Entrevistas
Secretaria
da pesca enfatizará a aquicultura
José Fritsch
Turismo
sexual é mais intenso no litoral
Maria José Bacelar Guimarães
Revizee
ajuda a preservar recursos pesqueiros
Roberto Ávila Bernardes
Entrevistas
anteriores
|
Revizee ajuda a preservar recursos pesqueiros
O projeto
Revizee (Programa de Avaliação do Potencial Sustentável
de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva) tem como objetivo
coletar e identificar organismos marinhos ao longo de toda a costa mundial.
No Brasil, que em 1994 assinou a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), o projeto mobiliza quase todas
as instituições de ensino e pesquisa que desenvolvem atividades
ligadas aos recursos marinhos e os conhecimentos adquiridos nessas pesquisas
já têm sido aproveitados para o manejo dos recursos pesqueiros,
segundo Roberto Ávila Bernardes, pesquisador do Departamento de
Oceanografia Biológica, do Instituto Oceanográfico da USP.
Até o final de 2004, os países deverão entregar novos
resultados de pesquisas realizadas dentro do projeto.
ComCiência
- Quando o programa Revizee teve início?
Roberto Ávila Bernardes - O planejamento teve início
em 1994, e as atividades - os cruzeiros de prospeção, que
são viagens científicas com navios de pesquisa, em 1996
.
ComCiência
- Como os dados já obtidos nessas expedições têm
sido aproveitados para o manejo dos recursos marinhos brasileiros?
Bernardes - A primeira coisa é que com esse levantamento foi
possível conhecer uma fauna antes desconhecida, pois ela está
em uma região profunda e afastada da costa onde os barcos de pesca
não chegavam. Então, aumentamos nosso conhecimento sobre
esse sistema oceânico de águas profundas, de como ele funciona.
Houve um maior entendimento dos fenômenos naturais que ocorrem nessas
regiões. Com isso, houve um direcionamento da frota pesqueira industrial,
principalmente de Santa Catarina, que começou a ir para essas regiões
atrás de recursos potenciais. Lá, essa frota encontrou algumas
espécies que começaram a ser exploradas comercialmente e
que antes não eram exploradas. É o caso do peixe sapo, conhecido
em Portugal como tamboril. Ele foi descoberto como um recurso potencial
há dois anos atrás, e por isso houveram arrendamentos de
barcos estrangeiros para a pesca desse peixe que hoje já está
até em declínio por causa dessa super exploração
pois esse recurso começou a ser explorado com um esforço
de pesca muito intenso. É um peixe destinado ao mercado externo,
para Espanha e Portugal, com alto valor comercial. Tem também outro
recurso que já é explorado há um pouco mais de tempo,
que é o caranguejo de profundidade que chega a pesar até
3 quilos cada um. Ele écapturado na divisa com o Uruguai e Rio
Grande do Sul até Santa Catarina. Essa pesca começou com
um navio-fábrica japonês, em 1998, e com altos índices
de captura e rendimentos elevados. Esse caranguejo é exportado
para o Japão, onde tem um valor muito alto.
ComCiência
- Quais as contribuições do Revizee para um manejo mais
sustentável dos recursos pesqueiros brasileiros, já que
muitos deles têm sido super explorados? Como os pesquisadores transformam
essas informações em ações práticas?
Bernardes - Foi formado um grupo técnico de trabalhos, das
regiões Sul e Sudeste, para o gerenciamento dessas informações
e proposição de medidas para o setor pesqueiro. É
um grupo formado por profissionais da Universidade do Vale do Itajaí
(Univale), da Fundação Universidade Rio Grande (Furg), do
Instituto de Pesca de Santos e do Instituto Oceanográfico da USP
e Ibama. A Univale tem um convênio feito com o DPA que é
um departamento da Secretaria do Ministério da Agricultura para
desenvolver um trabalho de observadores de bordo, que são pesquisadores
colocados à bordo dos barcos de pesca nacionais e estrangeiros
para coletarem informações sobre as capturas. Eles chegam
a passar até 3 meses embarcados. Esse trabalho permite obter informações
importantes sobre a pesca. Além disso a Univale monitora em tempo
real, através de satélites, as embracações
arrendadas para saber e controlar a área onde estão pescando.
Essas informações são analisadas e esse comitê
sugere medidas de ordenamento baseadas nessas análises. Se um estoque
não comportar determinado esforço de pesca, é sugerido
que se dê, por exemplo, licença apenas para um ou dois barcos
de pesca pescarem em determinada região. Ou então, que seja
proibida a pesca em determinadas épocas. Essas previsões
de manejo de recurso são tomadas baseadas nos trabalhos desse comitê.
ComCiência
- Existem equipes diferentes atuando no Revizee, das regiões Norte,
Nordeste, central e Sul. Como é feita a integração
e troca de informações entre elas?
Bernardes - A integração vai ser iniciada este ano a
partir do segundo semestre. Isso porque as regiões estão
em fases diferentes de trabalho. A região Sudeste/Sul já
terminou o levantamento, faltam poucas coisas. No Norte faltam mais coisas,
pois lá existe um problema de falta de recursos humanos. O Nordeste
também já está bem avançado em suas pesquisas.
Na verdade, falta um pouco para cada região. Fizemos uma reunião
em Brasília exatamente para determinar como vai ser feita essa
integração de informações sobre o Revizee.
