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A ROTA DE UM CIENTISTA A CAMINHO DA CURA DA TUBERCULOSE

O pesquisador que acena para a cura da tuberculose, Célio Lopes da Silva, tem uma história, no mínimo, interessante. Nasceu na roça, estudou magistério e praticamente não teve contato com a ciência até a adolescência. Depois, apaixonou-se por ela. Nos anos 50 ele era só um garotinho que se levantava antes do sol para encarar o trabalho duro nas roças de algodão e de milho do pai, sob o orvalho da madrugada, em Leme, interior do estado de São Paulo.

Quarenta anos depois, Célio Silva, 47 anos, está entre os cientistas mais requisitados pela imprensa da atualidade. A publicação de um artigo dele na revista britânica Nature despertou a atenção do mundo para a sua pesquisa. O cientista mais badalado dos últimos meses, já concedeu entrevistas a 53 jornais, 10 revistas, 5 emissoras de rádio e 14 de tevê o mundo todo. Célio Silva já perdeu a conta do número de publicações em que sua pesquisa foi divulgada. Às vezes, ele é parado na rua e cumprimentado por gente que viu uma das matérias.

A doença que ficou conhecida no País por dizimar poetas e escritores brasileiros, no final do século passado e início deste, está com os dias contados, "se tudo der certo", conforme prefere ser cauteloso o cientista. Os testes com camundongos atingiram 100% de sucesso. Se com humanos o resultado for semelhante, dentro de três anos a vacina desenvolvida por ele já estará à disposição de milhões de pessoas condenadas pela doença. Dados da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) apontam que um terço da população mundial está infectada com o bacilo da tuberculose; 30 milhões de pessoas no mundo podem morrer da doença nos próximos 10 anos; 45 milhões de brasileiros estão infectados; entre 5% e 10% dos infectados contraem a doença; e 6 mil brasileiros morrem de tuberculose por ano.

UM SERTANEJO - Mas afinal, quem é este doutor Célio Silva que coordenou a pesquisa que conseguiu maior avanço para a cura da tuberculose até hoje e de quem a imprensa tanto tem falado? Será que algum dos mais de 80 veículos de nos quais ele apareceu conseguiu traduzir este brasileiro que, depois de oito anos de intensa pesquisa, devolveu a esperança a tanta gente? Como foi sua experiência com a imprensa? Como ele avalia os jornalistas, depois de tanto assédio?

O pesquisador é farmacêutico, graduado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) em 1976. Fez mestrado e doutorado na área de Bioquímica do Instituto de Química da USP, livre-docência em Microbiologia Médica na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP e pós-doutorado em Imunologia e Biologia Molecular no National Institute for Medical Research, na Inglaterra, entre 1989 e 1990. É professor titular (um dos mais jovens da história da USP) em Imunologia e foi chefe do Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP entre 1995 e 1998. Ele também já orientou mais de 20 teses de doutorado e mestrado e publicou mais de 80 artigos científicos, sendo nove deles este ano.

A equipe de pesquisa da terapia gênica contra tuberculose é composta, além de Célio Lopes Silva, do Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, como coordenador, pelos pesquisadores Lúcia Helena Faccioli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP; Sylvia Cardoso Leão, da Escola Paulista de Medicina - Unifesp; Douglas B. Lowrie, do National Institute for Medicinal Research, Londres; e José Maciel Rodrigues Junior, da Faculdade de Farmácia - Universidade Federal de Minas Gerais.

Apesar de ser dono de uma carreira acadêmica de sucesso, Célio Silva (sem as formalidades geralmente conferidas a um doutor, seja pelos seus pares ou pelos jornalistas) não pensou duas vezes para inscrever-se em um curso de Especialização em Jornalismo Científico. Ele faz parte de um grupo de 40 alunos do curso promovido pelo Laboratório de Jornalismo () na Unicamp. Todas as quartas-feiras ele viaja cerca de 500 quilômetros (ida e volta) para sentar-se do outro lado da sala de aula. Vence o trajeto ouvindo música sertaneja.

"Resolvi fazer o curso, primeiro pela dificuldade que o cientista tem de se comunicar; segundo porque quero mesmo ser um divulgador de ciência", resume a opção. "O cientista não sabe escrever. Tem dificuldade de comunicar-se até com os órgãos de fomento à pesquisa, de ser claro em seus projetos", diz categórico.

Dinâmico. Esta é a palavra que melhor traduz o cientista. Célio Silva já fez karatê, kung fu, cursos de acupuntura, homeopatia, massagem terapêutica e até teatro. Já tem planos para quando terminar o curso de Jornalismo Científico: um curso de administração. "O cientista também é ruim de gestão", assinala.

"Não sei tudo. Tenho muito o que aprender ainda. E é isso o que tenho buscado. Já cresci muito a partir da convivência com os professores e, principalmente, com os colegas do curso de Jornalismo Científico", costuma dizer nas vezes em que sai para almoçar com os amigos que fez em Campinas.

Em geral, é o centro das atenções nesses encontros. Seja pela importância e repercussão da sua pesquisa ou pela forma gentil de tratar os demais. Célio Silva é do tipo que espera as mulheres se servirem e até lhes oferece pratos e talheres. Também não se esquece de abrir a porta do carro para as colegas que pegam carona até o restaurante.

A badalação e o assédio da imprensa nas últimas semanas não alteraram este comportamento. O sujeito interpretado como "sério e à beira da sisudez", por alguns jornalistas nas reportagens a seu respeito, não coincide com a realidade. No departamento em que trabalha, na USP, é lembrado pela boa convivência com os trabalhadores, mesmo os mais simples. No último aniversário, em agosto, promoveu uma festa regada a 100 litros de chope. Todos participaram. Aos colegas do curso de Jornalismo Científico também não nega uma boa conversa. Chega a atrasar-se para uma aula ou outra por partilhar um café no barzinho da esquina.

