|
|||||||||||||||||
Caos
e a Mecânica Quântica
|
|||||||||||||||||
Alfredo Miguel Ozório de Almeida
Para se entender alguns dos problemas mais profundos da Física, às vezes o melhor caminho passa por analogias divertidas. Assim um dos sistemas mecânicos mais simples a apresentar caos é o do jogo de bilhar. O movimento de só uma bola em uma mesa retangular (sem caçapas) não é caótico. Como mostra a figura 1, o movimento geral da bola neste caso terá sempre a mesma direção depois de quatro colisões com a borda da mesa. Uma pequena alteração na posição inicial da bola levará a um desvio de sua trajetória que cresce lentamente. Duas trajetórias inicialmente paralelas permanecerão sempre paralelas.
A presença de uma segunda bola alterará fundamentalmente o movimento da primeira. Mesmo que simplifiquemos o jogo prendendo uma bola no meio da mesa (como sugeriu o matemático russo Y. Sinai), seu efeito será de desfocalizar as trajetórias da outra bola, como mostra a figura 2. Podemos considerar que o papel da segunda bola é meramente o de alterar a forma do bilhar (que passou a ter uma borda interior). Este é um exemplo particular de bilhares caóticos.
Quando falamos em focalizar, pensamos em raios de luz, antes de imaginar trajetórias. Em geral, estamos, na prática, interessados na trajetória única de uma dada partícula, enquanto que a luz que vemos é descrita como o efeito coletivo de muitos raios. A razão é que lidamos de fato com uma onda, da qual a ótica geométrica é apenas uma descrição aproximada. Hamilton mostrou no século passado que podemos usar a mesma estrutura matemática para descrever, tanto os raios da ótica geométrica, quanto as trajetórias da mecânica clássica. Essa analogia permitiu que de Broglie e Schrödinger criassem a mecânica quântica, ondulatória. O problema quântico correspondente ao jogo do bilhar clássico é o de saber quais ondas cabem nas formas das figuras 1, 2 ou 3. O melhor é pensar nas vibrações de um tambor, cujo contorno tenha a mesma forma da mesa de bilhar. O som que ouviremos em cada caso será decomposto em movimentos ondulatórios da membrana do tambor, cada qual vibrando com uma freqüência diferente. Será que podemos "ouvir a forma de um tambor''? Esta é uma das questões iniciais no estudo do caos quântico, formulada pelo matemático norte-americano Kac. Em outras palavras, sabemos que a cada forma corresponde uma única seqüência (ou espectro) de freqüências de vibração, uma vez dada a tensão da membrana do tambor. Será que o conhecimento dessas freqüências determina unicamente a forma do tambor?
Um dos resultados mais importantes da teoria do caos quântico se refere às propriedades do espectro de freqüência de um sistema classicamente caótico, como os bilhares das figuras 2 e 3. A conjectura de Bohigas é que neste caso é muito menos provável haver duas freqüências de vibração quase iguais, do que no caso de um sistema regular, tal como na figura 1. A explicação deste fato em termos das trajetórias clássicas foi fruto do trabalho, nos anos 80, de Berry e Hannay, na Inglaterra, e Ozorio de Almeida, atualmente no CBPF.
Além de explicar propriedades mais definidas do espectro de freqüência dos sistemas quânticos, os trabalhos em caos quântico procuram entender a estrutura de cada estado, ou seja, a estrutura do relevo da membrana do tambor fotografado em um dado instante quando este vibra com uma única freqüência. De novo, a forma da borda determina este relevo e a distinção principal está no movimento do bilhar correspondente ser, ou não, caótico. Nas figuras 4 e 5, vemos exemplos de vibrações, respectivamente regular e caótica.
Fora os jogadores de bilhar e os bateristas de escola de samba, quem mais poderia ter interesse no caos quântico? Entre muitas aplicações da teoria, destaca-se a tecnologia de nano-estruturas em semicondutores. Os "pontos quânticos" minúsculos que a nano-engenharia produz para aprisionar um pequeno número de elétrons, são o ponto de partida para futuras gerações de dispositivos eletrônicos. Suas formas podem ser alteradas exatamente como os tambores e bilhares que usamos como exemplo. Os transistores atuais, de enormes dimensões em comparação com os pontos quânticos, podem ser considerados como sistemas clássicos. Em contraposição, as propriedades dos futuros dispositivos terão de ser entendidos dentro da teoria do caos quântico.
|
|||||||||||||||||
|
|||||||||||||||||
|
|||||||||||||||||
Atualizado em 10/05/2001 |
|||||||||||||||||
http://www.comciencia.br |