Governo
eletrônico, democracia e desigualdades
na
sociedade da informação
Reportagem
e edição: Mônica Macedo
Webmaster:
Carolina Jovanelle
Webdesign:
Ingrid Lemos
Declaração
de impostos e pagamento de contas via Internet, voto eletrônico,
orçamento participativo, solicitação informatizada
de documentos, de auxílio-moradia, de seguro desemprego.
A aplicação de tecnologias de informação
e comunicação (TIC) à estrutura política
e administrativa de governos é hoje difundida como uma nova
forma de promover cidadania e democracia, facilitando e ampliando
o acesso aos serviços e bases de dados governamentais. As
TIC podem, de fato, vir a reduzir os custos de oferta desses serviços
e estender o acesso a indivíduos em regiões distantes
dos grandes centros, em horários mais flexíveis e
com maior rapidez de atendimento. Podem, ainda, tornar mais transparente
a administração pública. Esta é, pelo
menos, a idéia que perpassa e orienta projetos de "sociedade
da informação" em diversos países do mundo.
Entretanto, estarão essas tecnologias realmente ampliando
o acesso da população aos serviços públicos
e promovendo a inclusão social e a democracia?
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Na
abertura do seminário, Howard Thompson, diretor do
British Council no Brasil, salientou interesses comuns com
o Reino Unido.
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Esta
foi uma das perguntas centrais do I Seminário Brasil-Reino
Unido sobre Cidadania na Sociedade da Informação,
que o governo do Paraná
organizou em parceria com o Conselho
Britânico. Focalizando experiências em curso nesses
dois países, o Seminário, realizado de 26 a 28 de
novembro, em Curitiba (PR), reuniu pesquisadores, consultores, secretários
de governo, educadores e dirigentes de ONGs para debater conceitos
e ações concretas de governo eletrônico, cidadania
e democracia digitais. Apesar das evidentes diferenças entre
os dois países, o evento mostrou que há muitas experiências
comuns e, principalmente, dificuldades partilhadas.
A primeira
idéia a ser desfeita é a de que a sociedade da informação
promove a inclusão social. A experiência mostra, ao
contrário, que as desigualdades só têm sido
reforçadas nos últimos anos, apesar dos esforços
governamentais para ampliar o acesso às TIC. Mesmo no Reino
Unido, onde hoje 49% da população tem acesso à
Internet (segundo pesquisa The Guardian/ICM, 24/jan/01), as desigualdades
sociais permanecem nos mesmos níveis de há 40 anos,
sendo as classes economicamente privilegiadas (já "incluídas")
as que mais se beneficiam da tecnologia e não o inverso.
Como mostrou a socióloga e diretora da ONG londrina Local
Futures, Kate Oakley (veja entrevista
), a "geografia da pobreza" (geography of deprivation)
na cidade de Londres é muito semelhante no que se refere
tanto a indicadores sócio-econômicos como de acesso
às TIC (veja gráfico).
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Acima,
índices de pobreza na cidade de Londres (vermelho corresponde
a áreas de "grande pobreza", azul a "baixa
pobreza"). Abaixo, índices de acesso à
Internet (azul corresponde a áreas com apenas 27% da
população conectada, vermelho a 63%). Fonte:
Kate Oakley, Local Futures Group, 2000.
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Na
"nova economia", permanecem as "mesmas velhas desigualdades",
aponta Oakley com um gráfico da distribuição
do emprego na Inglaterra, onde a atividade econômica aparece
extremamente concentrada em algumas regiões (veja gráfico).
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Distribuição
do emprego na Inglaterra (áreas mais escuras correspondem
a maior taxa de emprego, acima de 26% [marrom], enquanto as
áreas mais claras correspondem a menor taxa, abaixo
de 12% [salmão]). Fonte: Kate Oakley, Local Futures
Group, 2000.
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Especialização
em TIC
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Pensando
na formação de especialistas em TIC, o Cidade
do Conhecimento pretende oferecer um curso
de pós-graduação em que cada aluno
desenvolverá um projeto de aplicação
das TIC para resolver o problema concreto de alguma instituição
ou comunidade (ONG, pequena empresa, sindicato, associação
de moradores ou outra).
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Se
no Reino Unido as TIC não alteraram o cenário de desigualdades
sociais, no Brasil muito menos, argumentou o coordenador do projeto
Cidade do Conhecimento/USP,
Gilson Schwartz, que qualificou a sociedade da informação
como uma "ilusão sócio-econômica".
Schwartz criticou o Programa Brasileiro de Sociedade da Informação,
dizendo que ele não está articulado a iniciativas
de outros órgãos do próprio governo, nem leva
em conta os diversos setores implicados no desenvolvimento dessa
sociedade. O Programa, segundo ele, atende ao interesse dos vendedores
de software, mas não às necessidades da sociedade.
Como exemplo, cita a informatização das escolas, que
está sendo "mal feita, pois não há recursos
humanos treinados para o bom aproveitamento dos equipamentos e estes
acabam ficando fechados".
José
Eisenberg, sociólogo do Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), vai mais longe. Para ele,
a tecnologia é determinante da forma como as políticas
públicas se organizam. Seria urgente, então, produzir
uma reflexão crítica sobre as TIC e seu papel na democracia.
"As ciências sociais, no Brasil, pecaram por não
ter refletido sobre essa questão quando a TV se implantou
no país; hoje somos reféns do monopólio da
difusão de informações", afirmou. A produção
de modelos alternativos à exclusão social deve, segundo
o sociólogo, levar em conta os atributos técnicos
da Internet ("escrita como fixação da comunicação,
reprodutibilidade das mensagens, distanciamento espaço-temporal
e codificação, que requer competências cognitivas
específicas") e os modos como a rede vem sendo apropriada.
"A idéia de que as novas gerações, socializadas
pela Internet, usam mais a escrita é enganadora. Ela tem
caráter passageiro. Em breve, os recursos audio-visuais associados
à televisão dominarão também a Internet",
prevê.
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