O CBPF e a política nuclear brasileira
Em fins da década de 40 e início da de 50, o Brasil assistiu a
um salto fundamental no desenvolvimento institucional da sua ciência,
representado, principalmente, pela criação do Centro Brasileiro
de Pesquisas Físicas (CBPF),
em 1949, e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq),
em 1951. Estes desenvolvimentos ligavam-se intimamente a uma relação
estreita entre ciência e política. A ação do setor desenvolvimentista
da classe militar, que considerava o desenvolvimento científico
fundamental para o crescimento do país (especialmente no setor da
energia nuclear), foi fundamental para que as duas entidades saíssem
do papel.
O alinhamento da política científica com os interesses militares
era muito favorecido pela conjuntura internacional da época. A importância
da tecnologia na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), particularmente
da bomba atômica, fez com que a física nuclear e o domínio sobre
os minerais ditos estratégicos (minerais contendo terras raras -
elementos com características química semelhantes ao urânio) se
tornassem assunto político estratégico. Assistiu-se a uma grande
intensificação na relação entre ciência, política e Forças Armadas.
A tensão internacional dos anos que se seguiram, um dos períodos
mais tensos da Guerra Fria, reforçou as razões do incremento dessa
relação e ajudou a aprofundá-la. O ano de 1949 assistiu ao bloqueio
de Berlim Ocidental pelos soviéticos (iniciado no ano anterior);
à criação da OTAN, a aliança militar anti-soviética liderada pelos
EUA; à explosão da primeira bomba atômica da URSS, pondo fim ao
monopólio norte-americano das armas nucleares e dando início à corrida
armamentista; e à vitória da revolução comunista de Mao Tsé-Tung
na China. A China de Mao entraria em choque militar com os EUA no
ano seguinte, durante a Guerra da Coréia (1950-1953), ao lado das
forças norte-coreanas. No território norte-americano, reinava o
clima de perseguição política anti-comunista conhecido como Macarthismo
(1951-1960).
A criação do CBPF
O aprofundamento das relações entre militares, ciência e política
reproduziu-se no Brasil e permitiu a sustentação financeira do CBPF
nos seus primeiros anos. Mas a idéia original da criação do CBPF
não veio dos interesses militares, mas da intenção de um grupo de
cientistas de se criar, no Rio de Janeiro, um centro de excelência
em física diferente do estilo de ensino e pesquisa até então feito
no Brasil. Algumas diferenças principais estavam na adoção da avaliação
dos professores e pesquisadores baseada no mérito, ao contrário
do sistema de cátedras, e na instituição de cursos de pós-graduação.
Além disso, o CBPF foi a primeira instituição de pesquisa criada
como entidade de direito civil e procurou firmar-se em financiamentos
da iniciativa privada (apesar de nunca ter conseguido livrar-se
totalmente do financiamento público). Entre os principais cientistas
fundadores do CBPF, estavam os físicos César Lattes e José Leite
Lopes.
As duas principais linhas de pesquisa do Centro eram sobre raios
cósmicos, liderada por César Lattes, e partículas elementares, lideradas
por José Leite Lopes. O prestígio de Lattes foi fundamental para
a implementação do Centro. O cientista havia obtido reconhecimento
internacional poucos anos antes, após conseguir observar pela primeira
vez (1947) o méson-pi, uma partícula subatômica cuja existência
era prevista pela teoria sobre forças nucleares (teoria de Yukawa),
corroborando fortemente essa teoria.
Para garantir financiamento e apoio, os cientistas fundadores aliaram-se
a membros das classes militar e política, representadas, respectivamente,
por João Alberto Lins de Barros e pelo contra-almirante Álvaro Alberto
da Motta e Silva. Tal aliança foi fundamental para a implementação
do Centro. O setor militar desenvolvimentista tinha, no CBPF, um
ponto de apoio para cooptar, junto ao Congresso Nacional, apoio
governamental para a ciência, visando o aproveitamento da energia
nuclear. A argumentação pró-energia nuclear era facilitada pela
crise de racionamento de energia elétrica dos anos 1948-52. Os cientistas,
por sua vez, obtinham por essa via muito do financiamento necessário.
A ação junto aos políticos foi feita principalmente por Álvaro Alberto.
Essa dinâmica foi facilitada com a criação do CNPq em 1951. Até
1954, 74% dos recursos do setor de Pesquisas Físicas do CNPq foram
repassados para o CBPF. O CNPq foi criado nos moldes da Comissão
de Energia Atômica dos EUA; ao contrário do CBPF, era uma autarquia
vinculada diretamente à Presidência da República, com autonomia
técnico-científica, administrativa e financeira.
(R.B.)
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