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Nos
últimos anos, Marc Ferro tem dividido sua vida entre as aulas que
profere na Universidade de Paris, o programa semanal que produz e apresenta
na televisão francesa- chamado História Paralela
- e em conferências para estudantes de diversos países, o
que o leva a viagens contantes por todo o mundo.
Em
uma dessas viagens, Marc Ferro esteve no Brasil, em reuniões nas
capitais Salvador , São Luiz e Brasília. Foi durante a sua
passagem por Salvador (veja notícia)
que Ferro concedeu esta entrevista, após uma tarde em que passeou
pela cidade e uma apresentação para aproximadamente cem
pessoas no período da noite. Na entrevista, Ferro fala da relação
Cinema-História, da Revolução Russa - um de seus
primeiros objetos de pesquisa, a partir do qual percebeu a importância
das imagens para o estudo da História - e da crescente especialização
das ciências - uma de suas novas preocupações de pesquisa.
Com Ciência - Desde o início de suas pesquisas com o cinema o
papel das imagens aumentou. A importância das imagens na historiografia
aumentou proporcionalmente?
Ferro - A imagem há 30 anos se achava ignorada por todos e tinha um
pequeno papel. A imagem do cinema, e não as pinturas, que já eram estudadas.
Hoje as imagens estão em todos os lugares, mas não existe muita gente
que as estuda, eu penso, sobretudo a imagem do cinema e a imagem da televisão.
E muitos dos que as estudam são especialistas em comunicação mas não tem
uma visão histórica, tem uma visão muito mais comunicacional e técnica
do que histórica.
Com
Ciência - Durante muito tempo o cinema foi estudado tomando por
base a teoria dos autores, tomando-os como os responsáveis quase
totais pelos filmes. Recentemente, essa teoria foi contradita por certos
pesquisadores americanos que trouxeram à luz a influência do sistema
de estúdios...
Ferro - Esses são estudos sobre cinema feitos por gente de cinema.
o Cahiers du Cinema, onde surgiu a teoria dos autores, foi feito
por cineastas. E depois por críticos que se transformaram em cineastas.
É uma crítica de dentro. O Cahiers glorificava os autores
porque eles mesmos eram autores. Mas esses são estudos do interior do
mundo do cinema e não do exterior desse mundo.
Com
Ciência - O senhor fala em sua pesquisa em analisar nos filmes aquilo
que não se queria mostrar, informações que escaparam. Não é importante
também a análise daquilo que o cinema quer mostrar, já que é
um aparelho ideológico, produtor e reprodutor de discurssos?
Ferro - O que os autores querem mostrar é muito fácil de ver. Eles
dizem diretamente, nos comentários de jornais, etc. O que é interessante
é você captar aquilo que ele deixou escapar. Por exemplo, eu vou citar
um exemplo simples. Um filme armênio, que quer mostrar a resistência de
um camponês à coletivização stalinista. Estamos em uma pequena aldeia,
mas o que o cineasta quer mostrar é a abnegação de um camponês no interior
desse kopov. No entanto, filmando ele nos mostra o que é um canteiro
armênio. Eles são sempre redondos, com muitas pedras dentro. Isso
eles não queriam mostrar, não era o objetivo do filme. Mas é o único lugar
através do qual podemos observar o que é um verdadeiro canteiro
armênio. Isso é que é mais interessante.
Com
Ciência - O senhor disse ontem aqui que no momento está estudando
a ciência e os problemas da especialização. A partir do diagnonóstico
dos problemas causados pela crescente especialização o senhor
vê caminhos para superá-la?
Ferro
-
É preciso ter visões globais. Épreciso ter visões de globalidade
e depois especializar-se. Quando somos especialistas, é preciso voltar
às visões globais e quando temos visões globais percisamos voltar à especialidade.
É preciso mudar de especialidades o mais seguidamente possível.
Com
Ciência - Como um pesquisador da Revolução Russa, revolução
que depois desdobrou-se em um governo autoritário, como o senhorr vê as
aproximações que alguns pesquisadores fazem entre o stalinismo e o nazismo?
Ferro - Isso é um enorme problema. Vou dizer apenas duas ou três coisas.
Os crimes dos dois regimens são completamente excepcionais. No entanto
os objetivos dos regimes eram inversos. Mas essas duas observações são
banais, porque esses dois regimes se pretendiam adversários. Se quisermos
mostrar que eles foram iguais, isso é falso. Mesmo se existia um único
partido. Existem fatos mais importantes, por exemplo o regime soviético
destruiu as instituições sociais, ele colonizou os sindicatos, ele destruiu
as associações privadas e etc. Mas em compensação o regime nazista guardou
as instituições sociais, quer dizer, a sociedade alemã participou mais
ainda do crime que a sociedade soviética, porque ela permaneceu intacta,
o exército ficou intacto. Não foi o caso na União Soviética,
onde o exército foi transformado. A medicina ficou intacta na Alemanha
e não na Rússia e portanto a medicina participou do crime. A participação
da sociedade organizada alemã foi muito grande em relação ao crime, maior
do que na Rússia.
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