Neuropsicologia,
distúrbios de memória e
esquecimentos benignos
Maria
Alice de Mattos Pimenta Parente
Irene Taussik
Freqüentemente,
o envelhecimento está associado a dificuldades de memória
e à lentidão de raciocínio. Nesse sentido,
acredita-se que idosos ficam com dificuldades em lembrar e compreender
situações novas que lhes são apresentadas rapidamente,
mas em contrapartida, superam os jovens em raciocínios que
exigem maior "sabedoria".
A Neuropsicologia,
uma área do conhecimento que investiga as relações
entre cérebro e cognição e que, atualmente,
tem como uma área de pesquisa prioritária o envelhecimento,
de uma forma genérica, tem mostrado que essas afirmações
do senso comum apresentam alguma base científica, mas uma
análise mais minuciosa do declínio cognitivo durante
o envelhecimento mostra que tais constatações são
apenas parcialmente verdadeiras. Apesar do declínio de algumas
capacidades de memória (mas não todas) ser mais acentuado
do que o das capacidades lingüísticas (que envolve conhecimentos
aprendidos durante a vida do indivíduo) nesse artigo tentaremos
mostrar que (1) existem diferentes memórias e que apenas
algumas sofrem um decréscimo durante o envelhecimento; (2)
que outras funções cognitivas, como atenção
e planejamento podem afetar tanto a memória como a compreensão
de linguagem e que (3) outros fatores de ordem biológica
(alimentação adequada) ou psicológica (estado
de humor positivo) influem na manutenção das funções
cognitivas. Outras causas que provocam um declínio das funções
cognitivas e que podem ser tratadas durante o envelhecimento indicam
alguns caminhos para um envelhecimento cognitivo mais estável.
Em outras palavras, a Neuropsicologia tem demonstrado que a crença
de que o envelhecimento constitui um período de declínio
inevitável está sendo atualmente desafiada, considerando
o aumento de sujeitos que envelhecem não apenas de forma
ativa e independente como também de forma criativa.
Através
do estudo de dificuldades de memória resultantes de uma lesão
cerebral, ocasionada, por exemplo por um acidente de trânsito,
ou por uma invalidez de guerra, a Neuropsicologia Cognitiva confirmou
a existência de múltiplos sistemas de memória.
Assim, atualmente acredita-se que a memória não é
unidade. Ela pode ser classificada por diferentes aspectos, como
o aspecto temporal. Algumas lembranças fazem referência
a conhecimentos recentemente adquiridos. O mecanismo de memória
dessas lembranças chama-se Memória de Curto Prazo.
Outras lembranças, ao contrário, fazem referência
a conhecimentos adquiridos há muito tempo. Elas estão
armazenadas numa memória chamada de Longo Prazo. Com relação
à essa dicotomia, os idosos têm muito mais facilidade
em buscar informações da Memória de Longo Prazo
do que da de Curto Prazo.
Um
tipo de Memória de Curto Prazo, muito afetada pelo avanço
da idade, é aquela chamada Memória de Trabalho ou
também Memória Procedural. É uma memória
que torna uma pessoa capaz de fazer uma tarefa complexa que envolve
duas ou mais atividades que precisam ser realizadas ao mesmo tempo.
Por exemplo, ficar guardando um número de telefone enquanto
procura-se um lápis e um papel para anotá-lo. Esse
tipo de memória envolve muita atenção, e com
a idade, a atenção fica bastante prejudicada.
Um
outro tipo de memória também bastante afetado no envelhecimento
é uma memória que está dirigida para os fatos
do futuro, vulgarmente chamada de "memória de agenda".
Seu nome científico é Memória Prospectiva.
Alguns exemplos são: lembrar de tomar um medicamento a cada
4 horas; lembrar de ir ao médico em tal dia, etc. É
uma memória direcionada ao que se passa no dia-a-dia de cada
pessoa. Ela também exige muitos mecanismos atencionais, mas
também outros mecanismos cognitivos importantes: planejamento,
intenção e motivação. Para lembrar-se
de tarefas futuras é preciso: (1) fazer um bom planejamento
das atividades do período até a ação
que deve ser memorizada; (2) ter uma intenção forte
de lembrar de realizá-la para ser capaz de ativar a lembrança
no momento certo e, consequentemente, (3) ter um alto grau de motivação,
ou seja, querer realizar tal tarefa. Sem motivação,
um planejamento adequado não é realizado e a intenção
torna-se muito frágil para ativar uma lembrança que
se faz necessária.
Assim,
podemos observar que as falhas de memória podem ser decorrentes
de dificuldades outras do que o guardar a lembrança e depois
buscá-la. Como nos tipos de memória acima citados
existe um envolvimento de motivação, atenção
e intenção, é muito fácil entender que
pessoas que não possuem um humor positivo (ou seja, aquelas
que são depressivas ou ansiosas) apresentem dificuldades
de memória bastante graves, não conseguindo organizar
seu dia-a dia de forma adequada.
