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Diversidade e Conflito Com
Ciência na SBPC
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Com Ciência na SBPC A revista Com Ciência inaugura uma nova fase, na qual a parceria com a SBPC virá, sem dúvida, dar-lhe, com a maior ressonância, mais responsabilidade. Criada, originalmente, por iniciativa do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LABJOR), da Unicamp, para atender objetivos pedagógicos e de divulgação científica, a revista tem funcionado, ao mesmo tempo, como um laboratório dinâmico de experimentação para os alunos do curso e como um meio de comunicação eletrônica que foi transcendendo cada vez mais suas motivações didáticas iniciais. É esta transcendência que permitiu à equipe responsável pela revista almejar um grau ainda maior de profissionalização, sem, contudo, perder de vista o seu caráter educacional e formador. O ensejo para isso deu-se com o interesse da diretoria da SBPC em criar em sua sede uma revista eletrônica de divulgação científica que viesse se agregar às demais publicações da entidade, sem fazer-lhes concorrência, e com o lançamento pela FAPESP do Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico. A experiência que vinha sendo desenvolvida pelo LABJOR, aliada aos objetivos de motivação e de mobilização da sociedade em prol da ciência e da tecnologia, mais a oportunidade de apoio através das bolsas que o programa da FAPESP viabiliza, além do apoio do CNPq através do PRONEX para o Núcleo de Excelência em Jornalismo Científico, de que faz parte o LABJOR, tudo isso permitiu a parceria que hoje se inicia com o número 1 da revista Comciência, nessa nova fase. O tema principal deste número da Comciência é o Genoma, em especial o programa que se desenvolveu no Brasil, através de diversos projetos, alguns deles já concluídos ou em fase final de conclusão, no que diz respeito ao sequenciamento de genes, como é o caso do genoma da Xyllela fastidiosa, bactéria causadora da praga do Amarelinho em nossos laranjais e o Genoma da Cana, cujo sequenciamento de 50.000 genes está prestes a ser concluído. O projeto do genoma do câncer, em parceria com o Instituto Ludwig, o projeto do Xanthomonas axonopodis pv citri, as ações futuras da FAPESP em parcerias internacionais com consórcios de instituições de diferentes países no projeto da bactéria Clavibacter, da cana-de-açúcar, ou a sua participação no projeto da Xyllela que afeta as vinhas do sul dos U.S.A., tudo isso dá a medida de quanto o Programa Genoma tem contribuído para internacionalizar a nossa ciência e colocar o Brasil no ranking dos países que estão na ponta das pesquisas da Genômica. No dia 26 de junho, deste ano a imprensa e a mídia do mundo inteiro ocuparam-se em noticiar, com pompa e circunstância, o sequenciamento "virtualmente completo" do código genético humano como resultado do Projeto do Genoma Humano, criado há mais de 10 anos e da concorrência privada da empresa Celera Genomics que utilizou uma outra metodologia de sequenciamento para acelerar os trabalhos. Ao consórcio público de instituições de pesquisas americanas e inglesas, juntou-se, depois de várias tratativas de bastidores, o empreendimento privado, para a divulgação do feito, evento pilotado pelo presidente Bill Clinton, secundado, à distância, na Inglaterra, pelo ministro Tony Blair. A retórica que o presidente usou para comandar a cerimônia teve seu ponto alto numa tirada de efeito que lembra o triunfalismo confiante que, nos anos 70, quando se tornou realidade a manipulação genética, convivia com a prudência temerosa ou com o temor prudente dos próprios cientistas em relação à Caixa de Pandora que estavam destampando. "Hoje aprendemos a frase com que Deus escreveu a vida", numa das versões que a nossa mídia divulgou, ou "Estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida", na versão divulgada pela imprensa. Numa ou noutra forma, o fato é que o presidente dos U.S.A. não hesita, ao anunciar o genoma humano, em propalar o endeusamento do homem. O curioso é que, em 1975, o melhor e mais completo registro, até então, das idas e vindas dos novos Prometeus foi feita pela revista Rolling Stone, publicação radical da geração dos anos 60. Cobrindo