O que este assédio lhe furtou foram a tranqüilidade e o tempo. Célio Silva anda dividido entre as pesquisas, as aulas que dá e assiste, o projeto de patente, as inúmeras entrevistas para a imprensa brasileira e internacional e a família. Nada muito diferente da infância, quando ele dividia seu tempo entre o trabalho e os estudos. Mas algo bem mais estafante. Chegou a precisar da ajuda de colegas para entregar os trabalhos do final do semestre do curso de jornalismo científico.

CHICO BENTO - Célio Silva nasceu em Leme, em um sítio de 12 alqueires. Foi aparado por uma parteira. A casa tinha as paredes de coqueiros amarrados com cipó e eram rebocadas com barro. Trabalho feito pela mãe, dona Maria Aparecida. A cama era feita com forquilhas e o colchão era de palha. A luz vinha de um lampião. No final do dia, sua mãe costumava jogar água e passar cinza para baixar a poeira do chão de terra batida. Célio Silva é o terceiro filho do casal, que estava no segundo casamento. A mãe dele era viúva e já tinha dois filhos quando conheceu o também viúvo, "Seu" Antônio, que já tinha outros três.

Dona Maria, hoje com 78 anos, está orgulhosa do filho. Seu Antônio não viveu para ver o sucesso do filho. Sucesso, inclusive, que ele alertava o filho que viria, mais cedo ou mais tarde. "Acho que ele dizia isso porque eu sou muito persistente em tudo o que faço", acredita Célio Silva.

Até os sete anos, a rotina do cientista incluía tratar dos porcos e "apartar os bezerros" para o pai "tirar leite das vacas". "Era uma vida muito difícil", define, saudoso. Os momentos de lazer eram marcados por banhos no rio e pesca com peneira. "Minha vida era igual ao gibi do Chico Bento", simplifica. Hoje, nas horas vagas (quando consegue alguma), Célio Silva joga tênis com os filhos. Em casa, faz o estilo paizão. Não hesitou ao aceitar o convite dos filhos para descer em um bloco de Carnaval de rua este ano.

Dona Eunice foi quem ensinou-lhe o bê-a-bá. "A escola era um barracão quadrado onde eram lotados os alunos das quatro séries do ensino fundamental. Cada parede tinha uma lousa. A professora era a mesma para as quatro turmas", conta. Antes de mudar-se para a área urbana de Leme, quando tinha 8 anos, Célio Silva só ia lá uma vez por mês para ajudar nas compras. "Os 14 quilômetros eram vencidos por um carrinho de madeira puxado por um cavalo", diz.

Quando não estava na escola, Célio Silva vendia limão, laranja ou verduras para ganhar um dinheirinho. Depois foi trabalhar de engraxate, auxiliar de oficina mecânica, servente de pedreiro e vendedor de tecidos.

Com 15 anos fez magistério e com 18 foi para São Paulo fazer cursinho. "Nunca tinha visto uma equação do segundo grau", revela. Não teve sucesso no vestibular para Medicina. Tentou de novo, para Farmácia, e foi aprovado.

AGENDA CHEIA - A agenda de Célio Silva está lotada até o ano 2000. São conferências, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. O impacto dos resultados da pesquisa dele foi grande no exterior. Vários jornais chegaram a publicá-los no mesmo dia em que a Nature. No Brasil, a imprensa só tratou do assunto 10 dias depois, quando a Fapesp publicou um artigo. "Foi um dia inteiro de entrevistas para os principais jornais do País", descreve. Os mesmos resultados já haviam sido apresentados em um congresso em Salvador, no final do ano passado. Mas ninguém atentou-se para eles. Tudo só aconteceu agora.

IMPRENSA - Célio Silva conta que as primeiras entrevistas, feitas por telefone, resultaram em reportagens "catastróficas". Sempre continham erros, fossem sobre a pesquisa ou até mesmo de dados "simples", como idade e nome. "Muitas informações não eram checadas pelos repórteres", conclui. Ele resolveu elaborar um texto base, em linguagem simples, bem explicativo e detalhista, para oferecer aos jornalistas antes de qualquer entrevista. De acordo com o pesquisador, alguns jornalistas não têm a humildade de dizer que desconhecem o assunto. Fingem que entendem e escrevem aquilo que acharam que entenderam.

"O meu texto foi uma forma eficaz de resolver o problema", indica. Para Célio Silva, os raros contatos com jornalistas experientes no trato com a ciência demostraram a necessidade desse conhecimento para ser um divulgador científico.

Ele também não perdoa a forma "sensacionalista" com que o tema foi abordado, na sua avaliação. Segundo ele, na maioria das vezes, as matérias passaram a impressão de que o medicamento já está no mercado, o que só deve acontecer em alguns anos. "A tevê é mais apelativa", conclui. De qualquer forma, a atenção que um cientista brasileiro recebeu da imprensa o deixou contente. "Não é algo muito comum", admite. Foi bom para ele, para a comunidade científica e para as instituições de fomento à pesquisa, que lidam com dinheiro público "e precisam justificar sua existência para a sociedade".

A experiência de Célio Silva com a imprensa mostra, sobretudo, que não basta o cientista entregar um calhamaço de papéis com os resultados de sua tese nas mãos do jornalista, como faz com seus pares. É preciso que ele próprio esteja apto a comunicar-se com pessoas que não são especialistas naquela área, como ele é. À imprensa brasileira, cabe ter profissionais especialistas em JC. Com isso, ganham o cientista, a ciência, a mídia e a sociedade. Palavras de Célio!

 

 

 

 

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Publicado em: 1/10/99

 

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