Congresso
não dialoga
com a comunidade científica
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Fotos:
Rafael Evangelista
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Bastante
conhecido pelo movimento ambientalista, Fábio Feldmannn já foi deputado
federal (PSDB) e secretário de meio ambiente da primeira gestão de Mário
Covas. No momento, exerce a função de secretário executivo do I Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas. Nessa entrevista à Com Ciência, Feldmannn
falou sobre a importância de haver um maior diálogo entre a comunidade
científica e o congresso nacional. "Eu acho que é fundamental que o
setor acadêmico no Brasil esteja embasado e mobilizado para pressionar
de um lado e assessorar de outro o congresso nacional em relação a certas
temáticas".
Feldmannn falou também de sua experiência como secretário do governo do
estado e admitiu certos erros de sua gestão: "Lógico que nós tivemos
muitos problemas e muitos defeitos na gestão. Desde a inexperiência
pessoal minha até um governo que era um governo de austeridade, com
problemas administrativos graves", admitiu. Para Feldmannn, um dos maiores
desafios do movimento ambiental é envolver a sociedade de maneira mais
eficiente, para que os assuntos não fiquem restritos às ONGs.
Com
Ciência - Além de ser secretário-executivo do Fórum de Mudanças Climáticas,
qual é a sua atividade atualmente?
Fábio Feldmannn - Eu estou trabalhando em duas iniciativas importantes.
Uma é a criação de uma ONG chamada Instituto Pró Sustentabilidade que,
como o nome diz, pretende aprofundar um pouco a discussão sobre sustentabilidade.
Outra é uma ONG que pretende trabalhar em temas como privacidade e defesa
da concorrência. Esses temas estão um pouco distantes dos temas do meio-ambiente,
mas são temas muito importantes para a democracia, especialmente o tema
da privacidade. Mas é bom que as pessoas entendam: eu não sou funcionário
do governo. No Fórum criado pelo Fernando Henrique, sou secretário-executivo.
O Fórum é uma coisa interessante. Ele escolheu um tema global que é
Mudanças Climáticas, a partir do qual pretende debater com a sociedade
brasileira, inclusive capacitando-a e preparando-a para se posicionar
na hora das negociações internacionais. No campo da biodiversidade,
eu também tenho defendido isso, já há algum tempo. Esses temas têm uma
importância muito grande. As posições têm que representar consensos
e embasamento dos países.
Com
Ciência - Qual é a sua opinião sobre essa Medida Provisória que trata
do acesso aos recursos genéticos do país, e que o governo está reeditando?
Feldmannn - Em princípio eu fui contra, porque eu achava que ela ia
contra a Convenção de Biodiversidade estabelecida na Rio 92. Primeiro,
eu tenho muita dúvida. O que eu acho importante nessa história de biodiversidade
é o consenso, inclusive eu estou discutindo uma ação nesse sentido.
Quando não há acordo, quando há dificuldade em relação a certas matérias,
normalmente a tendência é fazer uma "opção legislativa" de generalidade.
Acho que precisamos aprofundar essa discussão. Eu estou envolvido com
a idéia de reunir os países amazônicos para discutir a questão. Não
adianta o Brasil ter uma posição isolada em relação a esse assunto.
No campo de Mudanças Climáticas a ação internacional é muito mais rigorosa
que nos países isolados, porque você pode dar uma continuidade. Tem
muito mais sentido tentar formar um consenso, no caso do Brasil, que
permita que você, nas negociações internacionais, aja em bloco. De maneira
geral, há entre os tomadores de decisão e os formadores de opinião uma
ignorância muito grande em relação ao tema que se está tratando. Essa
ignorância normalmente milita contra o tema e contra nós. Temas como
acesso a recursos genéticos, propriedade intelectual sobre a biodiversidade,
envolvem questões complexas. Na medida que os tomadores de decisão não
sabem disso, você tem uma enorme dificuldade de engajamento. Só para
atestar o que eu estou falando, a Convenção foi assinada em 92. Ela
estava para entrar em vigência e o Brasil não tinha ratificado a Convenção
no congresso nacional. A Convenção da Biodiversidade foi assinada no
Rio, o Brasil é o grande país da megabiodiversidade, nós estávamos na
véspera de entrar em vigência e o Brasil ainda não tinha ratificado
no congresso nacional.
Com Ciência - Quando se discutem questões polêmicas como a mudança do
Código Florestal, como funcionam o lobbies no Congresso? Como os deputados
se embasam antes de decidir o voto?
Feldmannn - Uma das dificuldades que nós sempre temos nesses temas
é uma necessidade de um processo educativo no congresso nacional para
que as pessoas entendam as questões e atendam a interesses que vão contra
elas. Há um grupo de parlamentares, a bancada ruralista, que dificilmente
se mobiliza a favor. Uma das grandes discussões em termos de ambiente
é como fazer os parlamentos nacionais incorporarem as temáticas globais.
Eu acho que é fundamental que o setor acadêmico no Brasil esteja embasado
e mobilizado para pressionar de um lado e assessorar de outro o Congresso
Nacional em relação a certas temáticas. Durante o período em que eu
fui parlamentar, essas questões eram discutidas basicamente com pesquisadores
da USP, da Unicamp. Normalmente quando havia alguma dúvida, a gente
se embasava para esclarecer. Tem temáticas que não se decidem única
e exclusivamente em função de questões políticas. Tem questões que são
complexas, para você compreender essas questões você tem que ter o apoio
da universidade e da academia. Não dá para opinar sobre uma questão
se você não conhece o assunto, não tem informação científica sobre esse
assunto. Essa aproximação da universidade e da academia com o Congresso
é absolutamente estratégica.
