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Português e Esperanto-Inglês
I Estive em Macau em 1.999, onde se realizou o V Congresso de Jornalismo de Língua Portuguesa. Macau é uma cidade que procura rivalizar com Hong-Kong, da qual dista cerca de 60 quilômetros do outro lado do rio das Pérolas e que, como esta, passa definitivamente, sob regime especial, para a administração chinesa. Pelo que pude depreender, os últimos quinze anos de governos portugueses imprimiram um grande desenvolvimento à cidade, conquistando espaço ao mar, ligando ilhas à cidade, por pontes longas e bonitas e incentivando o turismo-jogador, com os inúmeros cassinos de excelente infra-estrutura lá instalados. Macau se transferia para a China, à qual, na verdade, sempre pertenceu cultural, ideológica e linguisticamente. Há tempos atrás, o Fantástico, da Rede Globo, apresentou, na seqüência de alguns domingos, uma revista intitulada Aqui se Fala Português e Macau foi assunto de um de seus capítulos, inclusive com a apresentação de brasileiros que por lá vivem e são proprietários de restaurante - o Yes Brasil -, perto das ruínas e da fachada da igreja de São Paulo. Estive no restaurante, perambulei pelas ruas de Macau, sobretudo no centro comercial, visitei pontos turísticos, templos e o Mercado Vermelho. Onde quer que se fosse, a arquitetura, a concepção urbanística, o nome do dinheiro, tudo isso era português, mas a ocupação do espaço, a vida, a língua, isso tudo é chinês. Tirando as placas das ruas, as sinalizações de trânsito, os ônibus, que trazem sempre os nomes em chinês e em português, em Macau não se fala português, ou se fala muito restritamente, em ambientes muito próprios, como são por exemplo os restaurantes que servem comida lusitana, entre eles uma churrascaria com um garçom cearense de origem. Muito pouca integração, diversamente de outras regiões do planeta colonizadas por Portugal, o caminho do processo cultural, que se seguirá à volta de Macau à China, será o de total absorção da cidade e de sua população, com uma perda gradual do lusitanismo, que tenderá, de fato, ao esquecimento de sua presença, por séculos, no sul da China. Isso significa que a língua portuguesa vai desaparecer? II Quem leu a entrevista do lingüista americano Steven Fischer nas páginas amarelas da Veja (ano 33, nº 14, de 5 de maio de 2000) deve ter ficado horrorizado com a perspectiva de desaparecimento do português, ali profetizada, em benefício de um mix lingüístico que hoje, com uma pitada de humor pejorativo, é chamado de portunhol. Não sei se o futurologismo de Fischer terá os futuros que ele desenha, na cronologia que estabelece, na velocidade que preconiza, nas soluções de encaixe que vislumbra e na atmosfera blade-runner que pinta. Sei, contudo, que a sua visão segue a lógica inexorável do processo de globalização da economia mundial e de suas conseqüências culturais: à necessidade de homogeneizar mercados, estabilizando moedas, para a livre circulação do capital financeiro associa-se a harmonização de comportamentos e de padrões culturais de conduta social, criando, assim, condições objetivas para que as resistências nacionalistas ligadas ao sentimento forte de nacionalidade vão cedendo terreno a um sentimento crescente de fidelidade empresarial sem fronteiras. O paradoxo que este sentimento produz é interessante, do ponto de vista lógico, e cruel, do ponto de vista social: quanto mais livre a circulação do capital mais ele se concentra em conglomerados internacionais que crescem e se agigantam pelas fusões de empresas que, em si mesmas, já são, em geral, grandes e concentradoras; socialmente, a perda do emprego e, pior, a impossibilidade de a ele retornar - o que dá magnitude ao fenômeno da exclusão - dá a nota de perversidade a esta sinfonia de encanto e desalento. No olho do furacão globalizante, as tecnologias da informação funcionam como instrumento privilegiado do processo e como o próprio processo de instrumentalização do privilégio do acesso às informações, apresentado, no entanto, como a última maravilha democrática do liberalismo econômico e político. Aqui, nesse ponto, é que se articula com o real a retórica de suas representações e apresentações, vale dizer a sua ideologia: o modelo é concentrador, mas a circulação dos interesses financeiros é livre e sem fronteiras; quanto mais o capital circula, mais ele se concentra e mais ele é exclusivo e excludente; quanto mais ele exclui, econômica e socialmente, mais ele cria a ilusão política da participação da cidadania e mais ele desenvolve a retórica da igualdade de oportunidades de acesso à informação, vale dizer, à verdadeira riqueza da nova economia. E essa riqueza, como todas na história, tem dono e os seus donos, como toda a história de donos, são ciosos de seu poder, de modo que o acesso democrático à informação não significa acesso à