a reunião internacional proposta por Paul Berg, bioquímico da Universidade de Stanford que está na origem e no desenvolvimento da Engenharia Genética, Michael Rogers fez um relato da conferência com as discussões sobre os riscos e a necessidade ou não de medidas acauteladoras no andamento das pesquisas, apontando, na conclusão, para a possibilidade da "criação de novos biótipos nunca antes vistos na natureza", monstros, portanto, chamados, mais familiarmente, quimeras ou plasmídeos quiméricos. "Brincando de Deus com o DNA" nome do artigo que Arthur Lubow publica, em 1976, no New Times, colabora para dar uma idéia de quanto a inteligência americana se debatia no conflito ético de expulsar ou não o homem novamente do Éden. Os anos se passaram e, do ponto de vista científico, tanto o triunfalismo prometeico, como o temor de Frankenstein, foram sendo ocupados pela dura e disciplinada tarefa da ciência e das implicações do conhecimento dela decorrente. Em 1985, o biólogo molecular Robert Sinsheimer, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, organizou, em Santa Cruz, o primeiro grupo de trabalho para tornar exeqüível aquilo que depois viria a se chamar Projeto Genoma. De lá para cá, os cientistas, mesmo diante da possibilidade real de desvendamento de segredos da vida, tão sagrados quanto todas as mitologias que os cercam - como o da cura definitiva de doenças incuráveis, o da longevidade e mesmo o da imortalidade e o de todos os seus contrários - têm sido prudentes, sem serem timoratos, e ousados, sem serem temerários. É um grande feito, sem dúvida alguma. Mas como diz Ricardo Brentani, presidente do Hospital do Câncer em São Paulo, o que o anúncio (do Genoma Humano, feito no dia 26/06/2000) significa é "apenas que definimos o tamanho do palheiro no qual precisamos procurar a agulha". O registro de todo movimento científico, político, cultural e social, que resultou no Projeto do Genoma Humano vem sendo feito de maneira brilhante, desde as primeiras pesquisas com o DNA recombinativo, pelo jornalista, biólogo de formação, Nicholas Wade, que, ao longo de 20 anos, publicou para a Science artigos, cujo papel, na divulgação e na discussão de todos os aspectos constitutivos do processo de pesquisa e de seus resultados eficientes, eficazes e relevantes, tem sido fundamental para a compreensão e a participação da sociedade nesse processo inovador e fundador de uma nova era para as ciências da vida. Em 1977, Wade publica o livro A experiência final: evolução feita pelo homem, indispensável para o entendimento do que ocorria com a manipulação genética, até então, e continua, hoje a acompanhar, para outros órgãos da imprensa, os desdobramento que a Genômica vem conhecendo atualmente. O Brasil não teve a oportunidade de brincar de Deus nos anos 70, a não ser no futebol, apesar dos demônios da ditadura militar. Entrou recentemente, de maneira sistemática e institucional, na área e mostrou, em menos de 5 anos, uma capacidade tal de organização e de produção científica, que foi imediatamente alçado à condição de parceiro internacional competente para as intrincadas pesquisas da Genômica. O alcance das pesquisas que hoje são financiadas pela FAPESP e por outras instituições de fomento, em parcerias nacionais e internacionais com o setor público e o setor privado, abre uma nova etapa para a ciência no Brasil, não só pelos aspectos científicos, propriamente ditos, envolvidos, mas também pelos aspectos institucionais, de política científica e tecnológica, além, é claro, pelas questões éticas e sociais que essas ações de ponta, na fronteira do conhecimento, acarretam. O que a revista Comciência pretende, de um modo geral, é poder acompanhar, com a sociedade, as grandes aventuras do conhecimento e, de modo especial, neste primeiro número, a viagem da ciência em busca do Graal da vida, seus cavaleiros, suas lutas, seus sucessos, seus fracassos, seus desafios, suas certezas e fraquezas, enfim, sua humanidade, focando, nesses cenários de mitos, fantasias, expectativas e cruas realidades, o desempenho da ciência brasileira. Carlos Vogt |
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Atualizado em 10/04/2001 |
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