Bases
Biológicas do Envelhecimento
Maria
Edwiges Hoffmann
Crescer,
reproduzir e envelhecer: isto é a vida. O relógio
biológico que controla o envelhecimento fica no cérebro
e chama-se glândula pineal. |
As
fases da vida
Todo organismo multi-celular possui um tempo limitado de vida e
sofre mudanças fisiológicas com o passar do tempo.
A vida de um organismo multi-celular costuma ser dividida em três
fases: a fase de crescimento e desenvolvimento, a fase reprodutiva
e a senescência, ou envelhecimento. Durante a primeira fase,
ocorre o desenvolvimento e crescimento dos órgãos
especializados, o organismo cresce e adquire habilidades funcionais
que o tornam apto a se reproduzir. A fase seguinte é caracterizada
pela capacidade de reprodução do indivíduo,
que garante a sobrevivência, perpetuação e evolução
da própria espécie. A terceira fase, a senescência,
é caracterizada pelo declínio da capacidade funcional
do organismo.
O envelhecimento
é causado por alterações moleculares e celulares,
que resultam em perdas funcionais progressivas dos órgãos
e do organismo como um todo. Esse declínio se torna perceptível
ao final da fase reprodutiva, muito embora as perdas funcionais
do organismo comecem a ocorrer muito antes. O sistema respiratório
e o tecido muscular, por exemplo, começam a decair funcionalmente
já a partir dos 30 anos.
Na
verdade, logo depois de se atingir a maturidade reprodutiva as chances
de sobrevivência do indivíduo já começam
a diminuir. Essa tendência faz parte do processo de evolução
de todos os organismos multi-celulares. Assim, o desenvolvimento,
a reprodução e o envelhecimento são etapas
naturais da vida de cada espécie, que ocorrem de forma sequencial
e interdependente: o início da senescência é
dependente da fase reprodutiva que, por sua vez, é dependente
do desenvolvimento.
No
entanto, não há uma separação rígida
entre as três fases. O crescimento pode continuar mesmo depois
que a maturidade reprodutiva é atingida; em humanos, por
exemplo, a capacidade reprodutiva é atingida aos 12 anos,
mas o crescimento continua até 20 anos, aproximadamente.
Nas mulheres, o início da senescência é determinado
pelo final da fase reprodutiva, marcado pela menopausa, por volta
de 45 anos.
A velocidade
de declínio das funções fisiológicas
é exponencial, isto é, a ocorrência de perdas
funcionais é acelerada com o aumento da idade. Assim por
exemplo, num espaço de 10 anos, ocorrem maiores perdas funcionais
entre 60 e 70 anos do que entre 50 e 60 anos. Há, portanto,
um efeito cumulativo de alterações funcionais, com
degeneração progressiva dos mecanismos que regulam
as respostas celulares e orgânicas frente as agressões
externas, levando ao desequilíbrio do organismo como um todo.
Fatores
inerentes ao processo do envelhecimento determinam um limite na
duração de vida de todas as espécies animais.
A tendência
normal do organismo de manter a estabilidade interna, ajustando
processos metabólicos e fisiológicos em resposta as
agressões, é chamada homeostase. Quando a homeostase
é perdida, a adaptabilidade do indivíduo ao estresse
interno e externo decresce e a susceptibilidade à doenças
aumenta. A morte ocorre em algum momento da senescência, quando
o organismo não consegue mais restabelecer o equilíbrio
funcional. Fatores inerentes ao processo do envelhecimento determinam
um limite na duração da vida de todas as espécies
animais.
O tempo
máximo de vida é a idade mais elevada já atingida
em uma dada espécie. Em humanos, o tempo máximo de
vida já registrado até hoje é de 122 anos.
Tempo
Máximo de Vida das Espécies (em anos) |
Homem
(Homo sapiens) |
122 |
Cavalo
(Equus caballus) |
62 |
Gorila
(Gorilla gorilla) |
39 |
Cão
(Canis familiaris) |
34 |
Gato
(Felis catus) |
28 |
Camundongo
(Mus musculus) |
3,5 |
O conhecimento
molecular das alterações funcionais que ocorrem com
o avanço da idade é fundamental para que se possa
compreender o processo do envelhecimento e definir intervenções
estratégicas para aumentar a expectativa de vida e viver
a fase da senescência com qualidade. A ciência que estuda
o envelhecimento, sob seus múltiplos aspectos, é chamada
gerontologia (geron = velho).
A
expectativa de vida humana
Com o advento da descoberta dos antibióticos, e outros avanços
das ciências da saúde, os países desenvolvidos
conseguiram retardar o processo do envelhecimento e aumentar a expectativa
média de vida humana ao nascer, no século passado.
Ao
vencer as causas da morte prematura, a expectativa média
de vida da população americana passou de 47 anos ao
início do século para cerca de 77 anos ao seu final
(75 para os homens e 80 para as mulheres).
