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Canções do Exílio O exílio nos acompanha. A nós, homens e mulheres da humanidade, expulsos que fomos do paraíso, pela temeridade ancestral de nossos pais míticos - Adão e Eva - que se entregaram à sedução do conhecimento sem limites e geraram, para sempre em nossa cultura, este sentimento inalienável de perda metafísica. É de Juan Carlos Onetti a sentença seminal: "Devo terminar referindo-me ao exílio definitivo a que estamos condenados pelo simples fato de vir ao mundo. Daqui seremos exilados, não sabemos para onde nem quando." No Brasil e em Portugal carregamos tão fortemente o fado da migração, pela materialidade histórica de seu acontecimento e pela imaterialidade ideológica de suas representações, que Fernando Pessoa exila-se em nada mais, nada menos que no próprio português, ecoando, além-mar, em Caetano Veloso, o verso consagrado "minha pátria é minha língua". E foi em Portugal que Gonçalves Dias, em 1843, estando em Coimbra, em exílio voluntário e estudantil, escreveu, estampando Goethe como epígrafe, o que se tornaria o leit-motif mais presente da literatura brasileira por gerações e gerações de escritores e de leitores:
Os jovens que integraram as forças expedicionárias do Brasil na Itália, na Segunda Grande Guerra, cantaram com todo o país os versos que o hino tomou emprestado à última estrofe da "Canção do Exílio":
Mas antes, muito antes, Casimiro de Abreu, romântico como Gonçalves Dias, cheio de saudades da infância e de sua terra natal, ecoou, no calor da contemporaneidade, os versos do poeta maranhense:
Ou ainda, em outro poema, em que o sabiá, que lá em Gonçalves Dias cantava nas palmeiras, e já havia mudado para a laranjeira, agora se encontra aqui, mais genericamente, em seus retiros:
Mas não se pense que só românticos, poetas ou jovens em causa alheia, como os que foram para a guerra, recitaram os versos nacionalisticamente nostálgicos da nossa primeira "Canção do Exílio". A sua fortuna crítica seguiu em rota de sucesso passando por modernos e modernistas que a referiram, mencionaram, lembraram, parodiaram, num ritual de renovação constante e de vitalidade perene. Cassiano Ricardo quis transcendê-la no sentimento adulto e algo conceitual da saudade:
Carlos Drummond de Andrade, finge, poeticamente, distância e esquecimento, para entregar-se em afeto de homenagem e envolvimento:
Oswald de Andrade canta o regresso à pátria, troca as palmeiras por Palmares e pontua o movimento da volta com a cadência contrária das marcas futuristas do progresso de São Paulo:
Murilo Mendes enfia o cotidiano no esquema da nostalgia e o efeito poético de distanciamento do modelo, que obtém, não elide, contudo, a reverência - irônica é verdade - à matriz da saudade nacional:
Jô Soares, que não é poeta, mas humorista, dos bons, não resistiu à melodia da canção e, virando-a pelo avesso, encheu a sua resistente ossatura com a carne generosa da política de regalias e privilégios do presidente cassado:
José Paulo Paes, no melhor estilo do sintetismo anti-discursivo das grandes vanguardas modernistas, fez da canção o resumo, em pílula, facilitando-lhe o instantâneo e despojando-a de acessórios:
Caulos, outro humorista, também dos bons, fez o sabiá migrar dos versos saudosistas para a denúncia ecológica, no grafismo leve e tocante do exílio de sua própria palmeira: E é essa palmeira, que já não há, que ressuscita em uma das mais lindas canções da música popular brasileira, de Tom Jobim e Chico Buarque, trocando agora o sabiá histórico pela sabiá amada:
É como se todos tivéssemos escrito, cada um, a sua própria canção do exílio. Na minha, escrevi:
E assim me encontro, aqui, com Onetti, que foi nosso anfitrião nessa viagem ao redor do exílio, cujo porto de chegada não pode ser outro senão o de uma das cidades invisíveis que Ítalo Calvino deu a Marco Polo para visitar na incansável narrativa em que as contava ao Grande Khan. Quem sabe esta:
Este número de ComCiência dedicado ao tema Brasil: Migrações Internacionais e Identidade, além das reflexões críticas e dos estudos sobre esses movimentos de transnacionalidade que mudam, com a história, de sentido, mas não mudam de intensidade, na história, é também um registro de homenagem e um aceno de encontro aos que para cá vieram e aos que daqui se foram, vivendo, uns e outros, no esforço de construir a vida melhor, a identidade material e culturalmente cindida de ser um e procurar ser outro. Mas como diz Clarice Lispector, "o outro do outro sou eu". Exílio! Carlos Vogt |
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Atualizado em 10/04/2001 |
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