Satélites são poderosas ferramentas de estratégia
militar
As imagens captadas por satélites são informações estratégicas preciosas,
que se tornam cada vez mais imprescindíveis nas operações de defesa
internacionais, bem como nas decisões táticas da guerra moderna. É
tal a dependência, que esses artefatos passaram a ser conhecidos como
os olhos e ouvidos da inteligência militar.
Se já é grande a capacidade de resolução dos satélites comerciais,
que observam o dia-a-dia das cidades, o rastreamento efetuado por
um satélite militar de uso exclusivo do Pentágono (o ministério da
Defesa norte-americano), pode atingir impressionante visualização,
fornecendo localizações geográficas para mísseis e bombas e dando
suporte a todas as ações militares. Sem os satélites, seria impossível
manter conectadas todas as forças bélicas. Aviões, submarinos, navios
e tanques só se comunicam porque os satélites funcionam como antenas,
captando e retransmitindo informações traduzidas por impulsos elétricos.
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Satélites
militares e civis circundam a órbita da Terra
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Esses verdadeiros espiões eletrônicos são lançados ao espaço por foguetes
e milhares estão em órbita no espaço, mas não há estatísticas oficiais.
Há veículos de várias nacionalidades, russos, israelenses, chineses,
franceses, até brasileiros. A maior parte, entretanto, é norte-americana.
Desde o lançamento do Corona, primeiro satélite de reconhecimento
usado pela CIA, em 1958, foi impressionante o desenvolvimento científico
e tecnológico da área.
A resolução das imagens obtidas por satélites militares sempre
foi um segredo guardado a sete chaves. Mas, desde 1994, quando os
serviços de imageamento por sensoriamento remoto deixaram de ser
um privilégio das instituições militares e agências de espionagem
internacionais, essas imagens foram ficando cada vez mais acessíveis
para quem tiver poder aquisitivo para comprar.
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Satélite
Ikonos, com exploração civil e militar
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Além dos satélites Landsat e Ikonos, cuja exploração é militar
e comercial, existem satélites especializados em observação puramente
militar, como o Lacrosse, o USA 144 e o Keyhole (buraco da fechadura,
em inglês, conhecido pela sigla KH) que são capazes de recolher
imagens em movimento quase em tempo real, pois são equipados com
câmaras que possuem capturadores eletroópticos e infravermelhos,
e têm uma capacidade de definição (menor detalhe identificável)
que chega a 10 centímetros.
Como os satélites foram utilizados no Afeganistão
A caçada a Osama Bin Laden e seus seguidores da Al Qaeda, no Afeganistão,
foi feita por uma constelação de satélites militares e comerciais.
Assim como o acompanhamento das tropas das forças de países que
apoiavam o Taleban, como o Iraque, o Irã e o Paquistão, foram monitoradas
pela inteligência militar dos EUA por meio de satélites de espionagem.
Apesar de seus próprios satélites serem capazes de obter imagens
muito precisas, o Departamento de Defesa norte-americano, adquiriu
direitos exclusivos de imagens feitas por satélites comerciais do
território do Afeganistão. O objetivo era obter uma visão completa
do território afegão e impedir que qualquer outro país ou veículo
de imprensa, tivesse acesso às imagens da zona de conflito.
Segundo a Agência Estado, foi firmado um contrato com a empresa
Space Imaging Inc., com sede em Denver, da ordem de milhões de dólares,
para o fornecimento de imagens feitas pelo satélite comercial Ikonos,
contratado com exclusividade. Um executivo da empresa afirmou que
os EUA pagaram não apenas pelos direitos exclusivos, mas pelo tempo
que o satélite esteve sobre a área de conflito, o que impede que
qualquer pessoa possa ter acesso a essas fotos. As melhores imagens
feitas pelo satélite Ikonos têm precisão de um metro, o que significa
que se pode distinguir objetos com essa dimensão máxima. O satélite
opera a 680km de altura e dá uma volta ao redor da Terra em 98 minutos.
Com tanta tecnologia, estariam contados os dias de Bin Laden?
Não, respondem unanimemente os especialistas, citando o ocorrido
na Guerra do Golfo quando Saddam Hussein sempre escapou dos olhos
eletrônicos. "Do espaço, tem-se uma visão vertical. Os satélites
vêem principalmente o topo da cabeça de alguém. Identificar
uma pessoa do alto não é possível", explica Steven Aftergood, da
Federação de Cientistas Americanos (FAS).
