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Tecnologia simples é fundamental para assentamentos

A tecnologia pode dar uma contribuição importante para o aumento da produtividade sustentável dos assentamentos rurais no Brasil. No país, exemplos de sucesso mostram que tecnologias simples podem viabilizar assentamentos produtivos. Essa nova visão de desenvolvimento rural contrapõe-se à visão tradicional de emprego da tecnologia no campo, herdada da "revolução verde", que se caracteriza pelo uso de maquinário altamente sofisticado, monoculturas que ocupam áreas gigantescas, elevado uso de insumos, forte impacto ambiental e exclusão dos pequenos produtores.

"Moderno hoje é a agroecologia, agricultura orgânica, a busca da sustentabilidade. Isso não significa que os assentamentos não devam ser modernizados. O que não é viável em assentamentos é aquele modelo altamente dependente de insumos e mecanização", afirma Maria das Graças Carneiro de Sena, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ao mesmo tempo, Sena alerta que não adotar tecnologia é altamente prejudicial "pois mantém os assentados em um estado de subsistência sem gerar desenvolvimento, sem permitir que integrem sua produção no mercado de forma competitiva".

A competitividade é um dos maiores desafios. Aos assentados, caracterizados pela falta de capital para investimentos em maquinários, insumos, irrigação, entre outros, restam as tecnologias baratas, acessíveis e que preservem os recursos naturais disponíveis - o único bem desses trabalhadores. Essas tecnologias diferentes das tecnologias agrícolas convencionais, apesar da produtividade menor - contrastando com as tecnologias convencionais que dominam o mercado - podem atingir um mercado emergente que valoriza os produtos da agricultura familiar, obtidos sem agressões ao ambiente.

Segundo Chigueru Fukuda, também pesquisador da Embrapa, a baixa produtividade dos pequenos produtores rurais no Brasil está relacionada a vários fatores, principalmente questões tecnológicas como o preparo inadequado do solo, tratos culturais ineficientes e uso de variedades pouco produtivas que não se adaptam bem em determinadas regiões. Ele salienta que o não uso de fertilizantes químicos ou orgânicos - um dos principais insumos da agroindústria - também são determinantes para a baixa produtividade. "Normalmente, os agricultores assentados usam esterco de animais para aumentar a fertilidade do solo. Também não utilizam agrotóxicos ou venenos, o que resulta em uma produção menos impactante ao meio ambiente. Porém, isso resulta em menor produtividade, tornando os pequenos produtores pouco competitivos no mercado. No sistema capitalista adotado pelo Brasil, o uso intensivo de fertilizantes químicos e de mecanização são necessários para responder às exigências de mercado".

Para driblar a baixa produtividade, Fukuda aconselha diversificar a produção para agregar valor à área cultivada. "Como são pequenas áreas, o produtor tem que plantar mandioca, milho, feijão... de forma consorciada. Isso não ocorre nos grandes empreendimentos industriais que realizam a monocultura". Além das culturas consorciadas, devem ser escolhidas culturas que usem mais mão de obra e que não sejam altamente mecanizadas. "Isso dá vantagem aos pequenos produtores. A produção de mel, por exemplo, é muito mais viável quando feita por pequenos produtores. A castanha do caju também é colhida por processo manual, e mão de obra é a principal ferramenta do assentado. A galinha caipira, que tem bom valor no mercado, também é outro exemplo". Ele salienta que culturas altamente mecanizadas - como a soja ou o trigo - são inviáveis para a agricultura em pequena escala. "Na soja, uma máquina de colheita faz uma área superior a 20 hectares por dia. Porém, não existem máquinas para a colheita da castanha do caju, de mel e de outras culturas. Além disso, a soja só é rentável quando se praticam grandes plantios"

Nos assentamentos, onde animais costumam substituir as máquinas para capinar, soluções simples e baratas são fundamentais. A Embrapa é um dos centros brasileiros que tem se destacado na busca de soluções para os pequenos agricultores. "Tecnologias como o desenvolvimento de novas variedades, espaçamentos entre as mudas e adubação verde têm sido estudadas pela Embrapa, que tem encontrado soluções eficientes. Mas ainda é preciso intensificar as pesquisas direcionadas para o desenvolvimento dos assentamentos", opina Fukuda. Na opinião de Sena o empenho dos pesquisadores é fundamental "O modelo de produção implementado no Brasil é herança da "revolução verde" , o que reflete na escolha das pesquisas desenvolvidas. Ao eleger como foco principal de suas pesquisas a agricultura familiar, a Embrapa mostra que essa visão de desenvolvimento rural está sendo revista e modificada".

