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Consciência
Quântica ou Consciência Crítica?
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Roberto J. M. Covolan O advento da Física Quântica causou e tem causado enormes transformações na vida de todos nós. Nem sempre e nem todos estamos conscientes dos modos pelos quais uma revolução científica iniciada há cem anos pode nos afetar ainda hoje, mas provavelmente já ouvimos falar de seu impacto na evolução da própria Física e de toda controvérsia gerada pelas dificuldades conceituais de interpretação dos fenômenos quânticos [1]. Seus efeitos, porém, se estenderam para além da Física, com desdobramentos importantes na Química, com a teoria de orbitais quânticos e suas implicações para as ligações químicas, e na Biologia, com a descoberta da estrutura do DNA e a inauguração da genética molecular, apenas para citar dois exemplos. Mesmo conscientes disso tudo, estaríamos preparados para mais essa: para a possibilidade de que a própria consciência [2] possa operar com base em princípios ou efeitos quânticos? Pois é o que andam conjecturando algumas das mentes mais brilhantes de nosso tempo... e alguns franco-atiradores também. A descoberta do mundo quântico, que tanto impacto teve nas ciências e tecnologias, ameaça agora envolver o "etéreo" universo da psique. É preciso dizer desde logo que, na verdade, essa história não é assim tão nova. Desde o início de sua formulação, a Física Quântica apresentou uma dificuldade essencial: a necessidade de se atribuir um papel fundamental para a figura do observador (aquele que está realizando um experimento quântico). Isso decorre do fato da teoria quântica ser de caráter não determinístico, ou seja, trata-se de uma teoria para a qual a fixação do estado inicial de um sistema quântico (um átomo, por exemplo) não é suficiente para determinar com certeza qual será o resultado de uma medida efetuada posteriormente sobre esse mesmo sistema. Pode-se, contudo, determinar a probabilidade de que tal ou qual resultado venha a ocorrer. Mas, quem define o que estará sendo medido e tomará ciência de qual resultado se obtém-se com uma determinada medida é o observador. Com isso, nas palavras de E. P. Wigner, "foi necessária a consciência para completar a mecânica quântica". A introdução de elementos subjetivos na Física Quântica, embora tenha sido defendida por físicos notáveis como von Neumann, além do próprio Wigner, é considerada altamente indesejável, tendo sido tentadas diferentes formulações para contornar esse problema que, aliás, é objeto de debate ainda hoje. Contudo, não é tanto esse problema de caráter epistemológico que se quer focalizar aqui, mas sim a possibilidade de que certos efeitos quânticos possam fazer parte do funcionamento do cérebro e estejam envolvidos na manifestação da consciência. Porém, antes de ir direto ao ponto, convém apontar alguns aspectos da dinâmica cerebral mais aceitos atualmente. De forma resumida, pode-se dizer que as descrições mais convencionais apontam a consciência como sendo uma propriedade emergente das atividades computacionais realizadas pelas redes de neurônios que constituem o cérebro. O cérebro é visto essencialmente como um "computador" para o qual as excitações neurais (correspondentes à atividade sináptica) seriam os estados de informação fundamentais (equivalentes aos bits). A partir dessa visão, certos padrões de atividades neurais teriam estados mentais correlatos, sendo que oscilações sincronizadas no tálamo e no córtex cerebral produziriam uma conexão temporária dessas informações e a consciência surgiria como uma propriedade nova e singular, emergente da complexidade computacional das redes neurais atuando em sincronia [3]. Em geral, os enfoques quânticos não excluem o funcionamento do cérebro através de redes neurais (seria negar o óbvio), mas consideram que complexidade somente não explica tudo e situam efeitos quânticos como centrais para a descrição da emergência ou geração do eu consciente. Aliás, alguns desses modelos negam que consciência seja uma propriedade emergente de redes neurais operando além de um certo nível crítico de complexidade, mas consideram que a dinâmica cerebral, na verdade, organiza e faz aflorar algo que já é uma propriedade intrínseca da natureza. Há vários desses modelos e os mecanismos dos quais lançam mão são os mais diversos (...e os mais "viajados"). Infelizmente o espaço aqui disponível não é suficiente senão para salientar alguns aspectos mais importantes. Para que o leitor possa ter pelo menos um "aperitivo" do que propõem esses modelos, vamos destacar aqui três deles. Modelo de Fröhlich-Marshall-Zohar - Herbert Fröhlich, físico especialista em superconditividade a altas temperaturas, propôs, há bastante tempo, que seria possível ocorrerem estados quânticos coletivos em sistemas biológicos. Existiriam efeitos vibracionais dentro das células correspondentes a radiação eletromagnética na faixa de microondas, resultantes de um fenômeno de coerência quântica biológica que teria origem em grandes quantidades de energia disponibilizadas por atividades metabólicas. Com isso, ele sugeriu a possibilidade de que estados de