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Secretaria
da pesca enfatizará a aquicultura
José Fritsch
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Secretaria
da Pesca enfatizará a aquicultura
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foto:
Lindomar Cruz/ABr |
A
Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, criada no início
deste ano, tem o status de ministério e foi uma iniciativa do
governo petista para ampliar a exploração do potencial
brasileiro de pesca, tanto em águas marinhas como em águas
doces. Apesar de contar com uma costa de 8.500 km, o Brasil não
tem uma produção invejável e o brasileiro consome
menos de 7 quilos por ano de pescados, enquanto países como o
Japão e os Estados Unidos consomem acima de 20 quilos. A atividade
envolve questões polêmicas como o risco de colapso dos
recursos pesqueiros, caso a pesca não seja controlada. O ministro
José Fritsch fala um pouco dessas e de outras questões
que envolvem ainda comércio exterior e legislação.
ComCiência
- Qual foi o objetivo da criação da Secretaria Especial
de Aqüicultura e Pesca? Aumentar a produção/exploração
dos recursos marinhos no Brasil?
José Fritsch - Na verdade o objetivo da secretaria é
mais amplo. O Brasil tem 8.500 Km de costa marítima e 200 milhas
de zona econômica exclusiva e temos uma estrutura organizada de
pesca em várias regiões, com colônias de pescadores,
pescadores artesanais, um setor industrial de pesca, sem ter uma política
nacional voltada a essa atividade. Por isso temos dificuldade, por exemplo,
de fazer pescarias em águas mais profundas, porque o Brasil não
teve, nos últimos anos, nenhum programa de modernização
dos barcos de captura. Uma outra questão que levou o presidente
Lula a criar a secretaria, é que nessa costa de 8.500 km, há
um potencial de aqüicultura a ser explorado: criação
de camarão, ostras, mexilhões, ou seja, dos frutos ligados
ao mar na área costeira. Tem também o potencial dos rios,
das águas interiores, da pesca continental. Tomando os grandes
rios como exemplo, o Amazonas e o São Francisco, eles têm
um grande potencial de pesca, mesmo que seja na forma extrativa ainda.
Um outro setor importante, ainda muito pouco explorado no país
é a piscicultura (produção de peixe em água
doce e salgada), que recebeu um incentivo na fase da Sudepe [Superintendência
para o Desenvolvimento da Pesca], há uns 15 atrás, mas que
depois que as estruturas da Sudepe passaram para o Ibama [Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] passou a funcionar
precariamente. Para pensar toda essa política é que foi
criada a secretaria, com uma visão de produção, inclusive
para participação no mercado internacional, especialmente
com o camarão de cultivo, atuns, que são peixes mais nobres,
lagosta e até da tilápia, um peixe em água doce que
já conta com boa produção no Brasil.
ComCiência
- Mas o incentivo é ao aumento da pesca de cultivo, e menos dos
recursos já existentes. Isso porque já existe um risco de
colapso dos recursos?
Fritsch - Hoje há uma nova visão, inclusive da FAO [Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos], de desenvolvimento
da produção pesqueira. Os projetos estão mais dirigidos
para a atividade de aqüicultura, de produção, seja
marinha, seja de água doce. Isso porque há uma análise
mundial de esgotamento de estoques de pescado nas zonas marítimas,
principalmente nas zonas costeiras. No Brasil há várias
atividades de pesca que na zona costeira já necessitam dos defesos
(respeitar o período de desova), e até mesmo o estabelecimento
de cotas de pescaria, para que amanhã ou depois possamos continuar
tendo variedades de peixes para a pesca artesanal e industrial também.
Mas há uma super exploração nos últimos anos
que causou a redução de várias espécies de
peixes. O exemplo mais claro para nós é o que aconteceu
com a sardinha, e é o que está acontecendo com a lagosta
no Nordeste. Isso precisa ser normatizado. Precisamos rever o processo
de arrendamento de barcos estrangeiros, e tudo isso é um grande
desafio a ser enfrentado, porque a secretaria ainda precisa ser estruturada
para essa finalidade.
ComCiência
- Existia uma expectativa dos pesquisadores do setor de que a Secretaria
reuniria as competências tanto do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, como do Ibama. É assim que vai
funcionar?
Fritsch - Entre os 11 pontos do documento assinado pelo presidente
Lula na campanha, um deles - o terceiro - dizia que o Ibama seria mantido
como um órgão fiscalizador, dotado de recursos materiais
e humanos compatíveis com o bom desempenho dessa atividade de fiscalização.
Por essa definição, as atribuições do Ibama
de fomento ao desenvolvimento da atividade de pesca passariam para a Secretaria
e o Ibama ficaria só com a parte de fiscalização.
