Pesquisadores avaliam atividades
em florestas
Com 554 milhões de hectares,
que ocupam 64,3% do território nacional, o Brasil possui a segunda
maior área florestal do mundo, sendo que mais de 50% das florestas
brasileiras se encontram em terras públicas. Na Amazônia, essa
porcentagem aumenta para 75%, sendo que somente 33% se encontram em áreas
protegidas. A regulamentação da gestão de florestas proposta
no Projeto de Lei 4776/05, que está em votação
no Senado, tem como objetivo conceder a gestão das florestas, mas sem
dar a posse da terra. No entanto, na avaliação pessoal (e não
institucional) de Maria Cecília Wey de Brito e João Winther,
do Instituto Florestal, que é subordinado à Secretaria de Estado
do Meio Ambiente de São Paulo, “ainda que não sejam tratadas
dessa forma, as concessões pretendidas resultarão facilmente
em concessão de terras porque é nelas que estão as florestas”.
Os especialistas também criticam
a própria definição de florestas nacionais, uma vez que
a proposta do projeto de lei do MMA abrange todos os biomas nacionais, inclusive
a Mata Atlântica, onde afirmam não haver mais o que explorar,
notadamente madeira para qualquer finalidade. E, ainda, trata tanto de florestas
nativas e em regeneração, quanto de florestas plantadas que
não têm nenhuma relação com o objetivo da lei,
que é diminuir o desmatamento da Amazônia.
O engenheiro
agrônomo e especialista em manejo de áreas silvestres
protegidas Alfredo Antonio Neto, da Floresta Nacional do Rio Preto,
afirma que o problema não está na
exploração dos recursos naturais. A Flona de Rio Preto
fica no município de Conceição da Barra-ES, e tem
uma área de 2.830 hectares. Antes, a área pertencia
à empresa Acesita Energética, tendo sido doada ao
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) em 1985 e
transformada numa unidade de conservação em 1990, por
decreto presidencial. “Após a realização de um
diagnóstico, identificaram-se suas potencialidades”, diz Neto.
No plano de manejo foram
enumeradas todas as atividades possíveis de se implementar:
produção de produtos não-madeireiros, como mel,
sementes florestais, mudas de essências florestais, palmito
indaiá, ervas aromáticas e medicinais, artesanato a
partir de cipós variados etc.; produção de madeira
de floresta plantada, a partir de área já reflorestada na
época de sua criação (eucalipto); uso
público e educação ambiental; pesquisa aplicada na
recuperação de florestas secundárias, utilizando
glebas que no passado sofreram cortes seletivos e incêndios
florestais”, conta Neto. “A partir do diagnóstico, é
possível identificar as potencialidades (produtos a serem
explorados) em uma unidade de conservação, como
também o nível de interferência que não
compromete a sobrevivência das espécies. Isso não
quer dizer que com a exploração de um único
recurso poderemos ser economicamente auto-suficientes. O importante
é o conjunto das ações e produtos que, manejados
com técnicas e princípios conservacionistas,
poderão tornar a unidade de conservação
viável tanto do ponto de vista ambiental quanto
econômico”, diz Antonio Neto.
Para Brito e Winther,
entretanto, o conhecimento existente hoje para qualquer bioma nacional
é pequeno para que se defina um manejo de espécies da
flora e da fauna e, mais ainda, para que se garanta que esse manejo
será sustentável ambientalmente. “Os dados
freqüentes de descoberta de novas espécies, inclusive na
Mata Atlântica, demonstram essa afirmação”, dizem.
E as críticas não param por aí. “Seria preciso
inclusive que, acoplados aos estudos que levarão à
quantificação do material a ser utilizado e seu manejo
(volume e tipo de madeira), já se fizesse uma
projeção futura do mercado que se pretende manter, para
que a própria exploração não introduzisse
no mercado uma quantidade de madeira tal que fizesse seu preço
declinar. Não temos notícia de que isso esteja previsto”,
afirmam.
Quanto às
experiências de exploração em andamento, Brito e
Winther dizem que é cedo para avaliá-las. “Os ciclos
naturais demandam grande escala de tempo ao passo que as necessidades
humanas se impõem de forma cada vez mais rápida e
diversificada. Além disso, é perceptível o aumento
populacional nas comunidades tradicionais onde o manejo
sustentável com o amparo do terceiro setor ou de entidades
governamentais tem sido implementado, demonstrando uma forte
tendência ao desequilíbrio futuro pelo excessivo
número de indivíduos demandando recursos e comprometendo
o manejo”, dizem. “O dilema parece ser o mesmo de nossa forma de
organização social/cultural na questão da demanda
de uma superpopulação x capacidade de
renovação dos estoques naturais”.
Antonio Neto, por sua
vez, acredita que as florestas nacionais sejam os grandes
laboratórios geradores de tecnologia para a
exploração sustentável dos recursos naturais e
não madeireiros do Brasil – ou, pelo menos, deveriam ser. “Quero
dizer com isso que o maior produto que uma floresta nacional pode
oferecer à sociedade é uma tecnologia que permita a
exploração sustentável dos recursos naturais; os
demais produtos, apesar de poderem sustentar o sistema, são
secundários”, diz. Assim, elas devem se tornar o padrão
de gestão de florestas no Brasil.
Quanto à
possibilidade de concentração das atividades numa
região, Brito e Winther dizem que a pressão será
maior sobre os estados federados que terão maior demanda pela
indústria madeireira para concessão de suas florestas,
sejam elas nativas, sejam plantadas. “Ninguém sabe ao certo onde
estão essas terras na Amazônia, o caos fundiário
é tamanho, que certamente demandaria uma série de
ações administrativas e judiciais para sua efetiva
liberação e uso para a concessão florestal”,
afirmam. “Nos estados, porém, essas áreas estão
bem localizadas, com domínio definido, e é nelas que a
ação do lobby madeireiro vai incidir com certeza,
após a edição de tal lei de concessões”.
Os pesquisadores do
Instituto florestal acrescentam que não há
condições de dizer se uma formação vegetal
ou outra será mais atingida, porque ainda não se sabe
onde se darão as concessões (certamente um número
muito mais expressivo se dará na Amazônia, como
implicitamente quer a Lei). “O que poderá ocorrer é o
empobrecimento da floresta, porque apenas algumas espécies
serão exploradas (a exemplo do mogno), o que mais uma vez
reforça a necessidade de pesquisa, tanto para saber o impacto
disso sobre a biota, quanto pesquisas para indicar outras
espécies de uso comercial e qual a melhor maneira de
usá-las”, concluem.
(FN)