propriedade da informação, mas sim o direito inalienável ao consumo, cada vez mais sofisticado pelos meios sofisticados de sua circulação e disponibilização ao cidadão-consumidor. Que homem se estará formando nesse processo é uma questão para o qual não se têm ainda respostas claras ou, pelo menos, convincentes. Que pessoa será esta, falante de uma espécie de língua-geral de comunicação - seja o portunhol profetizado pelo lingüista, na América Latina, seja o inglês, o próprio espanhol e o mandarim, como as grandes línguas remanescentes de todas as línguas, se as suas profecias para daqui a 300 anos estiverem certas -, que sociedade será esta constituída em bases culturais feitas quase que exclusivamente das exterioridades efêmeras e triviais do ser humano, de que humanidade se fará este indivíduo feito da ausência total de nacionalidades, que identidade se constituirá para o rosto plano do desenraizamento no espelho dessa fé mercante e consumista, são indagações, entre tantas outras, diante das quais até mesmo o esforço de sua formulação é sacrilégio. A lógica da entrevista de Steven Fischer é exatamente a lógica do mundo globalizado: os cenários que ela estrutura e sustenta, desenhando-os com a promessa da igualdade comunicacional, numa viagem regressiva ao estado pré-babélico, dentro de todas as mitologias da salvação, não pode, por isso mesmo, prescindir do inferno e do purgatório que os emulam - no caso, o alto custo social desse processo - e nem evitar, do ponto de vista psicológico, o sentimento inexorável da perda progressiva de nossa identidade. As línguas mudam, já mudaram e continuarão mudando, mas sem teleologia, sem finalismo, seja técnico, seja ideológico. A dinâmica de suas transformações jamais obedeceu a essa "esperantização" dos idiomas preconizada na entrevista. Se agora é possível apontar para esses futuros, é que a certeza de seus acertos está intimamente ligada à lógica da globalização e à homogeneização do mundo que engendra. Se, contudo, ela falhar, falham as profecias. O que não é de espantar, já que outras e boas não levaram a nada, a não ser ao fato de se constituirem em elementos indispensáveis para a etnografia e a compreensão das épocas em que foram formuladas. . III Houve um tempo - na verdade, mais de um - em que tivemos programaticamente, como projeto nacional, a busca de diferenças tão marcantes, entre o português do Brasil e o português de Portugal, que justificassem a identificação de uma língua brasileira, com identidade própria, apesar das inegáveis semelhanças genéticas e estruturais entre a mãe e a filha. Léxico, entonação, sintaxe, morfologia, fonética e fonêmica, onde quer que fosse e em qualquer nível de análise que se quisesse, a obsessão era encontrar dessemelhanças. Dois momentos da história cultural brasileira são particularmente marcantes, nesse sentido: o do Romantismo, mais ou menos entre a independência do país e os anos 60, do século passado, e o do Modernismo, a partir de 1922 estendendo-se, para o caso da brasilidade lingüística, até os anos 40, aproximadamente. Passada a briga romântica e a peleja modernista com Portugal, os ritos de heroísmo e de afirmação da "língua brasileira" foram cedendo lugar à uma maturidade de comportamento em que houve, inclusive, inversão de sinais, com fortes influências do português do Brasil sobre o português de Portugal, através do romance regionalista dos anos 40 e, mais recentemente, através da própria televisão e das novelas brasileiras por ela veiculadas naquele país. As línguas são dinâmicas, como é dinâmica a cultura dos povos. Com a internacionalização das relações econômicas, a globalização financeira e a mundialização dos meios eletrônicos de comunicação, as tecnologias da informação vêm criando jargões específicos e o que se vê nos países, regionalmente, é um fenômeno interessante de desenvolvimento de patuás globalizados cujo paradigma é sempre tomado ao inglês, esperanto da nova era. Em meio às turbulências da globalização, agita-se, cada vez mais a indústria cultural, produzindo desde caipiras americanos no interior country paulista até a mística urbana do consumo das músicas em inglês, que poucos entendem, linguisticamente, mas que todos consomem e consumam, musical e ideologicamente. E a nova língua portuguesa? Agita-se também. Debate-se, confronta-se, recua, modifica-se e mantém-se. Nesse sentido, faz bem assistir e acompanhar a atitude de nossa imprensa/mídia que, além dos manuais de redação e estilo, procura, às vezes com cochilos indesejados, desempenhar-se em bom vernáculo, mantendo inclusive seções e programas dedicados à discussão das formas corretas e da expressão adequada de nosso brasileiro português, numa clara tarefa cultural de conservação criativa. E que não venham dizer-nos que somos, por isso, conservadores. A não ser que por aí se entenda que se trata de conservadorismo