Mundo
envelhecido, país envelhecido
O
aumento da proporção de idosos na população
é um fenômeno mundial tão profundo que muitos
chamam de "revolução demográfica".
No último meio século, a expectativa de vida aumentou
em cerca de 20 anos. Se considerarmos os últimos dois séculos,
ela quase dobrou. E, de acordo com algumas pesquisas, esse processo
pode estar longe do fim (veja box).
Segundo
dados da ONU, a expectativa de vida ao nascer aumentou de 46,5 anos,
em 1950-1955, para 65, em 1995-2000 (gráfico 1). O Brasil
acompanhou essa evolução, estando sempre um pouco
acima da média mundial: 50,9 anos em 1950-55 para 67,2 em
1995-2000 - mas um pouco abaixo da média da América
Latina (de 51,4 a 59,3 anos). A diferença entre os países
mais e menos desenvolvidos vem diminuindo: de uma distância
de 25,2 anos entre as expectativas de vida dos dois grupos em 1950-55
(41 contra 66,2 anos), a diferença caiu para 12 anos, menos
da metade (62,9 contra 74,9). Na verdade, essa queda é inevitável,
dada a tendência de envelhecimento global, pois as expectativas
de vida dos países muito velhos crescem menos naturalmente.
O recordista de expectativa de vida é o Japão, com
80,8 anos.
Gráfico
1 - Expectativa de Vida, em anos: |
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azul
= Mundo; marrom = América Latina; vermelho
= Países mais desenvolvidos; verde = Países
menos desenvolvidos; amarelo = Brasil. Fonte: ONU. |
O
papel da mortalidade infantil
Para se compreender a adequação das previsões
sobre os limites da expectativa de vida, é necessário
levar em conta que o crescimento mundial na expectativa de vida
tem duas componentes principais: uma devida ao aumento da qualidade
de vida da população idosa e outra devida à
diminuição da mortalidade infantil.
A primeira
componente deve-se a diversos fatores interligados, como o aumento
da renda média em vários países, melhoria nas
condições de educação, evolução
da qualidade sanitária, inovações na medicina
geriátrica etc.
A segunda,
a diminuição da mortalidade infantil, acontece porque
a expectativa de vida é calculada através de médias
sobre toda a população, de forma que uma alta mortalidade
infantil pode "puxar" o índice para baixo. Isso
pode causar enormes distorções - segundo dados da
edição de 2001 do Relatório de Desenvolvimento
Humano do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento
(PNUD), em Serra Leoa, na África Ocidental, um país
paupérrimo e assolado até recentemente por uma sangrenta
guerra civil, quase um terço das crianças não
sobrevive além dos 5 anos (no Brasil, essa taxa é
de 4%), o que arrasta seu índice de expectativa de vida ao
baixíssimo valor de 38,3 anos.
A principal
razão para o aumento na expectativa de vida foi, até
a década de 1950, a diminuição da mortalidade
infantil. Entretanto, a partir daquela época, o responsável
principal foram melhorias na condição de vida depois
dos 65 anos. Atualmente, segundo a ONU, a mortalidade infantil encontra-se
em 86 mortes antes dos 5 anos para cada mil habitantes, mas a distância
entre os países mais e menos desenvolvidos é dramática:
10 por mil para os primeiros e 95 por mil para os últimos
(gráfico 2). No Brasil, é de 49 por mil (na América
Latina, 45).
Gráfico
2 - Mortalidade Infantil no Brasil
(em
número de mortes até os cinco anos para cada mil
nascimentos.) |
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Fonte:
IBGE
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Previdência
sobrecarregada
O
resultado de tudo isso é um aumento sensível na quantidade
de idosos na população mundial. Em nível mundial,
a população com mais de 65 anos aumentou de 5,2% em
1950-55 para 6,9% em 2000, um aumento de 33% nesse índice
(gráficos 3 e 3a). É nos países mais desenvolvidos
onde o fenômeno é mais agudo: com 7,9% de idosos em
1950-55, hoje 14,3% da população tem mais de 65 anos,
um aumento de 81% - enquanto, nos menos desenvolvidos, o aumento
foi de 31% (de 3,9% em 1950-55 para 5,1% em 2000). O Brasil não
fica muito longe dos países desenvolvidos: aqui, a proporção
de idosos aumentou em 70% de 1950-55 para 2000 (de 3% para 5,1%).
