Reportagens






 
Museus e centros de ciência virtuais: uma nova fronteira para a cultura científica

Marcelo Sabbatini

Na atual discussão sobre a criação de uma cultura científica generalizada para toda a sociedade, através dos processos da comunicação pública da ciência, destacam-se os museus e os centros interativos de ciência, como insituições capazes de conectar os avanços e as questões relacionados com a ciência e a tecnologia aos interesses do cidadão comum. Seus objetivos principais são aumentar a consciência sobre o papel e a importância da ciência na sociedade, proporcionando experiências educativas para que os usuários compreendam princípios científicos e tecnológicos e despertando um interesse pela ciência e pela tecnologia, que sirva de estímulo para aproximações posteriores. Em resumo, promover a aproximação à compreensão pública da ciência e à tecnologia mediante atividades de popularização e de experiências educativas informais e não-formais, apoiadas em enfoques interativos, experimentais e lúdicos.

Além de aproximar as pessoas dos avanços científicos e tecnológicos, outros objetivos dos museus e centros de ciência seriam despertar o interesse por aprender e aprofundar seus conhecimentos; ajudar na formação de um espírito crítico e utilizar o espaço de foro do museu para a tomada de decisões eficazes em benefício da maioria. Sua missão relaciona-se, portanto, com o ideal da alfabetização científica, entendida como o nível mínimo de compreensão em ciência e tecnologia que as pessoas devem ter para funcionar de forma mínima como cidadãos e consumidores em nossa sociedade tecnológica.

Assim, um conceito que assume vital importância é o da manipulação, ou hands-on, que implica em uma ação física sobre a exibição. Porém, as exibições realmente interativas são aquelas que respondem à ação do visitante e lhe convidam a dar uma resposta ulterior, implicando uma dependência mútua entre usuário e exibição. É este feedback dirigido ao usuário que provoca uma interação adicional. O conceito de manipulação é um pré-requisito mas não uma condição suficiente para que se chegue à compreensão; para que a experiência perceptiva seja significativa, também deve ser relevante para o visitante. A experiência de visita aos centros interativos se poderia conceber, então, como tetradimensional; a quarta dimensão seria a interatividade.

Em relação com sua missão educativa, as atividades do museu se enquadram dentro do campo da educação não formal, com a existência de um visitante ocasional que aprende de forma não estruturada, espontânea e personalizada e cuja aprendizagem se materializa através das exibições interativas, de conferências, demonstrações, oficinas de experimentos, projeção de filmes e do uso de multimídia. Além disso, também proporcionam serviços de educação não formal, atividades organizadas e sistemáticas sem certificação que tendem a modificar conhecimentos, habilidades e atitudes. Em seu conjunto, estas atividades alcançam um público bastante geral pois são visitados por pessoas de todas idades e condições. Esta missão se justifica, então, a partir do princípio de complementação em relação ao sistema de educação formal.

Para concluir, o papel de um museu científico em uma sociedade democrática se situa como interface e mediador de quatro setores específicos relacionados com o sistema de ciência e tecnologia de um país: a sociedade mesma entendida como o cidadão comum que se beneficia da ciência, a comunidade científica que cria o conhecimento científico, o setor produtivo e de serviços que usa a ciência e a administração onde se administra a ciência. Da mesma forma, cumprem suas funções junto e em relação com outros tipos de instituições, como por exemplo os meios de comunicação de massa.

Uma nova fronteira: o museu virtual
O surgimento dos sistemas de comunicação digitais através de redes de computador, e especificamente Internet, estão criando um novo modelo de apresentação e acesso a museus e centros de divulgação científica, redefinindo seu papel como instituições dedicadas a aumentar o grau de percepção pública da ciência e da tecnologia. Surgem, portanto, as questões de como utilizar o ambiente virtual como meio educacional, e quais são os tipos de aprendizagem mais adequadas para a Internet, especialmente relacionados à educação científica. Trata-se, então, de analisar de forma crítica quais são as possibilidades e limitações únicas da Internet para os museus científicos.

De todas as discussões que cercam o conceito do museu virtual, uma das que mais questionamentos despertam é a possibilidade de ter uma experiência significativa ou "real" visitando o museu virtual. Embora os meios digitais e as redes de comunicação possam ampliar e dar novos significados à informação que um museu proporciona a seu público, a questão da suplantação ainda é muito forte para ser esquecida. Em outras palavras, o museu virtual deveria proporcionar experiências multimidiáticas autênticas em seu domínio, mas sem aspirar à autenticidade do objeto real, que por sua própria definição não pode ser mediada. Nunca haverá um "museu virtual" no sentido completo da palavra, uma vez que a visita virtual é fundamentalmente uma experiência mediática, e não uma experiência museística.

