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Formulação de políticas públicas, planejamento e regulação de mercados de energia: as visões das administrações FHC e Lula e os desafios pendentes

Sergio Valdir Bajay

Discute-se, neste trabalho, as valorizações relativas das administrações federais atual e anterior na cadeia – formulação de políticas públicas, planejamento e regulação – de suas intervenções nos mercados de energia e os principais desafios que o novo governo precisa enfrentar para aprimorar este processo.


A formulação de políticas públicas, o planejamento e a regulação de mercados de energia

Segundo uma concepção moderna, o governo pode gerir os setores elétrico (Bajay et Carvalho, 1998) e de petróleo e gás utilizando três instrumentos bem distintos e complementares:
(I) formulação de políticas públicas;
(II) planejamento, indicativo em alguns casos e determinativo em outros;
(III) e regulação.

Uma atuação eficaz do governo sobre esses setores exige que os instrumentos em questão sejam utilizados de uma forma autônoma entre si, mas fortemente complementar. A existência de diferentes agentes executando esses papéis distintos facilita se atingir esse objetivo. Esta separação de papéis, com a otimização dos respectivos procedimentos, inclusive das interações entre os instrumentos em questão, que já teria sido desejável para se melhorar a intervenção governamental nesses setores quando os mercados ainda eram, em geral, monopolísticos e a maioria das empresas que nelas atuavam era estatal, passa a ser absolutamente essencial em mercados onde consumidores “livres” e “cativos” têm que conviver e onde não há “incentivos de mercado” para a cooperação entre as empresas concessionárias, privadas e estatais, produtores independentes e comercializadores.

Esta atuação eficaz e complementar só começou a ser esboçada em 2001, e a ausência anterior dessa integração foi apontada como uma das grandes causas institucionais da crise de abastecimento de energia elétrica verificada em 2001 (Kelman et alii, 2001). Uma boa integração desses três instrumentos passa necessariamente por uma reestruturação do Ministério de Minas e Energia – MME, por uma definição clara de suas relações com os demais agentes que atuam no setor energético, destacando-se as agências reguladoras e as empresas concessionárias estatais a ela vinculadas, pela criação de um órgão de apoio ao MME, que possa executar de uma forma eficiente e sustentável um planejamento energético de cunho estrutural para o país, e pela revisão da legislação atual, que é um emaranhado confuso e, algumas vezes, conflitante ou vago de leis, decretos, portarias, protocolos de entendimentos, contratos de gestão, etc, que não define com clareza os papéis de cada instituição na gestão do setor e como eles devem relacionar-se entre si de uma forma harmoniosa e eficiente, independente das aptidões de seus dirigentes (Bajay, 2001). No caso do setor elétrico, em 2002 havia um trabalho em curso no MME neste sentido, voltado para a elaboração de um Código de Energia Elétrica, conforme proposto ainda durante os estudos do Projeto RE-SEB, em meados da década de 1990.

A formulação de políticas públicas na área de energia e a realização de estudos prospectivos de planejamento da expansão do setor energético são responsabilidades do MME, que, de fato, nunca esteve adequadamente estruturado para exercê-las com eficiência e continuidade. Durante a vigência do modelo setorial estatal, coube à Eletrobrás e à Petrobras realizar essas tarefas para os setores elétrico e de petróleo e gás, respectivamente, restando ao Ministério o papel de homologá-las.

As valorações relativas dessas atividades nos governos FHC e Lula

A implantação de um novo modelo setorial, durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, que privilegiava a busca de competição, onde ela for possível, e a atração de investimentos privados, valorizou em excesso a atividade de regulação de mercado e relegou a um segundo plano a formulação de políticas energéticas e a realização de exercícios de planejamento. Isso ocorreu não só no Brasil, mas também em alguns outros países que estavam passando por essa mesma transição na organização de suas indústrias de suprimento de energia. No caso brasileiro, a crise de abastecimento de energia elétrica, em 2001, revelou com bastante clareza essa falha. A descontinuidade dos exercícios de planejamento, a sua baixa valorização pelo próprio governo e as freqüentes oscilações, de caráter conjuntural, nas políticas energéticas, que marcaram a atuação do MME até 2001, aumentaram muito a percepção dos hoje genericamente – e erroneamente – denominados “riscos regulatórios”, pelos agentes.

A nova administração federal, do presidente Luis Inácio Lula da Silva, no entanto, deve tomar cuidado agora para não criar um outro problema, que pode ter conseqüências tão graves quanto o anterior, que é minimizar a importância da atividade de regulação e retirar a sua indispensável autonomia, ou sufocar financeiramente as agências através de contingenciamentos brutais de seus orçamentos, com ocorreu em 2003 e 2004.

