Barra de navegação do site

Página inicial Carta ao Leitor Reportagens Notícias Entrevistas Resenhas Radar da Ciência Links Opinião Observatório da Imprensa Busca Cadastro Reportagens

Criação versus evolução:
uma disputa pelo controle da política educacional

Desde que o estado norte-americano de Kansas decidiu excluir a teoria da evolução, de Charles Darwin, das provas de ciências das escolas públicas, em 1999, tem crescido em vários países do mundo o movimento dos que defendem o criacionismo, corrente abraçada por religiosos e cientistas, segundo a qual a origem do universo e da vida é fruto da criação divina. Em alguns países da Europa, o criacionismo se fortalece apenas gradativamente, mas em outros, o movimento já começa a dar sinais de poder na definição das políticas públicas de educação.

O jornal britânico The Independent publicou no dia 13 de junho deste ano uma matéria sobre a ligação do primeiro ministro Tony Blair com escolas que ensinam o criacionismo. Segundo a matéria, ele inaugurou pessoalmente um desses estabelecimentos de ensino, dirigido por Peter Vardy, a quem Blair já havia concedido uma espécie de comenda, em 2001, por serviços prestados à educação. O texto do Independent aponta o conselheiro de Blair, Andrew Adonis, como a principal força por trás da expansão das escolas religiosas no Reino Unido. Nos últimos 10 anos, foram criadas na Inglaterra cerca de 180 novas escolas secundárias ligadas à igreja. O primeiro ministro britânico, em entrevista na TV, já havia se declarado favorável ao que ele chamou de "diversidade no ensino": a atual política educacional do Reino Unido determina que o currículo das escolas deve conter a teoria da evolução, mas permite que elas também ensinem o criacionismo. A National Secular Society, uma organização racionalista fundada em 1866, que luta contra os privilégios religiosos, classificou a defesa do criacionismo no ensino como uma "deplorável aceitação de anti-ciência" por parte do primeiro ministro.

Não é apenas em países predominantemente protestantes, como os Estados Unidos e a Inglaterra, que o movimento anti-evolucionista vem crescendo. Em fevereiro deste ano, o Ministério da Educação da Itália, um país fortemente católico, publicou o novo programa do ensino médio, que exclui do currículo o aprendizado da teoria da evolução. Um grupo de renomados cientistas italianos, incluindo o vencedor do Prêmio Nobel de medicina, Renato Dulbecco, publicou no jornal La Repubblica um apelo coletivo ao ministério para que reconsiderasse o programa, pois segundo eles, a exclusão "representa uma limitação cultural e uma renúncia ao desenvolvimento da curiosidade científica e da abertura da mente" da nova geração do país. Em nota sobre o assunto, o Centro Studi Creazionismo afirmou que apesar de não compartilhar da teoria evolucionista, não é contrário ao seu ensino, mas defende que ela seja tratada de modo crítico e não dogmático. Na Itália, onde o movimento anti-evolucionista já existe há mais de uma década, há quem adote uma posição mais radical sobre essa questão. Em 1991, Fernando De Angelis, doutor em Ciências Agrárias pela Universidade de Perugia, e fundador da Associação Cultural Evangélica Daniele-Baltazzar, publicou um livro que ataca o darwinismo já em seu título: A origem da vida por evolução, um obstáculo ao desenvolvimento da ciência.

Outros países europeus de maioria católica, como a Espanha, ou protestante, como a Alemanha, também possuem suas organizações criacionistas. Já na França, berço do iluminismo racionalista, os religiosos aparentemente não vêem conflito entre a idéia da criação divina da vida e a evolução das espécies. "Nas escolas francesas, a origem do universo e da vida é apresentada unicamente em seu aspecto científico", afirma Jacques Abbatucci, do Groupe d'étude Teilhard de Chardin, referindo-se à teoria do Big Bang - que explica a origem do universo - e ao evolucionismo darwiniano. Esse grupo de estudos é uma das várias associações francesas seguidoras da obra do geólogo, paleontólogo e padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. No livro Le Phénomène Humain, publicado no ano de sua morte, em 1955, o jesuíta e pesquisador Teilhard apresenta sua visão em torno do tema central da evolução, desenvolvendo o conceito de "noosfera" - um termo com certo sentido espiritual (algo como a rede cósmica das consciências individuais). Ele esteve ligado ao longo de toda a sua carreira científica ao Museu Nacional de História Natural da França, sede da Fundação Teilhard de Chardin, fundada em 1962 em sua homenagem.

Já no continente americano, algumas organizações criacionistas, como a canadense, ainda lutam para obter espaço nas políticas educacionais de seus países. "O ensino da evolução nas escolas públicas do Canadá é terrível", disse por e-mail à ComCiência Laurence Tisdall, presidente da Associação de Ciência Criacionista de Québec. Essa entidade, ligada ao movimento da Criação Inteligente - segundo o qual, a natureza apresenta sinais evidentes de ter sido planejada por uma inteligência pré-existente - integra a Access Research Network, uma organização de pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos dedicada a assuntos controversos como criação/evolução, engenharia genética e eutanásia, entre outros. Segundo Tisdall, sua associação acaba de finalizar um artigo que critica página por página o manual de biologia usado atualmente no ensino secundário canadense. "Esse livro menciona fraudes conhecidas desde 1937 como se fossem fatos!", ataca. Uma das fraudes mencionadas pelo criacionista canadense é sobre a evolução da inteligência desde os ancestrais do Homo sapiens até o homem moderno. Tisdall afirma que "há provas demonstrando que o homem das cavernas havia sido não apenas tão inteligente quanto nós, mas talvez até mais inteligente" (veja box ao final dessa reportagem).