Gráfico
3 - Proporção de idosos
(População
com mais de 60 anos, em % da população total)
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azul
= Mundo; marrom = América Latina; vermelho
= Países mais desenvolvidos; verde = Países
menos desenvolvidos; amarelo = Brasil. Fonte: ONU. |
Grafico
3a - Proporção de idosos, sem curva dos mais desenvolvidos
(População
com mais de 60 anos, em % da população total) |
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azul
= Mundo; marrom = América Latina; vermelho
= Países mais desenvolvidos; verde = Países
menos desenvolvidos; amarelo = Brasil. Fonte: ONU. |
Isso
pode gerar problemas futuros para o Brasil, porque o sistema previdenciário
tem que acompanhar o aumento do número de idosos, teoricamente
uma população em sua maior parte de aposentados. De
1995 a 2000, a população de pessoas com mais de 60
anos no Brasil aumentou em 17,5% (um aumento de quase 2 milhões),
enquanto que a população total cresceu, de 1996 a
2000, só 8,1%. Em 2020, projeções da ONU prevêem
que teremos um acréscimo de 14,2 milhões de pessoas
com mais de 60 anos em relação a 2000, perfazendo
13,1% da população total. Pesquisas
recentes avaliam que em algumas esse processo levará
a um desequilíbrio na relação entre contribuintes
e beneficiários da previdência.
Longe
do fim
O aumento da expectativa de vida tem levado à questão
se estamos próximos do limite máximo para a
idade dos seres humanos. Na verdade, todas as tentativas de
se estabelecer tais limites foram ultrapassadas rapidamente.
Em 1928, Louis Dublin avaliou em 64,75 anos a idade máxima
do ser humano. Mas ele não sabia que a Nova Zelândia
(desconsiderados os nativos maoris) já tinha ultrapassado
essa marca na sua própria época. Em 1990, S.
J. Olchansky, B. A. Carnes e C. Cassel, da Universidade de
Chicago, afirmaram que a expectativa de vida não deveria
ultrapassar os 35 anos para pessoas já com 50 anos
(ou seja, pessoas com 50 anos deveriam viver no máximo
até os 85, em média). Seis anos depois, essa
marca era superada pelas mulheres japonesas.
Isso
ajudou os pesquisadores Jim Oeppen, da Universidade de Cambridge
(Inglaterra), e James Vaupel, do Instituto Max Planck para
Pesquisa Demográfica, na Alemanha, a negar as tentativas
de se estabelecer limites para a idade máxima do ser
humano e a concluírem que ainda estamos longe do limite
do crescimento da expectativa de vida. Além disso,
eles apontam, em um artigo publicado na revista Science de
10 de maio, que a expectativa de vida vem crescendo mais ou
menos linearmente de 1840 para cá. Se estivéssemos
perto do limite, essa linha deveria já ter começado
a se curvar, mas não há sinais disso nos dados
dos dois cientistas.
Os
autores comentam que a crença em "limites iminentes"
para a expectativa de vida tende a distorcer as decisões
sobre seguros sociais em nível público e privado.
"As previsões da expectativa de vida são
usadas para determinar futuras pensões, seguros de
saúde e outras necessidades sociais", afirmam,
no artigo da Science. "Um aumento de uns poucos anos
na expectativa de vida pode produzir grandes mudanças
no número de idosos e muito idosos, aumentando substancialmente
suas necessidades." Segundo os autores, as previsões
oficiais acabam dando aos tomadores de decisões motivos
para postergar ajustes nos seguros sociais.
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(RB)
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