BIOTECNOLOGIA E VACINAS GÊNICAS
"A vacina gênica - ou vacina de DNA -, ainda
em fase de experimento e padronização, pode se tornar a maior
promessa de combate a doenças infecciosas para as quais até hoje
não existe prevenção segura, como herpes, AIDS, malária, tuberculose,
hepatite, esquistossomose e dengue entre outras". A afirmação
é do pesquisador Célio Lopes Silva, coordenador do Laboratório
de Vacinas Gênicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
Ele explica que para a produção da vacina gênica, os cientistas retiram
do agente causador da doença, que pode ser um vírus, bactéria, fungo
ou parasita, um pedaço da molécula de DNA, onde fica seu código genético.
Quando inoculado nos animais ou em humanos, esse pedaço de DNA que codifica
uma proteína imunogênica, ou um fator de virulência,
tem a potencialidade de induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos
ou estimular a imunidade mediada por células, principalmente linfócitos
T auxiliares ou citotóxicos (uma das principais células de defesa de
nosso organismo), protegendo contra a infecção causada pelo agente patogênico
de onde se originou o DNA.
Célio Silva explica que desde que iniciou as pesquisas
sobre novos tratamentos contra a tuberculose, em 1990, os pesquisadores
já sabiam quais os elementos do sistema imunológico
deveriam ser ativados ou desativados para induzir proteção efetiva contra
a infecção. Até agora, em relação às substâncias do bacilo que estimulam
as células para imunizar o paciente, o grupo da USP já estudou dezenas
de proteínas em laboratório. Foi verificado
que algumas delas possuem propriedades para estimular o sistema imunológico
contra a tuberculose. Após várias tentativas com diferentes métodos
de introdução dos antígenos nos animais, os pesquisadores da USP de
Ribeirão Preto chegaram à conclusão de que a vacina de DNA seria a mais
apropriada.
O método é considerado mais eficaz e seguro do que
o de determinadas vacinas convencionais, que inoculam vírus ou bactérias
vivas e atenuadas na pessoa para obrigar o sistema imunológico a produzir
anticorpos ou imunidade celular. Essas vacinas de organismos vivos e
atenuados, embora funcionem muito bem, oferecem uma certa margem de
risco de que a pessoa acabe contaminada pela doença que se pretende
prevenir. Com a vacina de DNA isso não acontece.
E
Célio Silva explica porquê: "Atualmente, o isolamento de genes
ou DNAs é uma técnica dominada pela ciência devido ao grande desenvolvimento
da biologia molecular nos últimos anos. Os genes, freqüentemente
relacionados com a virulência ou patogenia dos agentes infecciosos,
são ligados a outros fragmentos de DNA, denominados plasmídeos,
por técnicas de engenharia genética. Esse plasmídeo recombinante
carrega a mensagem da vacina como se fosse um disquete contendo
um arquivo de computador: quando aplicadas em animais, as células
do sistema imunológico conseguem reconhecer aquela mensagem transmitida
pelo plasmídeo como se fosse um computador e ocorre a ativação
da resposta imunitária.
No
caso da tuberculose, a ativação de linfócitos e macrófagos, que
são as principais células de defesa do nosso organismo, resulta
na destruição de células que albergam os bacilos da tuberculose
em seu interior, ao mesmo tempo que ajuda a eliminá-los do organismo.
Portanto, os estudos realizados em nosso laboratório sobre a capacidade
das proteínas antigênicas em estimular de maneira adequada o sistema
imunológico; o padrão de secreção de mediadores imunológicos (substâncias
que levam as mensagens entre os diferentes componentes do sistema
imunológico); a atividade citotóxica das células de defesa (capacidade
de destruir as células infectadas com os bacilos); e o estudo
sobre as células que guardam na 'memória' as informações para
o combate aos bacilos, foram de fundamental importância para se
estabelecer como o sistema imunológico protege contra a tuberculose
e permitiu o desenvolvimento da vacina".
Para o pesquisador, as vacinas de DNA, além da imunidade
humoral e celular específica, oferecem vantagens adicionais em relação
às vacinas clássicas: "A vacinação, enquanto medida de saúde pública,
requer a indução de imunidade duradoura. A maioria das vacinas usadas
em programas de vacinação infantil requer a administração de sucessivas
doses de reforço com revacinações periódicas. Com a vacina gênica esse
problema seria resolvido uma vez que a imunidade adquirida persiste
por longo período de tempo devido à constante produção do antígeno dentro
da célula hospedeira e à capacidade destas de estimularem linfócitos
de memória imunológica".
Célio Silva vai mais longe, apontando questões econômicas
para o sucesso desse novo tipo de vacina: "Em termos econômicos, técnicos
e logísticos, as vacinas de DNA oferecem uma série de vantagens quando
comparadas com as vacinas clássicas, especialmente se considerarmos
a sua utilização nas condições oferecidas pelos países em desenvolvimento.
O custo de produção das vacinas gênicas em larga escala é significativamente
menor do que o custo de produção das vacinas recombinantes,
peptídeos sintéticos e outras. O controle
de qualidade é mais fácil, e a comercialização não necessita de uma
rede de refrigeração, pois estas vacinas são estáveis à temperatura
ambiente. Estes fatores facilitam o transporte, a distribuição e o estabelecimento
de amplos programas de imunizações em regiões de difícil acesso. As
técnicas de biologia molecular permitem que se façam modificações na
seqüências gênicas ou de DNA no sentido de melhorar a resposta imunológica.
Estas manipulações genéticas podem dar subsídios para um melhor entendimento
das relações entre estrutura e função dos antígenos frente à resposta
imune desenvolvida. No plasmídeo contendo o gene do agente infeccioso
pode-se ainda clonar outros genes, como por exemplo, os de componentes
estimuladores da resposta imune (IL-2, IL-12 e IFN-gama) que auxiliam
no processo de reconhecimento imunológico".
Segundo Célio Silva, três aspectos são fundamentais
para o desenvolvimento de uma nova vacina.
1) O primeiro se correlaciona com a descoberta de quais
células ou componentes da resposta imunitária são responsáveis pela
proteção efetiva contra o agente agressor (mecanismo imunológico efetor).
"A nossa equipe ficou estudando, por cinco anos, todo o sistema imunológico
dos animais infectados com o bacilo da tuberculose, e quando iniciamos
os estudos sobre a nova vacina já sabíamos quais os elementos que deveriam
ser ativados ou desativados para induzir proteção efetiva contra a infecção",
diz.
2) O segundo seria a descoberta de quais substâncias do bacilo (antígenos)
conseguem estimular especificamente as células ou componentes da resposta
imunitária descrita acima. "Até o momento já foram estudadas dezenas
dessas proteínas em nosso laboratório e algumas delas possuem as propriedades
para estimular o sistema imunológico contra a tuberculose", afirma o
pesquisador da USP de Ribeirão Preto.
3) Em terceiro, qual seria a melhor maneira de se administrar esses
antígenos nos animais para induzir uma resposta imunitária específica
e potente contra o agente infeccioso em todos os indivíduos vacinados.
"Após várias tentativas com diferentes métodos de introdução dos antígenos
nos animais, chegamos a conclusão de que a vacina de DNA seria a mais
apropriada", diz o pesquisador.
A vacina de DNA (ou vacina gênica) pode ser aplicada
por via intramuscular e a imunidade que confere persiste por longo período
de tempo, graças à constante produção do antígeno dentro das células
dos indivíduos vacinados. Esse fato dispensa revacinações.
Saiba por que a tuberculose é uma das enfermidades
que mais mata no mundo...
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