Inclusive a nossa proposta é que 50% dos recursos arrecadados com
licenças e taxas de pesca sejam repassados para que o órgão
possa cumprir essa função. Por exemplo, licença de
pesca amadora, é com o Ibama. Já a licença para indústria
de pesca ficará a cargo da Secretaria. A fiscalização
de todos os projetos de pesca, de indústria ou de qualquer outra
atividade de cultivo continua precisando da aprovação do
Ibama antes de serem liberados. Além da Secretaria de Pesca e outros
órgãos relacionados com a atividade.
ComCiência
- Como o senhor pretende integrar a cadeia produtiva, ligando pesquisa,
industrialização e comercialização do pescado?
Fritsch - Pretendemos trabalhar integradamente com os institutos de
pesca federais, estaduais, centros de pesquisa das universidades, órgãos
públicos, ou órgãos de economia mista ligados à
assistência rural. O objetivo é integrar pesquisa, produção,
industrialização e mercado nacional e externo. Quando produtores
vão em busca de financiamento para uma indústria de pescado,
deverão ser incentivados a formarem cooperativas, através
das quais poderão ampliar a atividade, montando um frigorífico
de pescado, que poderá ser financiado pelo BNDES, ou pelo Banco
do Brasil, com recursos do Pronaf ou outras fontes de captação.
Juntamente com o frigorífico, podem ainda implantar um sistema
de armazenamento e de congelamento desses produtos e cuidar, eles mesmos
da comercialização. A exemplo do que vem ocorrendo em várias
regiões do Brasil em outras áreas de produção.
ComCiência
- O senhor acredita que essas cooperativas sejam capazes de manter as
comunidades caiçaras?
Fritsch - Hoje, um dos problemas da atividade da pesca é que
os produtores não têm nenhuma ingerência sobre o sistema
de industrialização. Isso aconteceu com o frango, o suíno,
as frutas. Quanto maior for a participação do produtor na
industrialização há uma restituição
de renda maior, pois diminui o número de intermediários
do processo. E o modelo cooperativo, pelo menos o brasileiro, tem conseguido
ampliar os ganhos de renda desses produtores. Esta é a idéia
do presidente, estimular formas cooperativas de industrialização,
de comercialização, de beneficiamento e de armazenamento.
Claro que as atividades empresariais privadas também serão
incentivadas. Empresários que queiram investir ou que já
sejam do ramo e queiram ampliar também terão apoio da Secretaria.
Queremos implementar várias modalidades de financiamentos, mas
é preciso discutir antes questões como a tributária
e também a do preço do óleo diesel que hoje representa
cerca de 70 % do custo de uma pescaria.
ComCiência
- O Pronaf poderá ser usado para ajudar esses pequenos produtores?
Fritsch - O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar] já conta com um programa para a atividade pesqueira.
O grande problema é que não havia nenhum setor do governo
que organizasse os pescadores, e por isso eles não conseguiam acessar
esses recursos, que são recursos baratos, que têm juros baixos,
prazos, carência, essas coisas todas que para o pescador individual
ou cooperado é um crédito altamente vantajoso. Mas as exigências
dos bancos impedem que os pescadores não organizados tenham acesso
a esse sistema, como os agricultores tem tido. Queremos estabelecer umas
normas para facilitar isso. Se um programa existe e menos de 10% do valor
do recurso foi aplicado é porque há um problema na forma
de viabilização do mesmo e é isso que nós
queremos resolver. Esperamos que até o meio do ano esses recursos
já possam ser aplicados.
ComCiência
- E como está a situação do arrendamento de embarcações?
Fritsch - As empresas brasileiras arrendam barcos estrangeiros, e
nós estamos questionando a forma como são feitos esses arrendamentos
- inclusive, eu assinei uma portaria suspendendo por 120 dias qualquer
processo de arrendamento. Nós entendemos que, quando se faz um
contrato, este tem que ser vantajoso para os dois lados e na nossa visão
os contratos atuais têm sido lesivos ao interesse nacional. Do ponto
de vista de mercado nacional nós temos muito pouco resultado. E
quem acaba tendo algum ganho é muitas vezes uma empresa que nem
tem ligação com a pesca, mas que recebe 6% sobre o valor
da pescaria. Isso porque não há nenhum imposto sobre o arrendamento,
enquanto o empresário brasileiro, que tem um barco brasileiro,
paga 26, 27% de impostos. O que queremos adotar é um contrato que
apresente ao menos as mesmas condições para preservar o
interesse nacional. Por isso constituímos uma auditoria para fazer
uma análise do decreto que estabelece as regras vigentes do arrendamento.
ComCiência
- A nova lei de pesca e aqüicultura, que está tramitando no
Congresso Nacional contempla esta questão?
Fritsch - Vai se constituir na Câmara, a bancada da pesca, coordenada
por vários deputados. A partir da constituição dessa
bancada vamos iniciar a discussão desse projeto que, apesar de
já estar no Congresso, está paralisado em função
de uma nova proposta. Esse projeto contém várias sugestões
que deveriam ser aprofundadas, não só de interesse do governo,
mas também do setor. O projeto sofreu algumas mudanças de
última hora, no final das votações, que não
estavam no projeto original e que pegou muitos deputados de surpresa.