Existe
um alto índice de depressão e ansiedade no idoso,
muitas vezes em função de um certo isolamento causado
pela perda ou distanciamento de familiares ou colegas de trabalho,
pela mudança de um estilo de vida, não muito valorizado,
etc. Entretanto, esses distúrbios emocionais são freqüentemente
encontrados em adultos jovens devido a problemas afetivos ou a uma
grande exigência de seu meio social. Em conseqüência,
adultos mais jovens buscam os serviços de neuropsicologia
com queixas de memória, preocupados por apresentar um declínio
cognitivo de tipo demencial.
Até
aqui focalizamos tipos de memória que são muito afetadas
nos idosos. Entretanto, a memória denominada Memória
Semântica, aquela que guarda o significado de objetos e fatos,
parece bastante mantida. Quanto à memória de eventos
pessoais, ela fica preservada para os eventos relacionados a períodos
da infância, adolescência ou da vida adulta do idoso.
É conhecido o fato de que idosos lembram-se com detalhes
fatos antigos, e conseguem contar histórias bastante ricas
em detalhes e coerência. Não apresentam dificuldades
de compreensão de histórias se for pedido a fazer
um resumo e uma interperetação pessoal. Podem esquecer
de alguns detalhes, devido a falhas de memória de curto prazo
(de tipo memória de trabalho). Muitas terapias de adaptação
do indivíduo a uma idade mais avançada incluem o enriquecimento
e a valorização de auto-biografias, dando um significado
novo à vida do idoso.
Esquecimentos
benignos são aqueles que, com freqüência, ocorrem
em pessoas ativas que têm possibilidades de desempenhar adequadamente
suas tarefas diárias (Kral,1960). Tais esquecimentos podem
ser: não se lembrar de um nome, mas "ter a palavra na
ponta da língua; ir buscar alguma coisa e se esquecer do
que ia fazer, etc. Geralmente, eles são compensados espontaneamente
pelo indivíduo, mas podem causar alguns problemas graves.
Por exemplo, foi o relato de uma funcionária: "eu chegava
muitas vezes atrasada no meu trabalho, pois no meio do caminho lembrava-me
que tinha esquecido algum material importante para as reuniões
daquele dia. Resolvi buscar ajuda de um profissional da área
da saúde, depois de uma repreensão de meu chefe".
No
exame neuropsicológico, os pacientes com esse tipo de esquecimento
apresentam capacidades normais em quase todas funções
cognitivas, salvo as de memória. Algumas vezes, eles têm
dificuldades em provas de atenção, o que podem ser
a causa das falhas de memória. No idoso, o esquecimento benigno
caracteriza-se por uma inabilidade em recordar informações
menos importantes, detalhes de uma história ou nomes de personagens.
Entretanto, o conjunto das idéias essenciais de uma história
é bem compreendido. Em um momento, a pessoa esquece de alguma
informação, em outro, ela é recordada sem problemas.
O esquecimento
benigno afeta ambos os sexos. As causas mais freqüentes de
esquecimento benigno são estresse, alguns distúrbios
afetivos leves e idade avançada. O declínio cognitivo
tende a aumentar a partir dos 85 anos, quando existe um risco maior
de desenvolver uma demência. Por enquanto ainda é difícil
prever se esses esquecimentos vão piorar e tornar-se uma
doença degenerativa. Pesquisas que estudaram a evolução
de grandes grupos com queixas de esquecimento benigno observaram
que metade dos pacientes não piora. Parte desses pacientes
tem distúrbios afetivos, como depressão e ansiedade,
cuja terapia psicológica ou medicamentosa provoca também
uma melhora dos esquecimentos.
Infelizmente,
50% dos pacientes, diagnosticados como portadores de esquecimentos
benignos, evoluem para a doença de Alzheimer. Essa doença,
que se inicia com sintomas muito parecidos aos esquecimentos benignos
é irreversível e, progressivamente, as dificuldades
em todas áreas da cognição (como linguagem,
atenção e raciocínio) vão tornando-se
mais graves.
Atualmente,
ainda existe um enorme desconhecimento sobre o que significa um
envelhecimento cognitivo normal, respeitando suas limitações
características, e como distingüí-lo precocemente
de um envelhecimento patológico. Assim, ao lado de um enorme
investimento nas áreas médicas para buscar formas
de estagnar a evolução da doença de Alzheimer,
recentemente, uma grande parte das investigações da
Neuropsicologia Cognitiva tem se destinado a encontrar "marcadores
cognitivos". Esses são sinais ou sintomas que devem
diferenciar de forma precoce as manifestações da doença
de Alzheimer dos esquecimentos benignos, uma vez que existe uma
possibilidade terapêutica para os portadores de esquecimentos
benignos.
De
qualquer forma, enquanto os trabalhos de investigação
continuam, é importante ressaltar a relevância do diagnóstico
precoce das falhas de memória. Conforme as causas dos esquecimentos
benignos, a terapia pode ser medicamentosa ou de reabilitação
cognitiva. Nesse último caso, os pacientes são encorajados
a utilizar estratégias (apoios ou dicas) para suprir as dificuldades
de memória ou de atenção, podendo continuar
a exercer adequadamente suas atividades diárias.
Maria
Alice de Mattos Pimenta Parente é professora do Departamento
de Psicologia do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Irene Taussik é aluna da Faculdad de Psicologia da Universidad
de Buenos Aires
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