Entrevistas
Secretaria
da pesca enfatizará a aquicultura
José Fritsch
Turismo sexual é mais intenso no litoral
Maria José Bacelar Guimarães
Revizee
ajuda a preservar recursos pesqueiros
Roberto Ávila Bernardes
Entrevistas
anteriores
|
Turismo sexual é
mais intenso no litoral
As comidas
típicas, as belas praias, o carnaval e os monumentos históricos
não são os únicos elementos utilizados na propaganda
turística sobre o Brasil. Para Maria José Bacelar Guimarães,
coordenadora administrativo-financeira do Centro Humanitário de
Apoio à Mulher (Chame), a imagem da mulher brasileira associada
à sensualidade também é muito freqüente nessas
propagandas, o que colabora para o crescente número de visitantes
que chegam ao país em busca do turismo sexual, especialmente no
litoral do nordeste. Segundo alguns textos do Chame, a Bahia passou a se
destacar na última década, como um dos pontos mais procurados
na rota do turismo sexual e, por conseguinte, como um dos principais pontos
do tráfico de mulheres para o exterior.
O Chame surgiu
a partir de uma demanda do FraueninformationsZentrum (FIZ), o Centro de
Informação para Mulheres da Ásia, África,
América Latina e Leste Europeu, baseada na constatação
do alto percentual de brasileiras envolvidas em casos de tráfico
internacional de mulheres e na necessidade de estabelecer políticas
de prevenção nos países de origem. O Chame foi implantado
em Salvador/Bahia em 1994. A partir de 1997, foi instituído como
projeto permanente de extensão do Neim (Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre a Mulher), da Universidade Federal da Bahia e,
em 2001, tornou-se uma associação civil sem fins lucrativos.
Maria José Bacelar Guimarães concedeu entrevista à
ComCiência falando do turismo sexual e do tráfico de
mulheres, e revelando a necessidade de conscientização e
sensibilização da sociedade para as questões que
envolvem essas práticas.
ComCiência
- O que se deve considerar como turismo sexual?
Maria José - O turismo sexual se caracteriza pelo deslocamento
de homens de países ricos para países pobres ou em desenvolvimento,
em busca de aventuras eróticas. Assim, é considerado turista
sexual o estrangeiro vem ao Brasil com o objetivo específico de
encontrar mulheres jovens ou adultas com as quais possa realizar fantasias
sexuais. Mas esses homens não procuram profissionais do sexo, e
sim garotas ou mulheres que os acompanhem durante sua permanência
no país, não apenas atendendo sua expectativa sexual, mas
servindo como guias, indicando desde pontos turísticos, até
os locais mais seguros para que eles circulem sem que sejam explorados.
Desse modo, o turismo sexual em geral vem acompanhado de outras condições,
o que dá ao turista uma temporada no Brasil mais barata (porque
não pagam guias turísticos, por exemplo), e livre de problemas
(porque se sentem mais seguros).
Quando estudamos
o turismo sexual estamos nos referindo a esses casos, que algumas vezes
são uma porta aberta para o tráfico de mulheres. A migração
feminina se configura como tráfico quando as mulheres são
envolvidas emocionalmente para concordarem com sua saída do país
e, ao chegarem no exterior, têm seus documentos apreendidos e são
impedidas de deixarem os locais em que se encontram, enfim, quando sua
liberdade de ir e vir é tolhida e a mulher permanece "presa" a
uma pessoa ou a um grupo de pessoas.
Alguns argumentam que o fato da mulher ter decidido livremente deixar
seu país não caracteriza o tráfico. Entretanto, ao
afirmarem isso, as pessoas não consideram um ponto importante:
as circunstâncias em que a mulher concordou. Ou seja, de um modo
geral ela desconhece, antes de sair do Brasil, as condições
de vida que terá no país de destino e só ao chegar
lá se defrontará com a dura realidade, que envolve discriminação,
violência e abuso sexual, trabalho ilegal, escravidão, dentre
outros. Há ainda um outro fator que também é decisivo
nessa decisão: acalentamos o "sonho" de que o casamento com um
estrangeiro, as perspectivas de um trabalho e a vida no exterior constituem
em excelentes oportunidades para melhorar suas condições
de vida. É evidente que esse sonho é alimentado pelo total
desconhecimento das reais condições em que se vive como
migrante em outro país, em especial em um país desenvolvido.
