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A cena é real e ocorre no mundo todo. Entre os figurantes estão 2 bilhões de pessoas infectadas com o bacilo da tuberculose. A cada ano, 10 milhões de pessoas adoecem e 3 milhões delas morrem da doença, mesmo contando com drogas efetivas e distribuídas gratuitamente pelos governos. A alta taxa de abandono do tratamento e o conseqüente desenvolvimento de bacilos resistentes a todas as drogas do mercado atuam silenciosamente nos bastidores, aos olhos e complacência dos órgãos de saúde, causando efeitos catastróficos. No Brasil, a cena não é menos dramática: alta incidência de infecção e adoecimento predominam nas camadas mais pobres da população. Em torno de 100 mil pessoas adoecem por ano. A transmissão da doença pelo ar e o comprometimento de pacientes aidéticos ou de pessoas com o sistema imunológico enfraquecido ajudam a compor o cenário que outrora era denominado como "o mal dos poetas".

Estes dados apontam a tuberculose como um dos principais desafios da área de saúde pública mundial. Mas se depender de um pesquisador brasileiro, este cenário pode estar com os dias contados. Célio Lopes Silva, coordenador do Laboratório de Vacinas Gênicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), acaba de divulgar na revista Nature que animais com a tuberculose já estabelecida podem ser curados pela aplicação de uma vacina de DNA que era usada anteriormente em seu laboratório somente para prevenir o estabelecimento da infecção.

Para produzir uma vacina de DNA (ou vacina gênica), os cientistas retiram do agente causador da doença, que pode ser um vírus, bactéria, fungo ou parasita, um pedaço da molécula de DNA, onde fica seu código genético. Quando inoculado nos animais ou em humanos, esse pedaço de DNA tem a potencialidade de induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos ou estimular a imunidade mediada por células, principalmente linfócitos T auxiliares ou citotóxicos (uma das principais células de defesa de nosso organismo). Assim, o indivíduo fica protegido contra a infecção causada pelo agente patogênico de onde se originou o DNA. No caso da tuberculose, esta é a primeira vez que se chega a resultados tão eficazes. A equipe coordenada por Célio Silva trabalhou durante mais de dez anos para produzi-la.

A nova vacina gênica poderá, em breve, prevenir surtos da doença e curar pacientes doentes. Esta é a primeira vez que é descrita uma vacina com propriedades preventivas e terapêuticas (curativas). A terapia já foi testada em camundongos, com 100% de resultados positivos. O próximo passo será experimentar a vacina em seres humanos. "Entre um terço e metade da população mundial está infectada com o bacilo da tuberculose. Em torno de 5 a 10% desses indivíduos desenvolvem a doença. Nessas condições, o uso de uma vacina terapêutica contra indivíduos infectados, seria a solução, ao invés de uma vacina somente preventiva", afirma Célio Silva. Ele calcula que dentro de seis a oito meses poderá testar os efeitos terapêuticos da vacina, inicialmente, num grupo de cerca de 60 pacientes que têm bacilos resistentes a todas as drogas antibacterianas disponíveis. "São pacientes que não têm nenhuma alternativa de tratamento", diz o pesquisador.

Tratar a doença já instalada é somente uma das vantagens do novo tratamento. Até o momento, garante Célio Silva, "os resultados divulgados comprovam que a vacina de DNA previne o estabelecimento da infecção e da doença; elimina a infecção causada pelo bacilo da tuberculose; cura casos crônicos e doença disseminada; resolve casos de tuberculose causada por bactérias altamente resistentes aos medicamentos usados no combate à doença; impede a reativação da doença quando os animais são submetidos a uma imunodepressão pelo tratamento com drogas imunossupressoras; e permite que o período de tratamento efetivo contra a tuberculose seja encurtado de oito para dois meses pela administração concomitante de medicamentos e aplicação da vacina".

A vacina foi obtida de um pedaço de DNA do bacilo (que possui o código genético com a mensagem para a célula fabricar o antígeno apropriado), que foi inserido num plasmídeo fabricado em laboratório (por técnicas de engenharia genética). Esse plasmídeo recombinante, por sua vez, foi aplicado em animais doentes, conseguindo induzir as células transgênicas a sintetizarem os antígenos e ativarem o sistema imunológico. Essa ativação resultou, surpreendentemente, na destruição das células que tinham os bacilos em seu interior, ao mesmo tempo que ajudou a eliminá-los completamente do organismo. Segundo Célio Silva, "a vacina produzida é estável, de baixo custo, e induz células de memória imunológica, dispensando revacinações."

Saiba mais como surgiu esta pesquisa...

 

 




 



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Publicado em: 1/10/99

 

 

 
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