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Pesquisadores discutem papel dos museus

Não são apenas as pesquisas que provocam debates, divergências e polêmicas entre os cientistas. Também a divulgação da ciência e a constituição dos museus de ciência apresentam esse tipo de tensão e de controvérsia.

Grande parte dos cientistas defende que os museus de ciência devem proporcionar o contato com os procedimentos da pesquisa científica e os conceitos teóricos nela envolvidos, desde o seu início até a obtenção dos resultados. Tudo isso de maneira descontraída, cumprindo a função de entreter e educar. Esse processo tem um forte componente de cidadania: acredita-se que cada indivíduo que passa pelo museu torna-se mais apto a opinar sobre assuntos relacionados ao dia-a-dia, tais como transgênicos, clonagem, preservação do meio-ambiente e outros que exigem uma base científica mínima para se emitir uma opinião mais convincente.

Segundo Gilson Antunes da Silva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os museus também devem discutir aspectos éticos e sociais da ciência. Diante de uma tendência de privatização de algumas áreas, na qual o sigilo industrial e o lucro são priorizados em detrimento da ética, o conhecimento sobre ciência funciona como um mecanismo de defesa para a sociedade. Silva afirma que "quanto maior for o nível de cultura científica do cidadão, maior será a possibilidade do controle social da ciência e da tecnologia, neutralizando essa tendência pela participação cívica e cotidiana, afirmando o bem comum como finalidade da ciência."

No entanto, alguns pesquisadores defendem que a divulgação científica deve relativizar a própria ciência, apresentando também suas controvérsias e situando-a em um contexto social mais amplo. A professora Margareth Lopes, do Instituto de Geociências da Unicamp e pesquisadora da área de museologia, partilha dessa opinião: "A cultura científica é apenas uma das formas de cultura. A ciência não tem um status epistemológico superior a outras manifestações culturais. É uma atividade mundana, social, praticada por pessoas que vivem em um determinado contexto sócio-econômico, em períodos históricos determinados". Para a professora, isso implica desmitificar a ciência, que tem sua 'universalidade' e 'objetividade' questionadas desde os anos 1970, por uma forte produção bibliográfica acadêmica.

Segundo Lopes isso também significa que os museus de ciência devem ser vistos como instituições de pesquisa, responsáveis pela construção de saberes historicamente situados, como alguns dos museus brasileiros foram concebidos. É o caso do Museu Paulista, fundado em 1893, voltado para as ciências naturais e para áreas disciplinares como paleontologia, antropologia e fisiologia experimental. Também se enquadra nesse grupo o Museu Histórico Nacional, de 1922, idealizado para construir uma "nova história oficial", enfatizando a identidade local de São Paulo e a atuação dos heróis paulistas na história do Brasil.

A professora da Unicamp justifica suas críticas a algumas tendências de museus de ciência atuais, lembrando um movimento ocorrido nas décadas de 1930 e 1940. Naquele momento, os museus deixaram de ser concebidos como locais de produção do conhecimento científico para exibir coleções de estudos ou práticas científicas sancionadas, prontas para ser ensinadas. Em um momento posterior, ganharam popularidade os science centers, idealizados nos EUA, que passaram a enfatizar suportes interativos com o público e recursos de informática.

A professora conclui que, devido à exclusão das pesquisas nos museus, aos educadores resta o papel de simplificar ou distorcer "verdades inquestionáveis". O público, por sua vez, é visto como desprovido de qualquer saber ou poder. "Os museus acabam virando meros 'apêndices' da escola ou da universidade", afirma a pesquisadora, citando o conceito desenvolvido pela especialista Waldina Rússio. Lopes evita citar exemplos atuais de museus que tenham uma abordagem adequada: "os museus que contemplam a história da ciência, em geral, abrem possibilidades. Porém, cada caso deve ser visto em seu contexto."

Já Marcelo Firer, professor do Instituto de Matemática e Estatística e integrante do grupo de trabalho de implantação do Museu de Ciência da Unicamp, é crítico em relação ao questionamento da ciência como saber instituído. "Relativizar a ciência ou contestar a ciência por motivos ideológicos é algo como negá-la. Hoje o cidadão vive imerso na Ciência e na Tecnologia e não há saída fora dela", mas ele próprio faz uma relativização ao reconhecer que a ciência deve ser questionada como modelo, tal como se constatou que a mecânica de Newton era insuficiente para explicar o movimento das galáxias, apesar de servir para explicar o movimento dos planetas. O professor ainda define que a produção de conhecimento nos museus de ciência ocorre quando o público é levado a desenvolver um raciocínio a partir de um experimento e compreender um fenômeno: "Sob o ponto de vista do método, uma experiência começa quando se levanta hipóteses e termina quando temos a compreensão do fenômeno suficiente para prevermos eventos. Ainda que intuitivamente, esse processo deve estar presente no museu."

A interatividade proporcionada pelos experimentos expostos também é apontada pelo professor como fundamental para o museu de ciência levar a uma reflexão sobre o que está sendo mostrado. Ele também destaca que, no entanto, essa construção do conhecimento pressupõe uma mediação, o que pode ser feito a partir do trabalho de um professor ou através de oficinas, por exemplo.

Firer visitou recentemente o museu de ciência da PUC/RS e elaborou um relatório para o Grupo de Trabalho da Unicamp. Apontado na mídia como uma das experiências mais bem sucedidas na área, o museu tem competência reconhecida por agências de fomento como Capes, CNPq e Fundação Vitae. Ocupa uma área de 12.000 m2 e recebeu o ano passado 404.000 visitantes, dentre os quais 80% eram de público escolar. Os cerca de 700 experimentos contemplam diferentes áreas do conhecimento e diferentes graus de interatividade com o público. O museu ainda inclui o projeto museu itinerante, construído em um caminhão que leva cerca de 50 experimentos a diversas cidades do estado ao longo do ano. No relatório, o professor enumera as potencialidades da estrutura montada e elogia o modelo. Porém, no caso específico do museu da Unicamp, sugere a importância de reforçar a integração com um projeto pedagógico. Uma alternativa seria um trabalho específico, voltado para professores e monitores, a elaboração de textos para serem usados como guias temáticos, além de oficinas e laboratórios dirigidos especificamente ao público escolar.

Museu de Ciência e Tecnologia da PUC/RS, que recebeu, em 2002, 404 mil visitantes

O tema dos museus de ciência ainda é objeto de muitos debates e um campo muito fértil para discussões dentro da museologia. Gilson Antunes da Silva menciona algumas experiências de museu que procuram acrescentar outros saberes, não classificados como científicos, ao seu projeto educacional: "A experiência dos museus de síntese, como o Museu Nacional do México, procura investigar a medicina tradicional dos índios, resgatando seu valor símbólico e terapêutico. Há um reconhecimento dos saberes tradicionais, que aquela ciência positivista do século XIX não admitia. A ausência de diálogo entre aquilo que é classificado como pré-científico e científico hoje é muito relativizada". Silva também pontua outra experiência, o Museu da Civilização, em Otawa, no Canadá, que trabalha na mesma linha, porém com as comunidades de esquimós.

(DC)

 
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Atualizado em 10/07/2003
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