Entretanto,
mesmo com todas as melhorias das condições de vida
conquistadas, a expectativa média de vida ao nascer não
deverá passar de 90 anos no futuro. A questão que
se coloca hoje para a pesquisa biomédica não é
meramente conseguir adiar o envelhecimento e aumentar o tempo de
vida humana, mas sim, prolongar a duração da vida
com qualidade.
No
Brasil, estamos em meio a um processo evolutivo caracterizado por
uma progressiva queda da mortalidade em todas as faixas etárias,
e um conseqüente aumento da expectativa de vida da população.
Atualmente, a expectativa média de vida da população
ao nascer é de 69 anos para os homens e 72 para as mulheres.
A análise do crescimento populacional de diferentes faixas
etárias mostra que o grupo de idosos, com 60 anos ou mais,
é o que mais está crescendo no país. De 1980
a 2000, o contingente entre 0-14 anos teve um aumento de 14 % enquanto
o grupo de pessoas idosas cresceu 107 %.
Esses
dados configuram um enorme desafio para o país neste início
de século em relação aos idosos. É preciso
investir na promoção da saúde pública,
para se lograr prevenir a morte prematura e aumentar a expectativa
média de vida da população, para os patamares
dos países desenvolvidos. Torna-se também imperativo
investir na implementação de políticas públicas
para propiciar condições de vida saudável e
de qualidade para a população de idosos que cresce
progressivamente.
Teorias
sobre o envelhecimento
As mudanças funcionais que ocorrem com o avanço da
idade são atribuídas a vários fatores, como
defeitos genéticos, fatores ambientais, surgimento de doenças
e expressão de genes do envelhecimento, ou gerontogenes.
Embora
seja uma fase previsível da vida, o processo de envelhecimento
não é geneticamente programado, como se acreditava
antigamente. Não existem genes que determinam como e quando
envelhecer. Há sim, genes variantes cuja expressão
favorece a longevidade ou reduz a duração da vida.
Estudos
genéticos de pessoas centenárias tem contribuído
para a identificação de genes variantes, alelos de
genes normais, que podem estar associados com a longevidade. Por
outro lado, genes variantes que comprometem o processo de desenvolvimento
e de reprodução do indivíduo, tendem a ser
eliminados, como ocorre no caso da doença genética
humana do envelhecimento precoce, ou progeria.
Várias
teorias foram propostas para explicar o processo do envelhecimento.
A mais abrangente, e mais amplamente aceita cientificamente na atualidade,
é a teoria do envelhecimento pelos radicais livres.
Esta
teoria foi proposta em 1954 pelo médico Denham Harman, pesquisador
da Universidade de Nebraska nos EUA, mas só adquiriu aceitação
na comunidade científica depois dos anos 70, quando se descobriu
a toxicidade do oxigênio. Segundo a teoria de Harman, o envelhecimento
e as doenças degenerativas a ele associadas, resultam de
alterações moleculares e lesões celulares desencadeadas
por radicais
livres. Essa teoria é ancorada nas inúmeras evidências
científicas de que os radicais livres estão envolvidos
praticamente em todas as doenças típicas da idade,
como a arteriosclerose, as doenças coronárias, a catarata,
o câncer, a hipertensão, as doenças neurodegenerativas
e outras.
Um
estudo recente, que comprova o envolvimento dos radicais livres
no envelhecimento humano, foi feito com trabalhadores da Usina Atômica
de Chernobyl. Pesquisadores russos mostraram que cerca de 80 % das
pessoas que trabalham na usina apresentam idade biológica
superior aos habitantes de Kiev, que não foram expostos à
radiação proveniente do acidente acontecido em 1986.
O envelhecimento acelerado dos trabalhadores de Chernobyl é
uma evidência clara da participação dos radicais
livres, gerados pela radiação, no mecanismo de envelhecimento
humano.
Relógio
biológico e envelhecimento
As pesquisas recentes sobre as funções da glândula
pineal e de seu principal produto, o hormônio melatonina,
despertaram um grande interesse público nesta última
década, a partir da descoberta do papel da melatonina na
regulação do sono e do ritmo biológico em humanos.
A produção
de melatonina pela glândula pineal é cíclica,
obedecendo um ritmo diário de luz e escuridão, chamado
ritmo circadiano. Nos seres humanos, a produção de
melatonina se dá durante a noite, com quantidades máximas
entre 2 e 3 horas da manhã, e mínimas ao amanhecer
do dia. A glândula pineal fica localizada no centro do cérebro,
sendo conectada com os olhos através de nervos. Estes transmitem
o sinal dos olhos para a glândula pineal, determinando a hora
de iniciar e parar a síntese da melatonina.
A produção
noturna de melatonina levou à rápida descoberta do
seu papel como indutor do sono em humanos, e como restauradora dos
distúrbios decorrentes de mudanças de fuso-horário
(jet-lag), nos inícios dos anos 90.
