma prioridade real do atual governo federal, ele precisa começar diminuir o atraso na implantação das medidas necessárias para que possa cumprir a promessa a tempo.
F) Bibliografia
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SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo, LTr, 2000.
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Leonardo Sakamoto, membro do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Democratização e Desenvolvimento (Nadd/USP), doutorando do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e representante da ONG Repórter Brasil na Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Observações
A introdução deste ensaio é baseada em documento produzido pelo autor para a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), documento que teve a colaboração de seus membros (voltar)
Em 1971, surgiram as primeiras denúncias de formas contemporâneas de escravidão, feitas por dom Pedro Casaldáliga sobre a situação dos trabalhadores com dívidas impagáveis. Sete anos mais tarde, a denúncia feita pela Comissãp Pastoral da Terra contra a fazenda Vale do Rio Cristalino, pertencente à Volkswagen, localizada no sul do Pará, a partir do depoimento de peões que conseguiram fugir a pé da propriedade, deu visibilidade internacional ao problema. Fonte: Comissão Pastoral da Terra. (voltar)
Lançado no início deste ano, reúne 76 medidas (na relação aparecem 75, mas o número 34 se repete duas vezes) de combate à prática. Ele foi bem recebido por organizações da sociedade civil, como a própria CPT, que colaboraram na sua elaboração. Porém, a implantação tem sido lenta e muitas vezes esbarra na política (pressão da bancada ruralista) ou na incapacidade do governo federal de integrar setores sob sua administração. (voltar)
O Ministério da Fazenda e o Banco Central prometeram baixar portaria restringindo todo crédito agrícola para os produtores da "lista suja" do trabalho escravo no Brasil, que tiveram suas autuações transitadas em julgado. Até agora, o crédito foi cortado apenas para os Fundos Constitucionais, administrados pelo Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste do Brasil e o Banco do Brasil. (voltar)
SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. O problema do trabalho forçado no Brasil contemporâneo: subsídios ao infome da delegação do Governo do Brasil à 80 Conferência Internacional do Trabalho. Brasília, Ministério do Trabalho, 1993. p.15 (voltar)
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo, LTr, 2000. p.79 (voltar)
op. cit. p.80 (voltar)
GREIDER, William. One World, Ready or not: The Manic Logic of Global Capitalism. Nova Iorque, Simon ans Schuster, 1997. p.37 (voltar)
A relação carnal que se estabelece entre o patrimônio público e a propriedade privada na região amazônica é um problema de difícil solução. Muito similar ao que se enraizou com o coronelismo nordestino da Primeira República, o detentor da terra exerce o poder político, seja através de influência econômica, seja através de coerção física. O já tênue limite entre as duas esferas se rompe. Secretários de finanças são ao mesmo tempo gerentes de fazendas, nas quais policiais militares exercem a função de seguranças ou jagunços. Nos parlamentos, de vereadores a senadores são eleitos com o dinheiro proveniente da exportação de mogno ou da utilização de trabalhadores em situação de escravidão. A regulamentação e implantação de leis que garantiriam mais direitos ao trabalhador rural e a tão sonhada reforma agrária ficam comprometidas devido aos entraves colocados por representantes de extrativistas e pecuaristas. (voltar)
SANTANA, Eudoro. Órfaos da Abolição: tráfico de trabalhadores e trabalho escravo. Fortaleza, Imprensa Oficial do Ceará, 1993. p.13 (voltar)
SUTTON, Alison. Slavery in Brazil: Link in the Chain of Modernisation. Londres, Anti-Slavery International, 1994. p49 (voltar)
A relação de casos em que o capital financeiro nacional e internacional e o governo federal patrocinam a utilização de trabalho escravo na área de fronteira agrícola amazônica é extensa. Como, por exemplo, a Companhia Real Agroindústria e as fazendas Agropalma, no Pará, pertencentes ao banco Real e financiadas por subsídios da Sudam. (voltar)
CARDOSO, Fernando Henrique. Política e Desenvolvimento em Sociedades Dependentes - Ideologias do Empresariado Industrial Argentino e Brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971. p 63 (voltar)
Op.cit. p. 64 (voltar)
Muitas vezes, sub-regiões da fronteira agrícola funcionam como verdadeiras unidades autônomas, operando ilegalmente dentro do Estado brasileiro. O melhor exemplo é o Sul-Sudeste do Pará, zona de influência de Marabá, a região com maior incidência de trabalho escravo no país e que os fazendeiros almejam compor uma unidade própria da federação, desmembrada do Pará. (voltar)
BALES, Kevin. Disposal People: new slavery in global economy. Berkeley, University of Califórnia Press, 1993. p 25. (voltar)
Informações e depoimentos colhidas em trabalho de campo do autor em Eldorado dos Carajás - abril e maio de 2003. (voltar)
O menino é analfabeto. Em toda a sua vida freqüentou um banco escolar por apenas dez dias devido à violência causada pela ação de pistoleiros que tomaram conta do vilarejo mais próximo. Passava os dias da semana morando em uma tenda de lona no meio da floresta - onde já passou muito frio, ensopado nos dias de trovoadas amazônicas - e nos finais de semana ajudava o pai na roça do seu sítio. Não sabia o dia do aniversário e nem o que se comemorava no 1º de maio, dia em que foi encontrado pela equipe do Ministério do Trabalho. Por dois anos, sua família não viu a cor do dinheiro, recebendo só comida da fazenda. "Trabalhar com serra é o jeito. Senão a gente morre de fome". (voltar)
De 1995, quando as estatísticas começaram, até o início de 2003, foram mais de 40 empresas e proprietários reincidentes de acordo com dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE. (voltar)
Vale lembrar que o governo sempre esteve presente na região através dos empréstimos a juros baixos e fácil crédito agrícola concedido a empresas que se instalaram na Amazônia. (voltar)
Depoimento dado durante o lançamento do Segundo Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, lançado em maio de 2003 em evento na Universidade de São Paulo. (voltar)
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