Foram escolhidas algumas pessoas para coordenar essas reuniões
de integração de informações que serão
realizadas agora no segundo semestre. A idéia é construir
mapas de abundância de cada recursos pesqueiro ao longo de toda
a costa brasileira, e compor um mapa temático para cada arte de
pesca, como a rede de arrasto de fundo, armadilhas, entre outros. Vamos
ter uma publicação final com muitas informações,
como por exemplo de quanto existe de cada estoque pesqueiro, como podem
ser capturados, qual a localização geográfica, entre
outras informações importantes.
ComCiência
- Quem financiou o Revizee? As verbas foram distribuídas igualmente
entre todos os estados participantes ?
Bernardes - Os recursos do Revizee vieram principalmente do Ministério
do Meio Ambiente, que é o coordenador do Revizee e foram distribuídos
igualmente entre todas as regiões e o CNPq concedeu muitas bolsas
de pesquisa. Sem o CNPq o Revizee não existiria, pois são
os bolsistas que compõem a mão de obra intelectual do Revizee.
O CNPq já deu mais de 20 milhões de reais em bolsas para
o Revizee no Brasil inteiro, através do programa de Desenvolvimento
Tecnológico para Formação de Recursos Humanos. A
Marinha forneceu equipamentos, disponibilizou o Navio Oceanográfico
Antares, que é um navio muito moderno, para fazer coletas na região
Nordeste. O Ministério de Minas e Energia, através da Petrobras,
fornece o combustível para todas as embarcações envolvidas
no projeto, o que representa uma parcela muito grande de custeio. Por
fim, o Ibama também tem disponibilizado recursos para o Revizee.
ComCiência
- Então, diferentemente de muitos outros projetos de pesquisa brasileiros,
a verba foi suficiente?
Bernardes - A verba não foi a ideal, mas permitiu desenvolver
todo o projeto. Estamos sempre precisando de mais, estamos sempre no limite,
mas conseguimos realizar as pesquisas com a verba disponível. O
governo atual bloqueou parte desse recurso, mas estamos tentando conseguir
essa verba novamente para poder continuar. As regiões Nordeste
e central puderam inclusive contar, há três anos atrás,
com o Navio Oceanográfico Francês Thalassa, de última
geração, que é o mais moderno do mundo.
ComCiência
- Os dados coletados já eram esperados? Foram encontrados muitos
recursos escassos?
Bernardes - Sim, essa foi a realidade. Imaginávamos que teríamos
muito mais recursos do que na verdade temos. O mar não tem muito
peixe não! Não é uma conclusão definitiva,
mas até onde pudemos ver o nosso mar não poderá suportar
grandes frotas pesqueiras. O Brasil tem que investir em maricultura, e
não em pesca. Não adianta construir muitos barcos, gastar
dinheiro, chegar no mar e não ter o retorno econômico desejado.
A pesca do peixe-sapo, há dois anos atrás, bem como do caranguejo,
já estão entrando em colapso. O estoque de caranguejo já
não comporta mais de dois barcos pescando. O conhecimento que resultou
do Revizee superou nossas expectativas, e hoje entendemos muito mais como
funciona essa região. Encontramos espécies como o peixe
lanterna, com mais de um milhão de toneladas. Esse peixe é
fundamental para sustentar todo o estoque dos grandes peixes, pois é
o principal alimento dos atuns, por exemplo. Esse peixe tem grande importância
ecológica.
ComCiência
- O Revizee tem algum tipo de preocupação em transmitir
os resultados obtidos para as comunidade do litoral brasileiro?
Bernardes - Sim, inclusive do Revizee participam representantes do
setor pesqueiro. Quando o Revizee chegar ao fim, os resultados serão
transmitidos a todo o setor pesqueiro, além da academia, pois é
uma atividade econômica que envolve muitas pessoas interessadas.
ComCiência
- O que acontecerá para o Brasil, caso não consiga provar
que é capaz de explorar adequadamente sua Zona Econômica
Exclusiva?
Bernardes - Perde a soberania sobre essa região, e outros países
poderão pescar nessa zona. Mas isso é muito difícil
de acontecer, pois envolve questões diplomáticas muito delicadas.
Muitos países já pedem licença para pescar em nossa
costa através de arrendamento, como o Japão e a Espanha.
ComCiência
- Como o arrendamento de navios estrangeiros beneficia o Brasil?
Bernardes - Eles geram empregos, colocam brasileiros a bordo, pagam
uma taxa de arrendamento para o governo e trazem novas tecnologias. No
arrendamento, uma empresa brasileira faz um contrato com um barco estrangeiro,
que é uma embarcação mais potente, para ele pescar
os recursos brasileiros para essa empresa brasileira, que revende a produção
para o exterior. Porém, é proibida a invasão de barcos
estrangeiros sem qualquer tipo de licença.
ComCiência
- Qual o prazo para os países apresentarem seus resultados finais
sobre o levantamento da biodiversidade de seu mar territorial?
Bernardes - Até 2004, se não me engano. Os países
que não o fizerem, provavelmente vão pedir uma prorrogação
do prazo, para tentar fazê-lo. Se ainda assim não conseguirem,
perdem a soberania, e o espaço estará aberto.
ComCiência
- O Revizee está fazendo algum tipo de avaliação
econômica dos estoques pesqueiros marinhos brasileiros?
Bernardes - Eu acho que vai chegar um momento em que isso será
feito mas, no momento, esse não é o objetivo do Revizee.
Inclusive, isso é importante de acontecer antes que estrangeiros
tirem patentes com os recursos marinhos brasileiros, como já tem
acontecido com muitas plantas nacionais.
|