Pobreza causa trabalho infantil
O trabalho infantil é repudiado por muitos, usufruído por outros tantos e exercido por cerca de 3,8 milhões de crianças e adolescentes no Brasil, o que vergonhosamente o coloca como o terceiro país da América Latina que mais inviabiliza a infância, segundo dados da Unicef. As causas principais são a pobreza e o desemprego crescentes, que acabam servindo como justificativa para aqueles que empregam esses jovens ou mesmo os que se defrontam diariamente com meninos vendendo balas nos sinais, engraxando sapatos nos grandes centros, entregando panfletos nos calçadões ou colhendo algodão nos campos. O fato é que muitos desses pequenos cidadãos são a favor de seu direito de trabalho, mas de forma digna, ao contrário da exploração a que são sujeitados.
Em função desta espinhosa situação, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Unicef diferenciaram o trabalho explorador proibitivo (child labour) daquele que pode socializar o jovem, respeitando sua educação escolar e seu descanso (child work). Essa discussão ganha força e reconhecimento durante o primeiro Congresso Mundial sobre Trabalho Infantil que ocorre em Florença, na Itália, entre os dias 10 e 13 de maio. O evento conta com 300 crianças trabalhadoras de várias partes do mundo que contribuem para a elaboração de um plano de ação contra o trabalho infantil explorador. No Brasil essa discussão volta a tona, no mês de junho, quando Brasília sediará o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, fortalecendo o Dia Internacional Contra o Trabalho Infantil (12 de junho).
O fato é que a combinação de uma crescente demanda por mão-de-obra barata, ausência de sindicatos que defendam a categoria, omissão de responsabilidade das grandes corporações com a cadeia produtiva como um todo e as causas acima citadas propiciam um terreno fértil para que esses pequenos adultos enfrentem jornadas de trabalho que variam, em média, de 27 (nas cidades) a 34 horas semanais (no campo), segundo afirma Sven Hilbig, coordenador de programas da organização não-governamental Justiça Global em artigo. Pelo serviço, crianças e adolescentes, principalmente do sexo masculino, recebem em média 50 centavos por hora, sem direito à carteira assinada e férias, muito embora a legislação brasileira determine que o trabalho é proibido para menores de 16 anos. Quanto mais novos são esses trabalhadores, menor ou mais ausente é a remuneração.
A história do trabalho infantil, reconhecidamente ilegal até os 15 anos pela Constituição Brasileira, acompanha a própria trajetória do país enquanto colônia, quando crianças descendentes de negros e índios eram obrigadas a incrementar a mão-de-obra das fazendas. De lá para cá, expandiram-se as "possibilidades de trabalho", passando pelo menino-dos-bijus, o engraxate, o vendedor de gibis, até chegar aos soldados e os mediadores na venda de drogas. Atualmente, a OIT afirma que 70% dos trabalhos infantis dividem-se na agricultura, pesca e atividades de caça ; seguidos por 8% que vêm das linhas de produção, comércio atacado e varejo; 8% de serviços domésticos; 4% de transportes, armazenamentos e comunicação, e os 3% restantes são atribuídos à construção e a mineração. Não entram nessa estatística dados de crianças envolvidas com o tráfico de drogas, delitos ou prostituição, por serem difíceis de serem identificados pelas pesquisas de opinião , como afirma Ana Lúcia Kassouf, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. "Acho que esta porcentagem é pequena, mas preocupante", diz a pesquisadora, que é também consultora da Organização Internacional do Trabalho. Ela acredita que o levantamento desses dados deve ser feito junto aos municípios por meio de denúncias.
Cidadania
O reconhecimento dos direitos civis das crianças demorou a ocorrer. A primeira regulamentação obrigatória foi aprovada em 1989 pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado em 1990.
Para tentar combater o problema do trabalho de crianças em carvoarias do Mato Grosso, e mais tarde o trabalho infantil de maneira geral, o governo federal lançou, em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Hoje, são pouco mais de 810 mil beneficiados, em 2.601 cidades brasileiras, que recebem verba mensal de 25 reais, quando a residência é na zona rural, e 40 reais, na urbana, para afastarem-se do trabalho. Coordenado pelo Ministério de Combate à Fome, o programa iniciou o ano com atrasos na liberação dos recursos de 2004, estimados em R$ 480,2 milhões, graças à burocracia.
Ana Lúcia Kassouf, pesquisadora da Esalq, orientou a dissertação de mestrado de Andréa Rodrigues Ferro sobre os impactos dos programas de bolsa-escola no trabalho infantil. A pesquisa mostra uma redução no número de horas trabalhadas pelas crianças que recebem o auxílio do governo federal em cerca de 3,4 horas mensais na área urbana e 2,7 horas na área rural. Mas os dados não foram conclusivos para determinar se esses programas diminuem o trabalho infantil. O recebimento da bolsa-escola, segundo lembra Kassouf, não exige que o beneficiado pare de trabalhar, embora haja a obrigatoriedade da freqüência escolar.
Kassouf, que iniciou seus estudos com trabalho infantil em 1997, observa que as pesquisas na área cresceram e desenvolveram-se bastante nesses últimos anos, o que contribuiu para melhorar a conscientização de pais e empregadores. "Em 1992, 15% de jovens de 5 a 15 anos trabalhavam; hoje são cerca de 8%", exemplifica. A pesquisadora elogia o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do governo, mas não acredita que esse tipo de trabalho será banido, simplesmente porque é preciso melhor definir o termo "trabalho infantil". As estatísticas, por exemplo, incluem nessa categoria crianças que se dediquem a qualquer atividade econômica, mesmo por uma hora diária ou ajudando os pais no campo, como é comum, até como forma de transmissão de costumes. É urgente, no entanto, enfatiza, agir rapidamente para combater os trabalhos perigosos, insalubres ou penosos.
Trabalho infantil pelo mundo
De acordo com dados de 2002 da OIT e do Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), existem no mundo cerca de 350 milhões de crianças entre 5 e 17 anos envolvidas em alguma atividade econômica. Entre elas, cerca de 250 milhões são submetidas a condições consideradas de exploração, o que equivale a uma criança em cada seis no mundo. Destas, 170 milhões trabalham em condições perigosas e 76 milhões têm idade inferior a 10 anos. A maior parte deste exército de mini-trabalhadores (entre 5 e 14 anos de idade) vive na Ásia (127 milhões) e na África e Oriente Médio (61 milhões). Na América Latina e Caribe são 17,4 milhões, ou seja 8% do total. Os países industrializados e o leste europeu não são exemplos do problema, uma vez que abrigam pelo menos 5 milhões de crianças trabalhando. Uma parte menor, mas dramaticamente consistente, desse contingente de trabalhadores é vitima de escravidão e destinada, por exemplo, à atividade de prostituição - número estimado em 8,4 milhões de crianças no mundo.
Em pesquisa de dezembro de 2003, OIT e IPEC investigaram os custos que a exploração infantil traz para a economia dos países. O resultado foi surpreendente: se os 250 milhões de crianças não fossem exploradas e tivessem acesso à educação, até considerando o trabalho e a produção perdida, a vantagem econômica global seria notável. Em vinte anos, para cada dólar gasto em educação das crianças que atualmente são exploradas, se obteria um incremento na renda de 9,9 dólares em média no mundo e 15,6 dólares em média nos países emergentes. A eliminação do trabalho infantil causaria, nos mesmos vinte anos, um incremento médio de 9,3% do PIB nos países da América Latina e de 5,1% nos emergentes.
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(GB e YC)
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