ComCiência
- Como vêm se desenvolvendo as pesquisas sobre relações
de gênero e turismo sexual?
Maria José - Esse não é um tema simples, ao contrário,
é bastante complexo, e envolve uma multiplicidade de fatores (culturais,
políticos, econômicos, psicossociais, étnicos etc.).
No Brasil, este é um tema muito pouco estudado. Entre os principais
pesquisadores brasileiros estão Adriana Piscitelli, pesquisadora
da Unicamp, que desenvolveu uma pesquisa sobre Fortaleza, e Antônio
Jonas Dias Filho, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb),
que estudou o turismo sexual em Salvador.
Também
o Chame tem produzido textos voltados para o trabalho de sensibilização
e para a divulgação da temática em eventos nacionais
e internacionais. Em julho de 2001 o Chame publicou o trabalho intitulado
"Empresário procura mulher jovem, morena, bonita, liberal...
- Explorando os anúncios de estrangeiros" resultado de uma pesquisa
desenvolvida por mim, articulando, na análise dos anúncios
veiculados por estrangeiros em jornal local, a teoria de gênero
e o turismo sexual e a migração feminina internacional,
temas envolvidos nesse material. De qualquer modo, não se deve
esperar que uma pesquisa possa fornecer números e percentuais exatos
acerca do turismo sexual, afinal não existem pessoas que se identifiquem
como turistas sexuais, pois essa é uma prática que ocorre
à revelia da lei, na clandestinidade.
ComCiência
- É possível dizer que o turismo sexual é mais
freqüente no litoral?
Maria José - O turismo sexual no Brasil é realmente
muito mais freqüente nas cidades litorâneas. Em parte isso
se deve exatamente a uma espécie de pacote turístico que
as agências de turismo divulgam e que coloca o conjunto praia,
sol e mulheres brasileiras. O corpo seminu da mulher é
freqüentemente veiculado nessas propagandas, até
mesmo quando estão divulgando o turismo
ecológico.
Esse conjunto é a imagem do Brasil que é passada no
exterior. Fica claro para o turista que aqui ele vai encontrar
sol, mar, comidas exóticas e muitas mulheres à
sua disposição. Pensando nas
conseqüências dessas propagandas é importante
que seu conteúdo seja alterado, porque até mesmo
propagandas oficiais trazem esses elementos como um atrativo.
É importante frisar que é possível fazer
uma propaganda turística exaltando os monumentos
históricos, a comida representativa da nossa cultura e
a beleza natural das praias, sem utilizar o corpo da mulher, a
exemplo do que vemos em propagandas turísticas da maior parte
dos países europeus.
ComCiência
- De que forma essa imagem da mulher se formou?
Maria José - Acredito que isso tenha raízes
históricas na nossa cultura. Os livros de Jorge Amado,
por exemplo, que foram traduzidos em inúmeras
línguas, trazem a figura feminina como sendo a mulher
"de cama, mesa e banho", à serviço do homem.
Essa é a imagem da mulher brasileira que é vendida
no exterior. Os estudos de Gilberto Freyre mostram como a mulher,
principalmente negra, tinha uma condição
diferente. A mulher negra é aquela que estava à
disposição do dono da casa e também dos
visitantes, transformada em objeto de satisfação
dos seus desejos. A mulher branca era a dona da casa, aquela que
deveria procriar, era preservada, não ficava exposta
às vistas dos visitantes. Tanto que as casas tinham um
espaço reservado para as mulheres e não era
permitido ao visitante ter acesso a ele. Existe nesses
exemplos uma visão sobre a mulher branca e sobre a
mulher negra. Essa imagem da mulher negra, fortemente associada a uma
função sexual, continua presente hoje e apresenta como
alvo central os corpos das mulheres, representados como
objetos de desejo, transformados em símbolo nacional.