De forma que o grande diferencial do museu virtual, enquanto complementação, residiria na capacidade de estabelecer vinculações entre os objetos, dar a oportunidade ao visitante de enfocar seus tópicos de interesse e estabelecer um diálogo interativo com o museu e implicando a mudança de paradigma do enfoque na coleção - no objeto - para a audiência - as pessoas. Assim, além da capacidade de realizar interconexões entre os blocos de informação, um dos principais requisitos dos museus virtuais seria o reconhecimento de que o ambiente virtual é interativo e que, portanto, o enfoque se encontra no usuário.

A base das atividades dos museus científicos reside em sua capacidade de exibições de uma relativamente larga duração, complementadas por debates e outras maneiras de intercambiar informações e idéias - em oposição aos meios tradicionais como televisão e imprensa escrita. Assim, devido ao seu enfoque em exibições, os museus científicos possuem uma oportunidade natural para a criação de exibições online e deveriam atuar como pontos nodais no acesso público à ciência e à tecnologia, misturando exibições eletrônicas com atualizações online imediatas com a informação mais atual, mediando a descoberta de informações relativas à atualidade científica, assim como dos conceitos subjacentes.

Por outro lado, o ensino em ciências deve permitir que o aluno aplique princípios científicos na exploração do mundo natural, ao mesmo tempo em que relaciona os descobrimentos derivados desta pesquisa ao seu cotidiano, à comunidade em que vive e aos outros conteúdos que aprende na escola. Vinculados a estes objetivos se encontram o reconhecimento da importância da ciência, a resolução de problemas da vida cotidiana através do método científico, o desenvolvimento do pensamento crítico e a consideração das conexões entre ciência, tecnologia, história e sociedade. Assim, a aprendizagem ativa - com o aluno interagindo com uma grande variedade de recursos, com a mistura de experimentação e de tutoria realizada por especialistas, estes processos complementados pela interação social com outros aprendizes no processo de construção do conhecimento procura sobretudo a prática científica em um contexto social. Ao mesmo tempo, reconhecem-se algumas demandas do processo de ensino-aprendizagem, com a adoção de uma pedagogia construtivista, o enfoque na aprendizagem em grupo e do papel do professor como guia, além disso do papel do multimídia em favorecer distintos estilos de aprendizagem e da aprendizagem orientada a projetos.

Tendo em conta estas considerações, os experimentos virtuais e as simulações também teriam um importante papel no museu virtual. A possibilidade de que os experimentos virtuais façam uso de simuladores, por exemplo, em exibições que ilustrem a física newtoniana. Do mesmo modo, poderia-se aplicar a dissecação e manipulação de artefatos físicos, à criação de soluções de desenho colaborativos. Também cabe fazer uma distinção entre as demonstrações, que têm como objetivo a ilustração de conceitos, os elementos de avaliação, como podem ser as questões de múltipla escolha, aleatórias ou adaptativas e a experimentação propriamente dita, com a manipulação de parâmetros e a visualização interativa por parte do usuário. A questão dos experimentos virtuais supõe uma mudança de paradigma, da transferência de informação em contraposição ao espírito investigador. Assim, as simulações, devido a suas características da utilização de multimídia, de resposta instantânea ao usuário, de interatividade e de animação, oferecem benefícios cognitivos aos aprendizes, devido ao envolvimento de mais sentidos no processo de aprendizagem, à redução da carga de manipulação mental, às tarefas cognitivas relacionadas com processos ou com visualizações de estruturas em três dimensões e à redução do ruído, segundo as várias teorias propostas para a aprendizagem multimídia.

Particularmente, o tradicionalismo e a ausência de experiências realmente inovadoras nos pode levar a acreditar que os museus de ciência na Iberoamérica estão perdendo uma oportunidade única1 de experimentar, inovar e, possivelmente, redefinir seu papel e sua missão frente à sociedade. Demandam-se, portanto, iniciativas de colaboração para a propulsão do conceito de museu virtual, por exemplo, através da criação de um meta-museu ou meta-centro de informação, que funcionasse como um ponto de acesso comum à informação dos distintos museus e que, além disso, estabelecesse a base institucional para a realização de projetos comuns, para a obtenção de recursos e para a conscientização em relação às possibilidades educativas do museu virtual.

