Como aconteceu com
o petróleo no passado, a água pode vir a ser motivo de confrontos futuros
em pelo menos cinco regiões do mundo. A tensão maior parece acumular-se
entre Etiópia e Egito, pelas águas do rio Nilo. Mas existem pelo menos
outros quatro pontos potenciais de conflitos, na avaliação de entidades
ambientalistas como The Worldwatch Institute: a região do Mar de Aral,
na ex-União Soviética, e as bacias do Ganges, Jordão, Tigre e Eufrates.
Aproximadamente 85%
do volume de águas do Nilo brotam em terras da Etiópia. Até recentemente,
esse país empobrecido, que pode ter sido o berço da humanidade, dava pouca
importância a um recurso cada vez mais estratégico.
Nos últimos meses,
os etíopes iniciaram a construção de uma série de pequenas obras para
conter a o fluxo das águas que antes corriam livres para o Egito. Ao mesmo
tempo em que a Etiópia estanca águas que julga de sua propriedade, o Egito
investe em ambiciosos programas de irrigação, com o propósito de ampliar
sua produção agrícola.
Entre Etiópia e Egito
não existe nenhum acordo diplomático partilhando as águas do Nilo. O Egito
já consome dois terços do fluxo do rio e os projetos de irrigação vão
aumentar ainda mais a demanda por água.
Sem desconsiderar
os impactos ambientais na foz de rios com desvio de suas águas, caso do
Nilo, ou do Colorado, nos Estados Unidos, especialistas internacionais
como Sandra Postel, apontam que 261 dos grandes rios do planeta têm cursos
que atravessam territórios de dois ou mais países, sem que existam acordos
disciplinando o uso de suas águas.
Postel, diretora do
Global Water Policy Project, em Massachusetts, nos Estados Unidos,
e membro do Worldwatch Institute, é expert em recursos hídricos
mundiais.
Entre as regiões de
conflitos potenciais, o Mar de Aral, antes nutrido pelas águas do Amu
Darya e Syr Darya, certamente é hoje a mais dramática. O cenário da região
lembra uma praga bíblica, com antigos barcos pesqueiros corroendo-se pelo
sal num deserto de areia tóxica que já foi o leito do mar.
O Mar de Aral foi
o quarto maior corpo de água interno do mundo e começou a secar nos anos
60 quando a então União Soviética decidiu alterar sua posição de importadora
para autosufiente e exportadora de algodão.
Se o algodão brotou
nas terras antes ressecadas, as águas desviadas para esse fim comprometeram
o equilíbrio do mar. Atualmente ele tem apenas dois terços do seu volume
original. Pode não parecer muito, mas essa mudança espalhou a destruição
por toda a região.
Não só a atividade
pesqueira, antes movimentada, foi paralisada, eliminando os empregos e
trazendo desajustes sociais. Muynak, antigo porto pesqueiro de uma república
agora independente, está, em conseqüência, a 50 quilômetros do mar.
Entre o antigo porto
e as águas do mar estende-se um deserto surreal onde os navios pesqueiros
se decompõem lentamente. O vento espalha poeira tóxica antes confinada
pelas águas e o resultado foi um aumento assustador nos casos de doenças
do aparelho respiratório, entre elas o câncer.
O desequilíbrio do
Mar de Aral, por uma intervenção que os especialistas interpretam como
"arrogante", é considerado o maior desastre ambiental do século.
Com o Colorado, que
ao longo do tempo esculpiu as formas do Grand Canyon, a situação não é
menos preocupante. Oito acordos entre estados norte-americanos e o México
partilharam suas águas para a agricultura ao longo deste século. Mas acordos
não bastaram para preservar o rio.
Até os anos 20, o
naturalistas descreviam sua foz, no Golfo da Califórnia, como a imagem
do Paraíso. Durante pelo menos mil anos os índios Cocopa cultivaram suas
lavouras de subsistência na região.
Agora, tudo mudou.
O fio d'água que ainda escorre do Colorado é insuficiente para as necessidades
dos Cocopa e a manutenção de um ecossistema complexo, como descreveu o
naturalista Aldo Leopold. Em 1922, ele explorou com canoa o que era a
extensa foz desse rio.
Mas não é só a oferta
de águas superficiais que preocupa. As águas subterrâneas também estão
sob pressão excessiva em muitas regiões. O caso mais preocupante envolvendo
aquíferos, depósitos subterrâneo de águas fósseis, também está nos Estados
Unidos.
O aqüífero Ogallala,
que homenageia uma das sete divisões da grande nação Sioux, já perdeu
o equivalente a 18 volumes do rio Colorado desde que começou a ser explorado
para irrigação agrícola. Um quinto das terras irrigadas nos Estados Unidos
mantêm-se com as águas do Ogallala que se espalham sob oito estados.
As reservas dos aqüíferos
foram armazenadas de chuvas que caíram no passado, quando, em muitas regiões,
o clima era inteiramente diferente do atual. Muitos aqüíferos ainda têm
reposição satisfatória por chuvas. Em outros, esse reabastecimento natural
pode demorar décadas ou séculos inteiros.
Em 1978, pico da agricultura
irrigada nos Estados Unidos, os estados de Colorado, Kansas, Nebraska,
Novo México, Oklahoma e Texas, somavam uma área cultivada de 5,2 milhões
de hectares. Menos de uma década depois, e esses dados são todos do Worldwatch
Institute, a área havia encolhido para 4,2 milhões de hectares. Para 2020,
a previsão é de se restringir a 3,0 milhões de hectares.
Essa região norte-americana
é uma das áreas de cultura excedente de alimentos em todo o mundo Com
a limitação crescente na oferta de água a agricultura deve percorrer duas
rotas alternativas para alimentar uma população cada vez maior na avaliação
de especialistas: adaptar geneticamente as plantas para ambientes mais
secos e aperfeiçoar ao máximo as técnicas de irrigação.
Ulisses
Capozoli
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