Mandioca: a cultura dos assentados
A cultura da mandioca, estudada pela Embrapa, tem grande importância para os assentamentos rurais brasileiros. Fukuda explica que a mandioca é amplamente utilizada por ser facilmente adaptável às diferentes regiões, suportando bem o excesso de chuvas nas regiões sul e norte ou o período das secas no nordeste brasileiro, notadamante no ecossistema do semi-árido. Além disso, é uma cultura já tradicional do pequeno produtor rural brasileiro. "Pequenos agricultores não conseguem sobreviver sem a cultura da mandioca que fornece produtos alimentares como a farinha que é utilizada para o próprio consumo e também para a comercialização. É um exemplo de cultura em que não é possível aplicar alta mecanização, e quando se trata de pequena propriedade pode ser facilmente consorciada com outras que agregam valor".

Segundo ele, os pequenos produtores não utilizam produtos químicos e o volume da produção de mandioca costuma ser baixo. No Brasil, grande parte da produção dos pequenos produtores é transformada em farinha nas conhecidas "casas de farinha" - típicas da paisagem nordestina. Somente uma pequena parte é destinada ao comércio, grande parte é destinada ao consumo das familías.

Como exemplo de técnica simples desenvolvida pela Embrapa, Fukuda cita o controle biológico pelo uso de Baculovirus para o combate de lagartas que prejudicam o desenvolvimento das mandiocas, e que já rendeu ótimos resultados na prática. Outro exemplo é a determinação do espaçamento ideal entre as plantas, que já mostrou ser capaz de elevar os níveis de produção. "Certamente, o maior beneficio dos resultados de pesquisa está relacionado ao desenvolvimento de variedades mais produtivas e adaptadas às diferentes regiões, pois essa tecnologia não eleva os custos de produção e pode ser facilemente adotada pelos produtores. Além das pesquisas, a orientação técnica eficiente é muito importante para reduzir os problemas de pragas e doenças, entre outros relacionados à produção", conta o pesquisador.

A floresta que vale pela terra
As tecnologias usadas pelos pequenos produtores rurais - inclusive nos assentamentos - costumam ser menos agressivas ao meio ambiente. Mas não foi isso que Laury Cullen Junior, engenheiro florestal e pesquisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), observou no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, anos atrás: "O adensamento humano causado pela reforma agrária no Pontal estava impactando os últimos resquícios de Mata Atlântica existentes no interior do Brasil", lembra Cullen.

Para reverter esse quadro ele não precisou mudar os assentados de lugar, mas organizar as atividades locais utilizando sistemas agroflorestais. Seu trabalho recebeu em 2002 o prêmio Whitley Gold Award - o mais importante prêmio de conservação ambiental do mundo. "Esse trabalho mostra que a reforma agrária no Pontal é uma ótima ferramenta de conservação de paisagens fragmentadas. É uma comprovação de que é possível trabalhar com a agricultura familiar de forma produtiva, conservando a fauna e a flora".

O pesquisador explica que os sistemas agroflorestais combinam árvores e solo. As árvores são usadas juntamente com as roças, ajudando na conservação do solo "Têm algumas espécies arbóreas que, quando misturadas com a agricultura e com a pecuária, ajudam a fazer a conservação do solo - o principal patrimônio dos assentados. Os solos no Pontal já foram muito degradados e, para se fazer uma agricultura familiar, é necessário, antes, fazer a conservação do solo. Para isso, plantamos árvores (principalmente de rápido crescimento) com roça. Além de fixar o nitrogênio, as folhas das árvores são fonte de matéria orgânica". Ele conta que essa tecnologia, além de produtiva, permite aumentar as áreas de floresta e criar corredores florestais, que servem para unir duas unidades de conservação de Mata Atlântica distantes, permitindo que os animais transitem livremente por elas.