Na realidade do turismo sexual, apesar da preferência
evidente pela mulher negra, trata-se da mulher brasileira,
seja ela branca ou negra. É uma situação
que pode envolver todas as mulheres. Por outro lado, também
não considero que o turismo sexual envolva
exclusivamente mulheres oriundas de famílias de baixa
renda, porque existem muitas mulheres e garotas que sonham
namorar estrangeiros, esperando encontrar o "príncipe
encantado", aquele que transformará a sua vida, tornando-a
"feliz para sempre", em um país "civilizado".
ComCiência
- Por onde passa a solução dessa questão?
Maria José - Essa questão demanda antes de tudo uma
mudança de mentalidade, demanda a sensibilização
das pessoas para que percebam o que está por trás desses
homens que aqui chegam de férias, cheios de gentilezas e dólares,
e agora euros, para gastar.
O Chame foi criado a partir da experiência de sua fundadora, a brasileira
Jaqueline Leite, no atendimento a migrantes da América Latina no
FIZ . Esse centro é uma associação independente,
sediada em Zurique/Suíça, que tem por objetivo principal
o combate à exploração de mulheres estrangeiras na
Suíça, e é mantido por diversas organizações
de mulheres, instituições de políticas desenvolvimentistas,
centros religiosos e fundos públicos do governo suíço.
Anualmente, eles enviam uma estatística do atendimento, mantendo-nos
informados sobre o atendimento pessoal, atendimento telefônico,
atendimento a mulheres e crianças e os temas dos atendimentos.
Essas informações são importantes para avaliarmos
não só a demanda como também os principais problemas
vividos pelas mulheres migrantes. No ano de 2000, por exemplo, último
relatório recebido, o FIZ atendeu a 1797 mulheres, destas, 313
com crianças na Suíça e 279 com crianças em
outros países. Entre os temas do atendimento a violência
(psíquica, física e sexual) foi relatada por 205 mulheres,
separação e divórcio por 135, direitos de estrangeiros,
114, dentre outros.
A criação
do Chame visou alertar e prevenir a sociedade para os riscos da exploração
da mulher jovem e adulta nas diferentes formas de migração
e recrutamento para o trabalho forçado (sexual, doméstico
e demais modalidades de escravidão, usualmente relacionadas à
violência física e/ou psicológica), respeitando a
sua liberdade de escolha.
ComCiência
- Em quanto a participação de crianças e adolescentes
na prática do turismo sexual?
Maria José - Quanto ao tema prostituição infantil,
ele não faz parte da abordagem do Chame. No que se refere ao envolvimento
de meninas com o turismo sexual, é um crime caracterizado na legislação
brasileira como pedofilia e os envolvidos nessa prática são
devidamente enquadrados na lei. Para tanto, é indispensável
a denúncia, para que a polícia instaure o inquérito
que apurará os fatos e dê prosseguimento à ação
condenatória dos responsáveis. Esta, inclusive, tem sido
uma preocupação constante dos órgãos governamentais,
no sentido de abolir definitivamente esse tipo de ação,
seja ela praticada por estrangeiros ou brasileiros.
No que se
refere ao tráfico de mulheres, uma situação que dificulta
muito a ação da justiça é a raridade das queixas.
Essa situação ficou visível pelo Centro de Referência
de Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes
(Cecria), que identificou raras ocorrências de denúncia do
tráfico. Esse fato não só dificulta a investigação
como também, e principalmente, inviabiliza o conhecimento dessa
realidade. Entretanto, é de certo modo compreensível essa
dificuldade, uma vez que o tráfico de mulheres é ligado
a uma rede de poder muito forte e as mulheres são coagidas e intimidadas,
sob o risco de vida não só delas como de seus familiares,
para se manterem em silêncio. A percepção dessa dificuldade,
a partir, inclusive dos resultados da pesquisa do Cecria, tem mobilizado
os órgãos governamentais no sentido de propiciar a proteção
das testemunhas. Apesar disso, a garantia de direitos no que se refere
a essas questões ainda é muito precária em nosso
país, e torna necessária uma luta constante da sociedade
civil organizada para conseguir avanços.
|