Tecnologia não está isenta de falhas
Hoje em dia as guerras são administradas a milhares de quilômetros
do front. São os satélites espiões que decidem qual área
deve ser atacada. O bombardeio só começa depois das regiões serem
fotografadas. O piloto de um avião bombardeiro tem autonomia próxima
a zero para identificar e lançar um alvo, ou seja, não é ele quem
toma as decisões.
Os ataques são realizados pelas chamadas bombas inteligentes, guiadas
por GPS (Global Positioning System) ou laser. Estas armas
recebem dados continuamente enquanto voam em direção ao alvo e têm
uma margem de erro de dois metros. Qualquer atraso na transmissão
de informações, interferência eletrônica ou simplesmente perda do
sinal, no entanto, pode significar um erro capaz de mandar as bombas
a quilômetros do destino original.
Esse foi o caso do caça americano que lançou bombas de 450 quilogramas
sobre três armazéns da Cruz Vermelha em Cabul. As cruzes de três
metros de comprimento por três de largura, pintadas em vermelho
nos telhados dos prédios, não foram suficientes para poupá-los do
chamado "fogo amigo".
Erros assim, que acabam por ferir e matar civis, não são novidade
e têm se tornado bem mais freqüentes do que seria desejável. Especialistas
em estratégia militar garantem que, por mais desenvolvida que seja
a tecnologia de guerra, os chamados "danos colaterais" ocorrem por
falhas no planejamento, limitações do equipamento, influência das
condições atmosféricas que podem causar interferência de nuvens,
fumaça ou chuva forte e por erro humano - como foi o caso da Cruz
Vermelha, segundo admitiu o Pentágono.
As mil e uma utilidades dos satélites militares e o Sivam
Segundo informações divulgadas pela Comissão do Parlamento Europeu
de Estrasburgo - criada para investigar a extensão da espionagem
industrial e comercial norte-americana sobre seus aliados da União
Européia - a chamada rede Echelon, disponível aos estrategistas
militares americanos, é um conjunto de satélites capazes de registrar
pequenos detalhes em terra.
O projeto Echelon, considerado a maior e mais sofisticada
de todas as operações de espionagem, é um sistema de vigilância
global que utiliza uma combinação de 120 satélites e sensíveis estações
de escuta, que captam e analisam conversas e comunicações eletrônicas
que cruzam o mundo - telefonemas, fax, telex, correio eletrônico
- além de sinais de rádio.
Ela inicialmente foi implantada para recolher o máximo de informações
sobre a União Soviética e seus aliados. Com a queda do bloco soviético
pensou-se que o Echelon seria paralisado ou desativado, mas o sistema
não só não foi desativado como, pelo contrário, cresceu e refinou-se.
Administrado pela supersecreta NSA (National Security Agency)
dos EUA e operado com a colaboração de agências similares da Inglaterra
(GCHQ - Government Communications Headquarters), Austrália,
Canadá, e Nova Zelândia, ele é capaz de processar, diariamente,
até 2 bilhões de dados, filtrando-os por meio de um sistema de inteligência
artificial.
O relatório dessa Comissão menciona ainda que, graças ao sofisticado
sistema de interceptação de informações, empresas dos Estados Unidos
ganharam supercontratos que disputavam com grupos franceses. Um
deles foi o do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que causou
tanta polêmica no Brasil e acabou favorecendo a empresa Raytheon
na concorrência com a Thomson francesa. A Raytheon, que ganhou o
contrato para instalar as bases do Sivam no valor de US$ 1,4 bilhão,
é quem faz a montagem e manutenção de todas as bases da NSA e do
Echelon no mundo.
A Raytheon Company é especialista no desenvolvimento dos chamados
"Sistemas Eletrônicos de Defesa", tendo sido a primeira empresa
a desenvolver os sistemas de mísseis teleguiados, com capacidade
para atingir alvos em movimento, em 1948. Foi ela também que desenvolveu
o sistema computacional do veículo espacial, que levou os astronautas,
Neil Armstrong e Edwin Aldrin, a dar o primeiro passeio na Lua em
sua histórica jornada.
Um dos seus principais produtos, resultante de nove anos de pesquisas
contratadas pelo governo americano, foram os mísseis de defesa Patriots
(PAC-1/2), que fizeram sucesso na Guerra do Golfo em 1991 ao interceptar
e destruir os mísseis "Scud" usados pelo Iraque. Uma das suas principais
colaboradoras é a empresa Space Imaging do satélite Ikonos.