Além
da regulação do sono, a melatonina controla o ritmo
de vários outros processos fisiológicos durante a
noite: a digestão torna-se mais lenta, a temperatura corporal
cai, o ritmo cardíaco e a pressão sanguínea
diminuiem e o sistema imunológico é estimulado. Costuma-se
dizer, por isso, que a melatonina é a molécula chave
que controla o relógio biológico dos animais e humanos.
A melatonina
é um antioxidante natural mais potente que as vitaminas C
e E.
A quantidade
de melatonina produzida pelo organismo decresce com o passar do
tempo, depois da puberdade, chegando a concentrações
sanguíneas irrisórias nos idosos. Essa constatação
levantou à suspeita de que a perda gradual de melatonina
poderia precipitar o processo do envelhecimento.
Em
1991 o pesquisador italiano Pierpaoli, em colaboração
com o russo Lesnikov, demonstrou de maneira inquestionável
o papel da glândula pineal no controle do envelhecimento.
Dois grupos de ratos sofreram transplante da glândula pineal
de maneira cruzada, isto é, ratos jovens receberam a glândula
de idosos, e os ratos velhos receberam transplante da glândula
pineal de jovens. Os resultados foram surpreendentes e tiveram um
grande impacto na comunidade científica: os ratos velhos
que haviam recebido a glândula pineal de animais jovens rejuvenesceram,
sobrevivendo quase 50 % a mais do que o esperado em condições
normais. Enquanto isso, os animais jovens que tinham sido transplantados
com a glândula pineal de idosos, viveram apenas 2/3 do tempo
normal de suas vidas.
A melatonina
desempenha, um papel muito importante no fortalecimento do sistema
imunológico em humanos. Muitos problemas e doenças
comuns aos idosos decorrem da perda da capacidade do sistema imunológico
de reagir às agressões, com o passar da idade. Pesquisadores
italianos, liderados por Georges Maestroni e Ario Conti, relataram
os efeitos da melatonina na estimulação do sistema
imunológico de animais e humanos, mostrando seus benefícios
na defesa corporal contra microorganismos invasores, bem como o
estresse emocional e físico, incluindo-se aquele causado
pelo câncer.
Outro
aspecto de grande importância sobre o potencial anti-envelhecimento
da melatonina foi a descoberta de suas propriedades antioxidantes,
relatada em 1993 por um dos maiores estudiosos da glândula
pineal, o pesquisador Russel Reiter, da Universidade do Texas, em
San Antonio, nos Estados Unidos. Reiter e seus colaboradores mostraram
que a melatonina é um antioxidante natural mais potente que
as vitaminas C e E.
Em
outras palavras, além de suas funcões como hormônio-mestre
que regula os ritmos biológicos, ela protege as células
contra os danos causados pelos radicais livres. Essa descoberta
levou ao desenvolvimento de novas pesquisas sobre o seu papel como
agente anti-envelhecimento natural, visando sua aplicação
na prevenção das doenças degenerativas da idade
e como coadjuvante na radioterapia e quimioterapia de câncer
em humanos. Com todas essas propriedades, a melatonina passou a
ser vista como uma das melhores defesas contra os distúrbios
inerentes ao envelhecimento, representando a maior revolução
médica de nossos tempos, segundo Reiter.
Estudos
sobre os efeitos da melatonina em humanos estão em franco
progresso, e mostram resultados promissores no tratamento de distúrbios
do sono, de cardiopatias, hipertensão, câncer e outros
males que afetam os idosos. Entretanto, há muito a se investigar
ainda sobre os riscos de sua utilização por humanos
a longo prazo.
A suplementação
de melatonina para pessoas que apresentam distúrbios de sono,
como os idosos, em particular para portadores da doença de
Alzheimer ou de depressão sazonal, ou para pessoas expostas
à mudanças rotineiras de fuso-horário, deve
ser feita com muito critério e somente sob supervisão
médica.
Maria
Edwiges Hoffman é bioquímica e divulgadora científica
Artigo publicado anteriormente na revista IdadeAtiva
Leia
mais:
Harman,
D. (1992). Free radical theorie of aging. Mutation Research
275: 257-266.
Harman, D. (2001). Aging: overview. Ann. N. Y. Acad. Sci.
928: 1-21.
Kanungo, M. S. (1980). Biochemistry of ageing. Academic Press
Inc., New York.
Polyukhov et al. (2000). The accelerated occurrence of age-related
changes of organism in Chernobyl workers: a radiation-induced progeroid
syndrome? Exp. Gerontol. 35: 105-115.
Reiter, R. & Robinson, J. (1996). Melatonina. Ed. Record,
Rio de Janeiro, RJ.
Rose, M. R. (1991). Evolutionary Biology of Aging. Oxford
University Press.
Silvestre, J. A (2002). Diagnóstico sobre o processo de envelhecimento
populacional e a situação do idoso. Brasil: Ministério
da Saúde, 1a Prova, abril de 2002.
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