radical, isto é, aquele que procurando preservar as instituições, sabe que é preciso renová-las, mas que diante da vertigem atraente do novo, tem a consciência plena de que toda a novidade só tem consistência sobre as estruturas fundadas da tradição. Toda novidade não é senão esquecimento, como escreveu Francis Bacon. No caso da língua, toda inovação ou nasce da tensão constante com o movimento cultural de sua conservação, ou não será mais do que mera curiosidade mercadológica. Desde os poetas e cantadores que a amaram, amam e amarão, "última flor do Lácio inculta e bela" como o parnasianismo de Olavo Bilac a pintou, pátria de Pessoa e refúgio para onde Caetano Veloso se convidou, a língua portuguesa, cujo nascimento se confunde com o do próprio reino, no século XII, tem peculiaridades socio-político-culturais que muitas outras não têm. Entre essas peculiaridades, duas pelo menos se destacam. A primeira é que, no Brasil, país de maior número de falantes da língua de todo o planeta, à independência política, em 1822, seguiu-se a busca da independência lingüística e vários foram, entre os Românticos, os militantes ilustres desse propugnáculo. Cem anos depois, com o Movimento Modernista, retomou-se a lide e os nacionalismos estéticos, para o bem e para o mal da arte produzida, e foram lançadas as sementes do que na década de 30 frutificou como Língua Nacional, digerindo os ancestrais - bispos sardinhas da linguagem - para, na mescla do português de origem com os africanismos, os indigenismos e os vários europeismos das imigrações, ir tecendo a feição brasileira da língua-pátria-mãe: Tupi or not Tupi. A segunda peculiaridade, ainda mais ressaltada pelos esforços decorrentes da primeira, é o fato impressionante de que, em toda a extensão territorial geográfica do país, cercada de castelhano por todos os lados - menos o que o mar impede e descortina - fala-se a língua portuguesa e os mais de 170 milhões de habitantes do país nela se entendem e nela e por ela tecem a história de suas vidas, de suas vivências, de seus encontros e diferenças. Proteger,
pois, a língua portuguesa é proteger a nós
mesmos e à nossa rica variedade cultural. E não vale atacar a medida com o estilingue de cosmopolitismos canhestros e tampouco execrá-la como ranço de nacionalismos febris. Outros países têm leis parecidas e nem por isso deixam de ser a meca do mundanismo cultural, como é o caso da França, sempre rigorosa e estrita na defesa orgulhosa da língua francesa. A questão não é a lei, mas a sua regulamentação e aplicabilidade. As línguas, como se sabe, são dinâmicas e a história de sua evolução é também a história de suas transformações nos cenários das pequenas e grandes mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais. Os destinos das modificações do português do Brasil e do português de Portugal não são necessariamente iguais e podem mesmo ser muito diferentes, a ponto de as duas línguas, na linha do tempo, se distanciarem e poderem tornar-se estranhas entre si. Línguas foram soberanas em determinados períodos da história e deixaram de existir como meio de comunicação depois que os impérios políticos onde reinavam ruíram, como é o caso do latim que, no entanto, sobrevive transformado na riqueza das línguas neolatinas a que deu origem, o português, entre elas. Línguas de comunicação existiram desde a antigüidade, como é o caso do knoine, originário da região de Atenas, no século III A.C., ou do Swahili, na África, no grande período de expansão colonialista européia, no século XIX, ou mais recentemente do inglês, que se mundializou efetivamente como língua franca na conjuntura econômica da globalização. Nesse sentido, será difícil impedir que termos e expressões do inglês invadam as relações econômicas, políticas e sociais da nova geografia desenhada pelo fluxo livre do capital financeiro, com reflexos cada vez mais brilhantes nos outdoors (ou deveremos dizer painéis?) da cultura plana do cidadão-consumidor. Como distinguir o plano do pleno? Quando autorizar e quando proibir o abuso do anglicismo e a transgressão da lei?. Que tribunais constituídos ou a se constituírem julgarão os casos e estabelecerão as penas? Que penas infringir ao transgressor? Como distinguir a intenção do simples descuido? Como fiscalizar a vida e suas transformações? A lei é boa e bem intencionada. Falta só combinar com os russos, como diria Garrincha, se se tratasse das táticas e estratégias que o velho Feola prescrevia ao scratch (melhor escrete) nacional campeão do mundo em 1958. Como não se trata de futebol mas de política lingüística, falta só combinar com os americanos, donos do inglês e da globalização e com os nossos globalizados formadores, formados e formandos de opinião.
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Atualizado em 10/06/2001 |
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