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Planeta Água

A questão central que norteia este número de Com Ciência dedicado a Águas pode ser formulada sob a forma de um paradoxo: Por que, no Brasil, havendo abundância de águas doces, há escassez?

As respostas a esta pergunta constituem o esforço das matérias sobre o tema do mês e apontam para os diversos aspectos que envolvem o ser água em estado natural e os de sua transformação cultural em recurso hídrico.

Nessa última distinção pode estar a chave para a solução do paradoxo acima enunciado e em sua busca partem os textos da equipe da revista.

O planeta Terra, que já foi chamado planeta Água pela liquidez de sua consistência, tem na geografia brasileira uma concentração de águas doces equivalentes a 12% do total existente no mundo.

Vários fatores interferem para motivar os riscos da escassez da água enquanto valor econômico, entre eles, o desperdício, a poluição, a contaminação industrial, a desproporção entre demografia e disponibilidade natural, a ocupação desordenada do solo rural e urbano, as disputas políticas pelo seu controle, a falta de políticas públicas educacionais que levem a uma cultura de preservação, a cultura predatória de nossa longa tradição de ocupação, e abandono da terra e a ausência do sentido de cidadania capaz de encurtar, na população, a distância entre o público e o privado, o particular e o coletivo, o individual e o social.

É interessante notar que a formulação do paradoxo contido em nossa pergunta só foi possível graças à concepção da Terra como um sistema. Graças, portanto, a uma mudança do paradigma teórico que, deixando de ser cartesiano, permite ver, com clareza, a sistematicidade das relações entre as partes vivas do planeta - plantas, microorganismos e animais - e as suas partes não vivas - rochas, oceanos, rios e atmosfera.

Mudar, nessa área do conhecimento, da idéia de que o entendimento das partes leva à compreensão do todo para a idéia de que o todo é maior do que a soma das partes, e que é a sua visão de conjunto que permite a compreensão das partes, significou, pois, uma revolução teórica para os estudos e pesquisas científicas.

Mais interessante ainda é dar-se conta de que essa percepção sistêmica da Terra e de seus contrários só se explicita, na forma que a conhecemos hoje, a partir dos anos 60, quando todos pudemos vê-la, pelas fotos do Sputinik, envolta num manto azul e branco de águas e transpirações.

O poeta francês Paul Eluard registrou num poema epigramático, curto e leve, como convém ao gênero, denso e etéreo, como cabe ao tema, a geometria da forma e a plasticidade suculenta desse fruto cósmico:

La Terre est
A Terra é

bleu
azul

comme um orange
como uma laranja

Não podemos, contudo, deixá-lo ser sugado pela voracidade da ignorância e pela esperteza sabida dos oportunistas. Para que a beleza cósmica e fluida do planeta não se decepcione nos detalhes de sua convivência com as sociedades humanas é preciso que os povos e as nações constituam com firmeza a cultura da preservação de nossas águas.

Países como o Brasil, ricos em mananciais, não podem seguir na filosofia caricatural do Jeca, para quem "plantando, dá; não plantando, dão."

A política das águas é um imperativo de vida. Nesse sentido, são mais do que bem vindas as iniciativas institucionais para a cultura de sua qualidade. Como exemplo, a criação da Universidade da Água, organização não governamental, ligada ao Instituto Latino Americano e ideal realizado do saudoso governador Franco Montoro, e a instalação da Agência Nacional de Águas (ANA), por parte do governo, apesar das disputas políticas que a envolvem desde o seu nascimento.

Bem vindas também as publicações que cada vez mais, em número e em qualidade, tratam do tema com discernimento, espírito científico e clareza de exposição suficiente para permitir que o grande público tenha a elas acesso, possibilitando-lhe, desse modo, o seu entendimento e compreensão.

Entre essas obras, vale a pena destacar o imenso trabalho Águas Doces no Brasil - Capital Ecológico, Uso e Conservação, organizado e coordenado pelos professores Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Braga e José Galizia Tundisi (Editora Escrituras, São Paulo, 1999), contendo a colaboração de mais de duas dezenas de especialistas, com artigos que tematizam todos os aspectos pertinentes e relevantes do assunto, com ampla bibliografia, e ilustrações funcionais e estéticas, didáticas e explicativas.

Que as águas no Brasil possam, pela limpidez que se quer e é preciso preservar, ou recuperar, preservando, dar-nos uma imagem refletida que nos deixe minimamente envaidecidos com nossa identidade. Não para atrair-nos no afogamento narcísico da egolatria ufanista, mas para devolver-nos, simbolicamente, a justeza ética e a responsabilidade social de nossos comportamentos e ações.

Carlos Vogt

 

 

 

 

Atualizado em 10/04/2001

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