coerência quântica de grande alcance, semelhantes aos observados em supercondutividade e em lasers, chamados de condensados de Bose-Einstein, poderiam existir mesmo a temperaturas tão altas como as características de sistemas biológicos. I. Marshal (psiquiatra) e D. Zohar (física), tendo como preocupação básica o caráter unitário da consciência, encontraram na proposta de Fröhlich as propriedades necessárias de extensão espacial (não localidade) e capacidade para muitos estados se fundirem num todo único, não analisável, aspectos característicos dos fenômenos mentais. Marshal se valeu, então, do sistema de fonons bombeados de Fröhlich para propor que certas proteinas neurais poderiam formar condensados de Bose-Einstein, dando origem aos fenômenos conscientes. Modelo de Eccles e Beck - Sir John Eccles, ganhador do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1963 e autor, com Karl Popper, do livro The Self and Its Brain, propôs um modelo, posteriormente aperfeiçoado em parceria com Frederick Beck, físico teórico, pelo qual efeitos quânticos ocorreriam nos terminais sinápticos dos neurônios e seriam moduladores das funções cerebrais. O mecanismo central estaria relacionado à exocitose, processo pelo qual as moléculas neurotransmissoras contidas em minúsculas vesículas são expelidas através da passagem sináptica entre neurônios. Por esse modelo, a chegada de um impulso nervoso ao terminal de um axônio (prolongamento tubular através do qual os neurônios se comunicam) não induziria invariavelmente as vesículas a expelirem seus neurotransmissores através da sinapse, como se pensava. Isso seria controlado por uma espécie de "gatilho quântico", associado a transferências de elétrons através de um fenômeno denominado tunelamento, que promoveria alterações conformacionais nas membranas controladoras do mecanismo de deliberação de neurotransmissores. Com isso, efeitos quânticos seriam os controladores efetivos de toda a dinâmica cerebral, embora não fique claro como é que tal mecanismo implicaria na emergência da consciência. Modelo de Hameroff-Penrose - Dois dos principais propositores da Consciência Quântica são Stuart Hameroff, médico, e Roger Penrose, físico-matemático de Oxford que atua na área de Cosmologia e Gravitação e foi ganhador do prêmio Wolf juntamente com Stephen Hawking. Ao final da década de 80, Penrose lançou um livro muito instigante, A Mente Nova do Imperador, que causou sensação e foi o responsável por muito da discussão a respeito de consciência e efeitos quânticos que se seguiu. Nesse livro, ele elabora extensas discussões a respeito dos seguintes pontos:
Anos mais tarde, Penrose, em parceria com Hameroff, formulou um modelo um pouco mais específico, procurando localizar as estruturas cerebrais onde ocorreriam os tais efeitos quânticos. Nesse modelo, eles principiam por correlacionar certas características da psique com atributos de sistemas quânticos. Por exemplo:
A idéia deles é que a consciência poderia "emergir" como um estado quântico macroscópico a partir de um certo nível crítico de coerência de eventos acontecendo em certas estruturas subneurais, denominadas microtubulos, que compõem o esqueleto neuronal. Os ingredientes essenciais do modelo são os seguintes:
Consciência Quântica ou Consciência Crítica? - Pelo seu caráter altamente especulativo, modelos como os aqui delineados acabam provocando fortemente o senso crítico de físicos e neurocientistas. Recentemente, Max Tegmark, de Princeton, publicou um trabalho [4] em que ele mostra que os tempos de decoerência quântica em situações como as aqui aventadas são extremamente pequenos, entre 10^-13 a 10^-20 segundos, quando os tempos característicos para processos neurais são da ordem de 10^-3 a 10^-1 segundos. Hameroff e colaboradores contra-atacaram, afirmando que as estimativas de Tegmark não levaram em conta efeitos importantes que elevariam tais tempos de decoerência para valores neurofisiologicamente relevantes. Apesar de se tratarem de idéias bastante controversas, atualmente se procura estabelecer arranjos experimentais em condições de testar modelos como os aqui apresentados. Os leitores interessados poderão obter maiores informações no website http://www.consciousness.arizona.edu/. Aqueles, porém, que se encontram por demais perplexos com o que acabam de ler, talvez prefiram a sugestão abaixo:
"What´s mind? No matter. [1] Atenção: o que se discutem são as interpretações, os fatos quânticos estão fora de qualquer disputa. (volta) [2] Obviamente, palavra "consciência" é empregada aqui no sentido neuropsicológico, não no sentido moral. (volta) [3] Veja-se, por exemplo, o artigo "Consciousness and Complexity", de G. Tononi e G. M. Edelman, publicado na revista Science, vol.282, pp.1846-51 (1998). G. M. Edelman foi ganhador do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1972. (volta) [4] M. Tegmark: "The importance of quantum decoherence in brain processes", Phys. Rev. E 61, 4194 (2000). (volta) Roberto J. M. Covolan é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp |
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Atualizado em 10/05/2001 |
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