Foi o caso de que toda produção de pesca feita por barcos
estrangeiros, seja considerada do país da bandeira do barco e não
como produção do Brasil. Essa mudança entrou de última
hora. Ninguém sabe como entrou no projeto. Não era essa
a proposta original, aliás, era exatamente o contrário.
O setor não aceita isso. Se é para ter condição
de competitividade, que as regras sejam iguais, tanto para a produção
da indústria brasileira como para a estrangeira e não regras
que só beneficiem a produção estrangeira.
ComCiência
- Há algum projeto para desenvolver embarcações nacionais?
Fritsch - Sim. Estamos trabalhando um projeto para financiar barcos
brasileiros modernos. O país tem capacitação tecnológica,
a nossa construção naval está preparada para isso.
ComCiência
- Em comparação com outros países, qual é
a posição do Brasil em relação ao consumo
de pescados? A que se deve a diferença? Pequena produção,
falta de hábito, preço?
Fritsch - Pelas estatísticas, hoje, no Brasil, o consumo de
pescados é de 6,2 Kg por habitante, por ano, o que é muito
pouco. A FAO determina que a média de consumo de pescado por ano,
por pessoa, deve ser de 12 a 13 kg e nós estamos na metade disso.
Isso se atribui a vários fatores. Nunca se teve um incentivo para
o consumo de pescado no país. Está aí um trabalho
a ser feito, que sabemos que não vai apresentar resultados de um
ano para outro, mas é um trabalho importante. Hoje o consumo de
frango se deve a um trabalho de mais de 30 anos. No nosso entendimento,
à medida que se aumentar a produção, e que esta se
torne permanente, não haverá mais oscilação
nem de oferta e nem de preços. Quando se tem uma política
de investimento no setor, de estímulo ao cultivo, com o tempo se
obtém uma regularidade de oferta e de preço, inclusive para
o consumidor. A queda de preço vai começar no produtor,
que vai estar mais organizado e vai ganhar mais e que vai poder abaixar
o preço porque vai obter lucros no volume de produção
e comercialização.
ComCiência
- O senhor acaba de retornar da reunião da FAO, realizada na Itália.
Qual foi a tônica dos debates realizados?
Fritsch - A tônica dos debates foi a intenção
dos países desenvolvidos na atividade de pesca de estabelecer limitações
de subsídios para nós e a nossa manifestação
foi radicalmente contrária a isso. Se estabelecermos hoje que esses
países vão controlar os subsídios à atividade
de pesca, vamos congelar a desigualdade que existe hoje. Os países
desenvolvidos que estão à frente na atividade de pesca,
estão nessa condição hoje porque nos últimos
anos fizeram grandes investimentos para subsidiar a atividade. Agora querem
restringir o subsídio nos países em desenvolvimento? O que
teremos são países cada vez mais desenvolvidos nesse setor
enquanto outros vão continuar subdesenvolvidos nessa atividade.
Outra questão levantada na reunião foi a necessidade dos
países da América Latina e Caribe se organizarem. Há
uma entidade chamada Infopesca, com sede no Uruguai e que organiza a América
Latina nas questões ligadas à pesca [Fritsch foi eleito
o presidente dessa entidade]. Um outro tema tratado foi a preocupação
com relação ao código de pesca responsável,
que é assinado por todos os países e que diz respeito à
organização das pescarias de acordo com as questões
ambientais, respeito às fases de desenvolvimento de cada espécie,
entre outros assuntos que envolvem esse setor, como a preocupação
com a captura de tubarões e de proteção às
tartarugas marinhas.
E, pela primeira vez, nesta que foi a 25ª reunião do Comitê
de Pesca da FAO, apareceram no debate as preocupações com
os pescadores artesanais no mundo. Dentro do debate, a questão
da fome foi exaltada várias vezes por nós e por outras delegações
e foi tratada a questão do combate à fome, principalmente
a iniciativa do Brasil com a criação do Programa Fome Zero.
ComCiência
- O Brasil vai receber algum apoio da FAO para a implantação
de projetos na área de pesca no país?
Fritsch - A FAO, vai nos apoiar em dois projetos. O primeiro deles
é o projeto de Estruturação Institucional da Secretaria
de Aqüicultura e Pesca e o outro é de desenvolvimento de peixes
no semi-árido nordestino. Nos próximos dois meses teremos
uma equipe técnica trabalhando no Brasil, juntamente com técnicos
da FAO para desenvolver um projeto de produção no semi-árido,
o que vai envolver cerca de 2 milhões de pessoas, considerando
as famílias de pequenos produtores. Devemos desenvolver o projeto
juntamente com os centros de piscicultura para produzir peixes adequados
àquela região. Essa produção será voltada
para o consumo e não para a industrialização. Deveremos
fazer açudes, fornecer os alevinos, dar a assistência técnica
aos cooperados para que aquele peixinho se transforme em alimento.
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