O mercado é importante, mas não é tudo.
As regras de mercado - que beneficiam os grandes investimentos rurais - fazem com que a possibilidade dos assentados conseguirem comercializar sua produção de forma competitiva pareça uma realidade impossível. Na opinião de especialistas, falta muito mais organização do que tecnologia para que isso aconteça. No entanto, deixando o mercado um pouco de lado, vale lembrar que a tecnologia empregada em assentamentos - quando bem empregada e administrada - tem sido uma importante ferramenta de desenvolvimento social.

No Pontal, Cullen estima que cerca de 5500 famílias assentadas podem ser diretamente beneficiadas com os sistemas agroflorestais. Ele conta que ainda os assentados não são competitivos no mercado e produzem para subsistência "Por enquanto o sistema agroflorestal tem ajudado famílias a produzirem para subsistência. Mas, mesmo assim, vemos essas famílias vivendo com muito mais dignidade, saúde e vida do que quando eram assalariados dos sistemas urbanos. Existem várias estratégias que serão adotadas para tornar os assentamentos mais produtivos" conta Cullen. "Os assentamentos serão competitivos no mercado quando existirem políticas públicas eficientes", acrescenta.

Segundo ele, o "Projeto Café com Floresta", também desenvolvido pelo IPE, é um exemplo de que as tecnologias disponíveis são suficientes para gerar produtos de alta qualidade capazes de competir no mercado. "O café produz até 40% a menos que o café convencional, mas tem quase 80% de valor a mais no mercado. O produto orgânico é mais caro. Produz menos, mas tem retorno a longo prazo muito maior. Gasta menos para produzir e, em muitos casos, utiliza até menos mão de obra. Além disso, os plantios de café convencional tem uma durabilidade muito menor que o orgânico".

A tecnologia adaptável

Na opinião de Sena, as tecnologias utilizadas pela agricultura familiar são basicamente as mesmas utilizadas em assentamentos. Mas existe um fator que diferencia um assentamento de um sistema de agricultura familiar tradicional. "Em um grupo de agricultura familiar tradicional você tem pessoas interagindo historicamente, famílias que se conhecem e tem uma cultura e uma identidade própria. Em um assentamento, o que vemos é que são pessoas diferentes, com diferentes origens e diferentes saberes. Nesse contexto, a tecnologia pode ser aplicada, mas vai certamente existir um grau de dificuldade maior, em função das grandes diferenças entre as pessoas, de seus saberes. As especificidades de cada assentamento devem ser consideradas". Segundo Cullen "A tecnologia utilizada nos assentamentos tem que ter a cara do assentado".

No caso da mandioca produzida nas regiões Norte e Nordeste que, diferentemente do café, não é considerada um produto diferenciado, as regras do mercado regional ajudam a venda da produção dos pequenos produtores "Não existe competição nessas regiões", conta Fukuda. "O mercado empresarial da mandioca está concentrado no Centro-Sul. No Norte e Nordeste não existem cultivos empresariais, os cultivos são feitos geralmente em áreas abaixo de 5 hectares. O mercado regional acaba criando condições favoráveis para os pequenos produtores. Porém, esses pequenos produtores certamente não conseguiriam competir na região Centro-Sul onde a cultura é feita de forma empresarial. No Norte e Nordeste o cultivo da mandioca tem uma importante função social".

"A produção dos assentamentos é pequena porque ainda é um segmento pequeno que está fazendo isso. Mas é um segmento que tem a competitividade do seu perfil, atuando em nichos de mercado. Espera-se que, com uma política adequada, se saia dos nichos. O produto dos assentados, produzido de forma mais sustentável, é mais caro porque a demanda ainda é pequena. É preciso elevar a produção e aumentar a demanda também", comenta Sena.

No contexto atual, a grande monocultura - uma invenção do colonialismo - está sendo criticada e repensada por muitos atores sociais, inclusive cientistas que, criando tecnologias mais sustentáveis, dão sua contribuição para as mudanças necessárias no campo. E os assentados, ainda vistos como uma parte marginal da sociedade, têm o importante papel de tornar essas tecnologias sustentáveis uma realidade através de seu trabalho.

(JS)

 
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Atualizado em 10/06/2003
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