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Imagem
da foz do Amazonas captada por satélite
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São os bens e serviços fornecidos pela Raytheon que vão controlar
e defender o território, o espaço aéreo e o meio ambiente da Amazônia
brasileira. Seus programas de defesa estarão uma vez mais em ação.
Outra de suas parceiras é a Atech - Fundação Aplicação de Tecnologias
Críticas, a instituição responsável pela integração geral do projeto
Sivam. A Atech, que faz o desenvolvimento do sistema, da modelagem
operacional e institucional, e a implementação da infra-estrutura
e da rede de telecomunicações do Sivam, é controlada nos EUA pela
Amazon Technologies Company. Ela foi contratada sem licitação
pelo governo brasileiro por razões de segurança, uma vez que é ela
que vai centralizar as informações colhidas pelos equipamentos.
Em virtude das nebulosidades deste complexo jogo de interesses
e preocupados com a proteção ao patrimônio estratégico nacional,
a Câmara dos Deputados em Brasília, instalou uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI), para apurar o tráfico de influência e a corrupção
ativa na implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia, tendo
em vista as acusações feitas contra o embaixador Júlio César Gomes
dos Santos, suspeito de tráfico de influência a favor da Raytheon.
As denúncias sobre o caso Sivam foram divulgadas pela revista IstoÉ,
em 1995, a partir da gravação de fitas feitas pela polícia federal
de conversas telefônicas entre o empresário José Afonso Assumpção,
dono da Líder Táxi Aéreo, representante dos interesses da empresa
norte-americana Raytheon no Brasil, e Santos, então coordenador
de apoio e de cerimonial da Presidência da República. As empresas
estavam envolvidas na implantação do projeto que foi concebido pelo
Ministério da Aeronáutica e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos,
com o propósito de vigiar, fiscalizar e controlar permanentemente
a Amazônia Legal (que compreende a Região Norte do Brasil, o estado
do Mato Grosso e parte do estado do Maranhão).
Depois de seguidos adiamentos foi aprovado no dia 04 de junho, com
o voto contrário em separado do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP),
o relatório final da CPI do Sivam, apresentado pelo deputado Confúcio
Moura (PMDB-RO). O documento afirma a insuficiência de provas contra
o embaixador e não esclarece as ligações entre as empresas envolvidas
no projeto. Nesse sentido, a comissão apenas aprovou um requerimento
para anexar ao parecer a análise dos autos de Chinaglia, que apresentou
novas denúncias segundo as quais o projeto foi produzido pela própria
empresa Raytheon e depois vendido ao governo brasileiro. "Há questões
que a CPI deixou de analisar, há indícios de que o projeto não leva
em conta os interesses nacionais", disse o parlamentar sobre as
informações avaliadas pela CPI.
O Sivam é uma rede de coleta e processamento de informações obtidas
por cada órgão governamental que trabalha na Amazônia. Terá uma
infra-estrutura comum de meios técnicos destinados à aquisição e
tratamento de dados para a visualização e difusão de imagens, mapas
e previsões. Esses meios abrangem o sensoriamento remoto, a monitoração
ambiental e meteorológica, a exploração de comunicações, a vigilância
por radares, recursos computacionais e meios de telecomunicações.
O sistema deverá entrar em operação dia 25 de julho de 2002, após
cinco anos de implementação. A inauguração será em Manaus, no Complexo
que engloba o Centro Regional de Vigilância de Manaus (CRV) e o
Centro de Vigilância Aérea (CVA).
Apesar do assunto ser tratado abundantemente no exterior, no Brasil,
quando o tema é vigilância por satélites e seus procedimentos operacionais
relativos à obtenção, análise e disseminação controlada de informações
relevantes sobre ameaças à segurança e/ou defesa do país, ele ainda
é tabu. Sinal disso é a declaração do Ministro de Estado do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República, Alberto
Mendes Cardoso, respondendo a indagações dos deputados da Comissão
Especial de Segurança Pública, em agosto do ano passado. O ministro
disse textualmente: "Sobre o Echelon, é assunto da área da
inteligência, que infelizmente não posso comentar publicamente com
V.Exas. Talvez em algum momento possamos discuti-lo".
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