O MME lançou em 2002 três planos decenais de expansão para o setor elétrico – a versão final do Plano 2001-2010 em abril, um sumário executivo do Plano 2002-2011 em novembro e um sumário executivo do Plano 2003-2012 em dezembro (CCPE, 2002), atualizando esta atividade que estava atrasada desde 1999. O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, por seu turno, com o devido apoio da Secretaria de Energia (SEN) do MME, divulgou, em dezembro de 2001, suas primeiras projeções, a longo prazo, da matriz energética nacional; estas projeções foram melhoradas, do ponto de vista metodológico, e atualizadas em dezembro de 2002 (CGEP, 2002).

Passados quase dois anos após o seu início, o governo do presidente Lula ainda não apresentou nenhum plano decenal para o setor elétrico, nem projeções da matriz energética.

Principais desafios para o novo governo

Há uma premente necessidade de se realizar estudos prospectivos mais elaborados para os principais segmentos do setor energético; o próprio planejamento do setor elétrico hoje necessita de tais estudos para energéticos como o gás natural, carvão, biomassa, energia eólica, etc, a fim de garantir a consistência e a confiabilidade desse planejamento.

A formulação de políticas públicas na área de energia é uma típica atividade de governo, enquanto que o exercício da regulação constitui-se em uma atividade de Estado, calcada na regulamentação da legislação vigente e exercida sob uma perspectiva de longo prazo. A atividade de planejamento possui ambas as características; de um lado ela propicia um suporte quantitativo na formulação das políticas energéticas do governo e do outro ela deve sinalizar à sociedade metas de longo prazo, que extrapolam em geral o mandato do governo e freqüentemente fornecem elementos essenciais para uma boa execução da atividade de regulação. Logo, uma estrutura organizacional eficaz para a execução dos exercícios de planejamento deve contemplar essas suas duas características.

Atualmente tanto o MME como o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos – CCPE, que elabora os planos decenais para o setor elétrico, não estão devidamente aparelhados para realizar um bom planejamento da expansão, nem para o setor elétrico quanto mais os estudos mais abrangentes aqui assinalados. Logo, ambos precisam ser urgentemente reestruturados. Cabe ao MME definir os estudos de planejamento necessários para se quantificar metas para as potenciais políticas energéticas analisadas pelo CNPE, ou seja, os estudos de caráter mais conjuntural, enquanto se necessita um sucedâneo do CCPE, como um órgão de apoio do Ministério, para a execução dos exercícios de planejamento da expansão de caráter mais estrutural, tais como planos decenais e planos de longo prazo, para o setor energético como um todo. O novo modelo do setor elétrico brasileiro, aprovado em março de 2004 (Leis nos 10.847 e 10.848), criou a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, para suceder ao CCPE como órgão de apoio ao MME nas suas atividades de planejamento; até novembro de 2004, no entanto, ele ainda não foi instalado.

A necessidade mais premente na reestruturação do Ministério de Minas e Energia é a criação de uma carreira própria, de nível superior, com características multidisciplinares , voltada para a formulação de políticas públicas na área de energia e para a demanda e utilização dos mais variados tipos de exercícios de planejamento. Essa nova carreira poderia ser denominada de analista de política energética e iria requerer um projeto de lei para implantá-la, nos moldes das carreiras criadas na década de 1990, na administração pública federal, de analista de finanças e controle e de especialista em políticas públicas e gestão governamental. O ingresso na carreira se daria por concurso público.

O MME precisa aprofundar mais o trabalho conjunto e os intercâmbios formais com outros ministérios e suas agências, secretarias estaduais, agentes do mercado e com suas empresas estatais e agências reguladoras.

Sérgio Valdir Bajay é Professor do Departamento de Energia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp. Diretor do Departamento Nacional de Política Energética do Ministério de Minas e Energia de abril de 2001 a dezembro de 2002.


Referências bibliográficas

Bajay, Sergio Valdir (2001). Reestruturação do MME e Criação de um Órgão de Apoio, Relatório Técnico do Departamento Nacional de Política Energética, Secretaria de Energia, Ministério de Minas e Energia, Brasília.
Bajay, Sergio Valdir et Eliane Bezerra de Carvalho (1998). “Planejamento indicativo: Pré-requisito para uma boa regulação do setor elétrico” in Anais do 3o Congresso Brasileiro de Planejamento Energético. Unicamp / USP / Efei / SE-SP / SBPE, São Paulo, p. 324-8.
CCPE (2002). Plano Decenal de Expansão 2002-2012 – Sumário Executivo (versão preliminar). Secretaria de Energia, Ministério de Minas e Energia, Brasília.
CGEP (2002). Plano de Longo Prazo – Projeção da Matriz – 2022: Sumário Executivo. Departamento Nacional de Política Energética, Secretaria de Energia, Ministério de Minas e Energia, Brasília.
Kelman, Jerson, Altino Ventura Filho, Sergio Valdir Bajay, João Camilo Penna et Cláudio Luiz da Silva Haddad (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica (criado por Decreto do presidente da república, em 22 de maio de 2001). Agência Nacional de Águas, Brasília.

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Atualizado em 10/12/2004

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