Por outro lado, o conceito de museu virtual abre inumeráveis possibilidades de acesso a manifestações e criações culturais que nem a escola nem os textos podem resolver por suas limitações como instrumentos de acesso à cultura, ao tempo que complementa de maneira relevante as possibilidades de formação que tanto as salas-de-aula como os textos podem promover. Neste ponto também destacamos como a utilização de tecnologias informáticas aplicadas ao âmbito da educação das ciências, utilizados em conjunto com ferramentas de colaboração e comunicação, podem aproximar a atividade didática à prática científica, aproximando-se da reforma educativa exigida na atualidade.

Marcelo Sabbatini é doutorando em Teoria e História da Educação pela Universidade de Salamanca, Espanha e pesquisador associado do Instituto Universitário de Estudos da Ciência e da Tecnologia da mesma universidade. Editor do boletim de divulgação científica Infociencia.Net. -
http://www.sabbatini.com/marcelo/

Notas:
1. Esta afirmação tem como base uma investigação experimental realizada pelo autor com o objetivo de analisar como os museus da Iberoamérica estão alcançando o estágio de "museu virtual", e identificando quais são os conteúdos, funcionalidades e aproximações do museu virtual, com especial ênfase em nossa realidade. A amostra consistiu de 63 museus virtuais, de países da Iberoamérica, América do Norte e Europa Ocidental. Para cada categoria superior de análise (Informação geral sobre o museu virtual, Informação sobre o museu físico, O museu virtual) calculou-se um índice geral, através da percentagem das ocorrências sobre o total de categorias analisadas, para cada caso. Através desta análise pudemos constatar, empiricamente, que na atualidade existe uma grande diferença entre os museus virtuais da Iberoamérica e de outros países, além do que, não aproveitam as potencialidades dos museus "verdadeiramente" interativos, nem tampouco transladam a informação do museu físico a Internet de uma maneira adequada. Também se nota uma ausência geral das iniciativas relacionadas com o ensino das ciências e da associação com o setor educativo.

Museus e centros de ciência virtuais

Alemanha
Deustche Museum
http://www.deutsches-museum.de

Austrália
Questacon - The National Science & Technology Centre
Canberra
http://www.questacon.edu.au

Brasil
Estaçao Ciência - Universidade de Sao Paulo
Sao Paulo
http://www.eciencia.usp.br

Canadá
Ontario Science Centre
http://www.ontariosciencecentre.ca

Chile
Museo Interactivo Mirador
http://www.mim.cl/

Colômbia
Maloka
Bogotá
http://www.maloka.org

Dinamarca
Experimentarium
http://www.experimentarium.dk

Espanha
Museos Científicos Coruñeses
http://www.casaciencias.org

Parque de las Ciencias
http://www.parqueciencias.com

Museo Miramon - Kutxa Espacio de la Ciencia
http://www.miramon.org

Museo Nacional de Ciencias Naturales (CSIC)
http://www.mncn.csic.es


Estados Unidos
Exploratorium - The museum of art, perception and human perception
http://www.exploratorium.com

The Franklin Institute
http://sln.fi.edu/

Museum of Science
http://www.mos.org

Science Museum of Minnesota
http://www.smm.org

Oregon Science and Industry Museum
http://www.omsi.edu

National Museum of Natural History
http://www.mnh.si.edu

National Air and Space Museum
http://www.nasm.si.edu

Finlândia
Heureka
http://www.heureka.fi

França
Cité des Sciences et de l'Industrie (La Villete)
http://www.cite-sciences.fr

Itália
Museo Nazionale de la Ciencia y de la Tecnica Leonardo da Vinci
http://www.museoscienza.org

Science Centre - Immaginario Scientifico
http://www.immaginarioscientifico.it/

Instituto e Museo di Storia della Scienza
http://www.imss.firenze.it/

Holanda
New Metropolis Science Centre Association
http://www.e-nemo.nl/

México
Centro de Ciencias Explora
http://www.explora.edu.mx/

Portugal
Pavilhão do Conhecimento - Ciência Viva
http://www.pavconhecimento.mct.pt/

Reino Unido
The National Museum of Science and Industry - Science Museum
http://www.sciencemuseum.org.uk/

Techniquest
http://www.tquest.org.uk

Glasgow Science Center
http://www.gsc.org.uk

 
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Atualizado em 10/07/2003
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