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Mecânica
quântica e interpretação na mídia
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Uma velha escola de jornalismo, como os físicos do passado, confinados à mecânica clássica, enxerga o mundo com a materialidade aparente de um peso de chumbo. Para seus membros, a realidade está lá fora, independente, faiscando na forma de uma estrela, manifestando-se num corpo que cai, expressando-se de maneira inequívoca em construções como uma árvore, um tigre, uma fotografia. Jornalistas, evidentemente, não são os únicos a se apegarem a esta interpretação do mundo e nem mesmo todos os jornalistas pensam assim. A construção do lead (o que, quem, quando, onde, como e por que), no entanto, dá ao jornalismo, e a boa parte dos jornalistas, a sensação de uma descrição possível da máquina do mundo. Por isso, o que chamaríamos de um novo e um velho jornalismo podem ser tomados como uma metáfora para a Física Quântica e o fim do realismo materialista. Enquanto metáfora, a sumariedade interpretativa do velho jornalismo, com o pressuposto de um mundo exterior independente de um observador, não tem razões para confinar-se a essa atividade. E, de fato, estende-se a outras áreas. Ao menos é o que se pode deduzir de encontros, escritos e posturas. O salto conceitual que o físico alemão Max Planck deu em 1900, engendrando a base da mecânica quântica, reformulou de tal maneira a visão do mundo que, ao menos um historiador da ciência, não teria razões para supor que seu impacto já tivesse sido todo absorvido. Mário Schenberg, talvez o mais criativo de uma primeira geração de talentosos físicos brasileiros, disse que o desenvolvimento da mecânica quântica "foi uma coisa espantosa, revolucionou toda a física, penetrou em tudo e explicou propriedades estranhas como a supercondutividade, a superfluidez e os acontecimentos a baixas temperaturas". Há uma área, no entanto, adverte Schenberg, que a mecânica quântica não pode iluminar: a segunda lei da termodinâmica, a entropia. O aumento da entropia não pode ser deduzido pela mecânica estatística clássica, nem pela mecânica estatística quântica, diz Schenberg, para quem "há, aí, alguma coisa de fundamental que ainda não compreendemos". Isaac Asimov, que se tornou conhecido como escritor de ficção científica, embora, à sua maneira, tenha sido sempre um cientista, explorou essa incompreensão num de seus contos mais fascinantes, "Entropia", publicado numa coletânea que, no Brasil, teve o título de Nove Amanhãs. E aí também não há uma resposta, ao menos em termos convencionais. A impotência da mecânica quântica em desvendar a entropia é um exemplo intrigante dos mistérios do mundo e por isso é sugestivo um outro trecho de Schenberg para quem "no processo de conhecimento há muitas fases sucessivas. Há uma fase de simplificação, quando muitas coisas diferentes são reunidas numa mesma coisa; posteriormente há um desmembramento em muitas coisas e, depois, vem uma nova fase de simplificação, de síntese, e assim por diante. Parece que não se pode esperar um processo único, de a coisa ir se simplificando cada vez mais. Quando se pensa que se chegou ao fim da simplificação, aí estoura um mundo novo de que não se suspeitava antes". William Thomson, físico inglês mais conhecido pelo título de Lord Kelvin, cometeu a imprudência de, às vésperas do século passado, garantir que, na física, muito pouco restava para ser conhecido. O que veio a seguir, se não for considerada a psicanálise, onde há uma completa subversão do sujeito cartesiano, foram a mecânica quântica e a relatividade. Com alguma freqüência, falas e escritos sugerem que a unificação das forças básicas será o fim da física. Se depender de fatos como a previsão de Kelvin e as interpretações de Schenberg, o que virá é uma nova explosão do novo, enquanto insuspeito. Schenberg, crítico de arte, ao interpretar que o desenvolvimento da mecânica quântica penetrou em tudo" certamente compartilha da visão de ciência de Charles S. Pierce matemático, químico, físico, astrônomo, lógico, filósofo, historiador da ciência e fundador da semiótica, a ciência dos signos. Para Pierce, o corpo da ciência, longe de esquartejado, é interativo, o que pressupõe uma relação nova e promissora entre áreas aparentemente tão dissociadas quanto a história, psicologia, física e literatura. Certamente não seria exagerado incluir aí o jornalismo, particularmente sua vertente científica, enquanto possibilidade e, certamente, necessidade de uma reconstrução epistemológica. Enquanto território de trânsito entre as ciências do comportamento e a história, mas não só por isso, não há razão para se pensar que o jornalismo esteja imune à influência da física quântica, especialmente pela natureza interpretativa. Compreender essa influência e tirar partido dela seguramente traria uma perspectiva nova para um impasse atual: a perspectiva da originalidade do mundo, como produto de interpretações possíveis, e a massificação completa, a recusa, ou impossibilidade de se interpretar. Encerrada no universo subatômico, a perspectiva da mecânica quântica, ao menos enquanto subversão do absolutismo reducionista, é a de provocar estranhamento. Planck foi sua primeira vítima. Seus biógrafos o descrevem como um tipo tradicional e os historiadores da ciência asseguram que, só à custo, convenceu-se das próprias idéias, rejeitando especialmente suas implicações. Planck basicamente considerou que os elétrons absorvem ou emitem energia em determinadas energias específicas e descontinuamente separadas, a que chamou de quanta. Isso explica porque é possível bronzear-se ao Sol, mas não em frente a uma fogueira. Para um elétrom executar um grande salto quântico, com emissão de luz ultravioleta, é necessária uma fonte de energia mais poderosa que a queima de madeira. O salto quântico é, literalmente, um fantasma da Física Quântica. Ao contrário de uma bola, atirada por uma escada que, num dado momento está entre um degrau e outro, os físicos dizem que, no salto entre uma e outra órbita em torno do núcleo atômico, o elétron não se encontra em lugar nenhum. O matemático Charles Lutwidge Dodgson, que ficou conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carrol, expressou esses estranhamentos em Alice No País das Maravilhas, mas ainda é confundido como escritor de literatura infantil. Quanto ao salto quântico, o elétron simplesmente desaparece de um nível e aparece no outro. Além disso, não se pode saber quando um determinado elétron vai dar seu salto, nem para onde vai saltar, acima de um degrau mínimo de energia. Aí deixa de haver certeza e só pode-se falar em probabilidades. Físicos mais provocativos dizem que isto é o bastante para inviabilizar o teletransporte, recurso indispensável ao capitão Kirk. Mas esta já é um outro caso, ainda que, ficção e realidade, cada vez mais se confundam numa única história. Ulisses Capozoli, jornalista especializado em divulgação científica é historiador e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) |
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Atualizado em 10/05/2001 |
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