Estados Unidos: onde a disputa ferve

"O clamor pelo ensino do criacionismo tornou-se mais forte nos anos que se seguiram à publicação de Voices for Evolution", conta Mollen Matsumura, do Centro Nacional para Educação da Ciência (NCSE, na sigla em inglês), uma organização norte-americana dedicada à defesa do ensino da evolução. "É como se o brado pelo criacionismo fosse outrora um tímido ruído surdo e prolongado de trovão no horizonte, e agora, em mais e mais comunidades, o relâmpago esteja caindo", continua. Esse livro, cuja primeira versão foi editada por Betty McCollister e publicada pelo NCSE saiu em 1981, contém dados sobre casos na justiça envolvendo a controvérsia evolução/criação, e o posicionamento de 15 organizações religiosas, 11 organizações de defesa das liberdades civis e dezenas de organizações científicas e educacionais sobre o assunto. A segunda edição, revisada e ampliada, sob responsabilidade de Matsumura, foi publicada em 1995.

Nos Estados Unidos já existem associações criacionistas há décadas, como a Creation Research Society, criada por dez cientistas, no estado de Michigan, em 1963. Mas foi só na década de 80 - após a publicação de Voices of Evolution - que os criacionistas norte-americanos conseguiram uma vitória significativa no campo educacional: a Suprema Corte do país determinou que os estados não poderiam impedir o ensino do criacionismo nas escolas. Uma das principais instituições responsáveis pelo lobby que levou a essa decisão foi o Institute for Creation Research, da Califórnia, que realiza seminários, conferências e debates sobre o assunto, possui uma rádio e um Museu da Criação e da História da Terra, além de publicar periódicos como Vital Articles on Science Creation, para o qual contribuem pesquisadores de diversas universidades do país.

Após a decisão da Suprema Corte, os estados do Alabama, Novo México e de Nebrasca adotaram mudanças no currículo científico, apresentando o evolucionismo apenas como uma das possíveis teorias sobre a vida na Terra. Os estados do Texas, de Ohio, Washington, New Hampshire e Tennesse adotaram posição similar, incluindo a apresentação de evidências contradizendo a teoria da evolução, mas revogaram posteriormente essa última medida. A mudança mais radical aconteceu em 1999, quando o Conselho de Educação de Kansas aprovou por seis votos a quatro o currículo padrão para as escolas públicas do estado, elaborado com o auxílio da Creation Science Association for Mid-America, excluindo questões sobre o evolucionismo em provas de admissão e de avaliação em vários níveis do ensino. Essa medida, segundo os que defendem o evolucionismo, apesar de não impedir, desestimula o seu ensino nas escolas de Kansas.

"A controvérsia criação/evolução não é uma disputa intelectual ou científica, nem é um conflito entre ciência e religião", comenta Stanley Weinberg, fundador do primeiro dos 50 comitês regionais que integram o Centro Nacional para Educação da Ciência - que conta ainda com cinco representações no Canadá. "Basicamente, é uma disputa pelo controle da política educacional", completa.

Um caso exemplar na controvérsia

No final dos anos 90, uma descoberta de ossos de um Neandertal perto de Dusserldorf, na Alemanha, suscitou um grande interesse tanto entre evolucionistas quanto entre criacionistas. Comparando o DNA mitocondrial do osso do Neandertal com o do homem moderno, pesquisadores evolucionistas afirmaram que a "linha neandertaliana" divergia da "linha dos hominídeos", sem contribuir para o DNA do Homo sapiens moderno. Pesquisadores ligados ao criacionismo questionaram a cientificidade dos resultados, dizendo que a comparação de uma única amostra de Neandertal com o valor médio de resultados de 1669 homens modernos não é apropriada do ponto de vista estatístico.

"A anatomia do Neandertal é essencialmente humana, com o mesmo número de ossos, o mesmo funcionamento", afirma Dave Phillips, mestre em antropologia e doutor em paleontologia pela Universidade da Califórnia, em artigo publicado na Vital Articles on Science Creation. Ele reconhece que existem diferenças no tamanho e na resistência dessa estrutura óssea, mas diz que elas não são significativas. "Essas diferenças são sem importância e podem ser encontradas entre os humanos modernos", continua. Phillips menciona no artigo a descoberta de uma pequena flauta feita a partir do fêmur de um urso, junto a restos de ossos de Neandertal, uma evidência cultural que o leva a concluir que "os Neandertais eram humanos".

(RC)

Anterior Proxima

Atualizado em 10/07/2004

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil