Entrevistas
Universidades podem ajudar a divulgar
ciência no Brasil
Ildeu de Castro Moreira
Sociólogo critica a
privatização da universidade
Boaventura de Sousa Santos
As federais precisam de mais professores
Paulo Speller
Entrevistas
anteriores
|
Sociólogo
critica a privatização da universidade
|
Em 2000, a Organização Mundial do Comércio
(OMC) iniciou um grupo de negociação que
têm em perspectiva a inclusão do setor de serviços
no mercado mundial. Esse grupo está desenvolvendo propostas para
a liberalização do comércio mundial nos setores de
energia, saúde e educação. Uma vez aprovadas essas
propostas, o setor de serviços dos países membros da OMC
- o que inclui o Brasil - poderia ser alvo de companhias estrangeiras.
Dada a força da OMC perante os governos nacionais - já
que os países que desrespeitam as
resoluções da OMC ficam sujeitos a
sanções - várias entidades internacionais
demonstraram sua oposição ao GATS (Acordo Geral de
Comércio em Serviços, sigla em inglês),
entre elas o Conselho de Educação dos Estados
Unidos e a Associação das Universidades Européias.
Conhecido por suas reflexões sobre a universidade e a
educação, o sociólogo português
Boaventura de Sousa Santos falou, durante o III Fórum
Social Mundial, sobre sua expectativa com relação
ao comércio internacional dos serviços. Ele também
falou sobre a Universidade dos Movimentos Populares, idéia que
foi apresentada em Porto Alegre.
ComCiência
- A próxima rodada de negociações da OMC, que
acontece em novembro, em Cancún, México, deve
consolidar as propostas para a privatização do
setor de serviços, o que inclui os setores de energia,
saúde e educação. Qual a sua expectativa
com relação especificamente à
privatização da educação?
Boaventura de Sousa Santos - Vejo da maneira mais negativa
possível. Essa é uma discussão que
estamos tendo no III Fórum Social Mundial e II
Fórum Mundial de Educação. Nessa
próxima rodada de liberalização dos
serviços o ensino superior é considerado pela
Organização Mundial do Comércio (OMC) uma
das grandes novas fontes de alimentação do
mercado de serviços. Portanto, a idéia da
internacionalização, da
globalização dos serviços universitários,
vai significar fundamentalmente a criação de empresas,
empresas que fornecem professores, que fornecem
currículos, que fornecem avaliação de
professores, que fornecem avaliação de
estudantes e empresas que fazem a certificação de cursos.
É a liberalização total, é a
destruição da universidade moderna, é
impor para o ensino superior tudo o que é
contrário à sua história, pois sua história
foi no sentido de garantir a possibilidade de se pensar na sociedade a
existência de interações não mercantis, isto
é, a idéia de cidadania, a idéia de democracia, a
idéia de conhecimento. Nesse momento, traz-se o mercantilismo
para dentro da universidade. Como é que professores que
estão envolvidos em uma universidade totalmente
mercantilizada - ou que podem ser forçados a participar
dela - podem depois defender durante as aulas os valores da
solidariedade, da cidadania, da democracia. Obviamente
não podem e, portanto, eu vejo esse processo da pior maneira
possível.
ComCiência
- Além da formação dos estudantes, que papel deve
ter a universidade? O que o senhor acha da idéia de que a
universidade deve formar profissionais para o mercado?
Santos - A universidade tem que se abrir, ela tem sido
tradicionalmente elitista e por isso é que se criaram
universidades paralelas, universidades populares. Eu mesmo
sugeri aqui a criação de uma universidade dos
movimentos populares. A universidade tem que se abrir mais à
sociedade, esta tem sido uma luta democrática. Simplesmente
nesse momento, os neoliberais conseguiram tomar essa bandeira
e transformaram a abertura da universidade à sociedade
civil na abertura da universidade ao mercado. A
extensão universitária foi uma coisa muito nobre
e muito importante no sentido de abrir a universidade às
comunidades populares, para trazer o direito, por exemplo. Os
estudantes de direito foram aos bairros populares e deram
assistência jurídica gratuita, e do mesmo modo,
os jovens médicos. Mas tudo isso hoje foi adulterado,
alterado e transformado em extensão econômica, no
apoio da formação vinculada aos mercados. Isso não
é possível. Até porque há gente que pensa
o mercado estrategicamente e vê essa atitude como uma
visão de pouco alcance, míope. As necessidades
do mercado são de tal maneira dinâmicas que
não se pode fazer uma formação para o
mercado no sentido preciso. Quando os estudantes estiverem formados,
o mercado já lá não estará mais lá,
não será mais o mesmo. Isso tem acontecido em muitas
áreas, então é preciso continuar a luta
por essa educação que sempre almejamos, mais
democrática, no sentido de distribuir o conhecimento
socialmente de uma maneira mais ampla para uma sociedade
também democrática mais ampla, já que a democracia
esteve sempre extremamente restringida. Essa é que deve ser a
extensão, não esta que está agora
aí.
ComCiência
- Como já disse, o senhor lançou, no Fórum, a
proposta da Universidade Popular dos Movimentos Sociais. Como
ela seria?
Santos - Eu acho que o principal problema do conhecimento
científico hoje é que ele se separou das
práticas sociais e portanto temos uma realidade social
que está subteorizada. E quanto mais se comercializa a
universidade como estamos assistindo, mais essa separação
fica nítida. Por outro lado, os movimentos sociais precisam de
formulação teórica. Precisam parar para ver qual
é o sentido das lutas, porque ser ativista cansa muitas vezes.
O que estamos fazendo? Para onde vamos? Todas essas reflexões
podem ser facilitadas por intelectuais. Mas hoje eles vivem em
dois mundos bem distantes. Às vezes se reúnem
como estamos aqui fazendo no Fórum, mas quando acaba,
cada um volta para o seu mundo. Os líderes, cientistas
sociais e ativistas trabalhariam em conjunto, vendo quais os
problemas e comparando as práticas.
ComCiência
- Já há alguma idéia mais clara e objetiva?
Santos - Neste modelo de universidade, seriam salas de 30 pessoas.
Os seminários teriam 15 dias para as questões internas e
os outros 15 para se compararem com outros movimentos. Estou recebendo
pedidos de informações sobre essa universidade.
Precisamos intensificar as propostas e as redes para que o
discurso vá para a agenda política. Agora que o
presidente Lula já disse que temos que aprofundar o
diálogo. E penso que a maioria das pessoas presentes no
Fórum estão dispostas a aprofundar esse diálogo.
Sanar o isolamento temático. O movimento feminista caminha sem
saber muito como está o movimento indígena. Enquanto os
movimentos não dialogarem mais vai ser difícil
avançar nas lutas.
ComCiência
- Onde esta universidade poderia ser implantada?
Santos - Depende das propostas que possam surgir. Eu pensei que
Porto Alegre poderia ser uma boa. Principalmente porque agora
vai ser aliviada de organizar o Fórum. Claro que eu
preferia que fosse num país do Sul. Mas se aparecer uma
proposta do Norte, tudo bem.
|