Do
global ao local
A
resposta dos britânicos para resolver o problema da desigualdade
social no acesso às TIC é clara: investir em políticas
locais e procurar combinar informações e conhecimentos
oriundos da comunidade com as prioridades definidas nacionalmente.
"É preciso saber o que as pessoas esperam do governo
eletrônico e das tecnologias. Se o governo pretende induzir
uma mudança, fazendo com que os cidadãos utilizem
os serviços eletrônicos, é preciso transformá-los
(os cidadãos) no centro das atenções",
disse Simon Norbury, diretor para as regiões sudeste e centro-oeste
do Departamento de Transportes, Governo Local e Regiões (DTLR)
do Reino Unido. A mudança por ele mencionada refere-se à
meta, expressa pelo ministro Tony Blair, de colocar, até
2005, 100% dos serviços públicos disponíveis
eletronicamente.
Trabalhando
há dez anos com a implantação do governo eletrônico
no leste de Londres (região pobre, poluída, com muitos
imigrantes, vários dos quais não dominam bem o inglês),
Norbury cita o exemplo dos One-stop Shops (centros públicos
de atendimento criados para dar auxílio aos indivíduos
que não têm acesso ou não sabem usar a Internet)
como resultado de uma política de atenção às
demandas locais. Nesses centros é possível utilizar
terminais de computador e, ao mesmo tempo, contar com a orientação
de um funcionário para informações sobre emprego,
seguro saúde e outros.
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"As
TIC não são inerentemente democráticas,
mas é preciso capacitar as pessoas", reforçou
Kate Oakley.
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Apesar
desses esforços, diz Kate Oakley, o saldo da implantação
do governo eletrônico no Reino Unido até o momento
não é muito positivo. As maiores barreiras são
justamente:
a)
Políticas "verticais" (top-down): não
levam em conta as necessidades dos cidadãos
b) Dificuldades de financiamento: normalmente são os projetos
que "vão atrás" dos fundos, mas não
o contrário (pouca indução)
c) Desvalorização dos conhecimentos locais: predomina
na Internet a cultura acadêmica, o saber tradicional
d) Consultoria tardia (after the fact): há pouco trabalho
prospectivo
Para
superá-las, diz a pesquisadora, é preciso dar maior
ênfase à interação entre os conhecimentos
locais e as políticas nacionais, desenvolver experimentos
sociais e valorizar a reciprocidade. Uma experiência nesse
sentido é a que o município de Torfaen, no País
de Gales, está implantando. Ela se baseia num modelo denominado
"Stakeholder Plus", que estabelece procedimentos para
o estudo das necessidades e expectativas da população
quanto às TIC (veja entrevista com Graham
Screen, deputado responsável pelo projeto) .
Simon
Norbury admite. Ainda não se atingiu plenamente o objetivo
de atender às demandas da população com o governo
eletrônico. Para isto será preciso ouvir mais as comunidades
(aplicando, por exemplo, o modelo de grupos de interesse ou focus
groups), aproximar e conectar departamentos afins para que trabalhem
em conjunto, treinar pessoal antes de abrir um novo serviço
eletrônico e avaliar a experiência a posteriori,
perguntando aos usuários sua opinião sobre o serviço.
Para que o governo tenha como foco o consumidor, afirma, é
preciso que esteja baseado em três pilares: "consulta",
"mecanismos de feedback" e "sintonia".
As
TIC podem, segundo Kate Oakley, levar a maior transparência
na administração pública, a cidadãos
mais bem informados e a mudanças nos papéis de estruturas
institucionais tradicionais, mas elas não são inerentemente
democráticas. Pelo contrário, tendem a favorecer os
já favorecidos. A "inclusão digital", para
se concretizar, tem de ser, simultaneamente, econômica e social.
Para isso, é preciso saber reconhecer como se configuram
"identidade" e "cidadania" na sociedade da informação.
A cidadania, observa a pesquisadora, é algo variável
e multifacetado e define modos diferentes de apropriação
das TIC. A distância geográfica não é
o único desafio a ser vencido pela tecnologia, pois existem
desigualdades sociais mesmo num pequeno espaço. O exemplo
"clássico" é o do bairro londrino de Camdem
(o que Oakley chama de chama de "O Paradoxo de Camdem"),
onde coexistem grandes diferenças sócio-econômicas,
que refletem, quase como num espelho, diferenças de acesso
e uso das tecnologias digitais (veja mapa).
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O
"paradoxo de Camdem" é exatamente o de abrigar
os mais pobres e os mais ricos no mesmo bairro. Em vermelho,
taxa de pobreza acima de 11% (da população).
Em azul, abaixo de 7%.
Fonte: Kate Oakley, Local Futures Group, 2000.
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A pesquisadora
adverte que a implementação de um "governo eletrônico"
não significa apenas informatizar os serviços governamentais.
Ela implica em olhar para um problema complexo, onde interagem as
necessidades das pessoas e suas habilidades prévias para
lidar com a tecnologia.
Por
outro lado, as próprias administrações precisam
estar preparadas para encarar as conseqüências desse
processo, sobretudo o aumento da cobrança por parte da população.
Estão os governos preparados para isso?
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