Com
Ciência - No Brasil ela não acontece?
Feldmannn - Eu acho que o Brasil tem um problema muito grave, que
eu até tentei mudar. Eu fui presidente da comissão de meio ambiente.
Tentei criar uma espécie de parceria entre as universidades e o Congresso
Nacional. O que falta é uma institucionalização dessa relação. As relações
que ocorrem normalmente no Congresso Nacional se dão muito mais em função
da relação pessoal, ou porque o parlamentar estudou naquela universidade
ou porque ele conhece aquela pessoa. A universidade deveria ser um vetor
de formatação de agenda no Congresso Nacional. Ela tem mais acesso aos
temas que estão sendo debatidos e pode preparar o Congresso Nacional
para uma ter capacidade antecipatória, antes do problema surgir.
Com
Ciência - A SBPC escolheu em maio um interlocutor da comunidade científica
no Congresso Nacional...
Feldmannn - Eu acho que essa ainda é uma atitude muito tímida. Teria
que se fazer algo de caráter mais institucional. Talvez tivesse muito
mais sentido estabelecer convênios em que a universidade fosse requisitada
e até paga para elaborar estudos sobre determinadas matérias. Para temas
como propriedade intelectual sobre biodiversidade, proteção do conhecimento
tradicional, a universidade poderia dar ao Congresso uma capacidade
muito maior de decisão do que ele tem hoje. Não se sente dentro do Congresso
uma necessidade de se ter esse tipo de assessoria.
Com
Ciência - Mas já existe uma comissão de Ciência & Tecnologia no
Congresso, não?
Feldmannn - A comissão de C&T no congresso discute a ciência e a tecnologia,
as políticas públicas. Biodiversidade e outras matérias tem um caráter
multidisciplinar. Um dos problemas que existiram durante a ECO 92, foi
a pequena participação dos parlamentares no encontro. Os nossos temas
estão muito fora da agenda dos tomadores de decisão. As pessoas acham
que o problema da biodiversidade é só nosso. O que precisaríamos fazer
é engajar o maior número possível de parlamentares. O executivo assina
o texto da Convenção, manda para o Congresso Nacional, que o ratifica.
Levou mais de 10 anos.
Com
Ciência - Como você vê a Rio +10?
Feldmannn - A preparação para a Rio+10 tem que ser a mais ampla possível.
Eu já acho que a preparação da Rio + 5 foi um fiasco. Não houve mobilização.
No pouco tempo que nos resta, nós tínhamos que tentar engajar a sociedade
brasileira nessa temática. Qual é o conteúdo da discussão na Rio + 10?
Como que o Brasil se comportou nos últimos 10 anos? Quais são os indicadores
de sustentabilidade no Brasil? Eu acho que em termos de mudanças climáticas,
o Brasil se saiu muito bem. A Rio + 10 pode ser um pretexto para reaglutinar,
para rever e para engajar os atores brasileiros, especialmente nos campos
específicos. O Brasil é o grande país da megadiversidade. Nesses dois
temas, o Brasil tem um peso muito importante. No caso das mudanças climáticas
também, porque é a oitava economia, tem uma grande população. Já no
caso da biodiversidade, o Brasil está aquém. Como maior país da megabiodiversidade
do planeta, ele tinha que ser mais protagonista. E eu acho que o Brasil
não tem sido. Inclusive, existe uma proposta de uma instituição que
seria a reunião dos grandes países portadores de recursos naturais,
biodiversidade. Eu acho uma proposta interessante.
Com
Ciência - Como você vê a política ambiental no Brasil?
Feldmannn - Esse modelo que nós estamos operando, de política ambiental
no Brasil é extremamente frágil. Vamos pegar um dado de biodiversidade:
a revelação de que o Brasil mantém o desmatamento em 15%... é assustador
isso. Em termos de escala, é um Sergipe por ano. Eu acho que a gente
tem que fazer uma reflexão aproveitando o texto da Rio. As ONGs estão
atuando, elas têm um papel importante.e há outros atores sociais nessa
discussão, que não pode ficar confinada apenas às ONGs. Esse tema da
biodiversidade é fundamental. É cada dia mais relevante que você se
volte para a sua biodiversidade. .Mas falta é reflexão da sociedade.
Quando eu falo sociedade, é a ONG, é a comunidade científica é a mídia.
O tratamento que a mídia dá a essas questões é muitas vezes um tratamento
muito simplista. Coisas como falar sobre a mudança do Código Florestal
em detrimento do clima do planeta e dizer que todos os membros da bancada
ruralista são desprovidos de caráter, essa análise é superficial. No
mundo contemporâneo, nós temos que encontrar um mecanismo que permita
que os temas globais tenham uma inserção nas agendas dos parlamentos
locais. Existe um enorme movimento contra a lei de espécies ameaçadas
nos EUA. E por que? Nos EUA o voto é distrital. O parlamentar atua única
e exclusivamente para atender a sua base. Se o parlamentar tem uma base
num município dos EUA em que a lei de espécies ameaçadas ele se torna
um ferrenho adversário dessa legislação. No Brasil, eu fico perplexo
de imaginar que nós estamos discutindo o Código Florestal, que está
se querendo retroceder num código florestal que além de tudo foi ineficaz
para preservar a biodiversidade das florestas do país. Alguma coisa
está errada. Eu estou lutando para manter um código florestal de 1965
que foi incapaz de proteger a biodiversidade das florestas brasileiras.
Alguma coisa está errada nisso.
Com
Ciência - Você foi secretário do meio-ambiente do estado de São Paulo.
Como foi a experiência?
Feldmannn - Há um caso da época que exemplifica essa mesma questão
e que talvez até pareça conservador. Em um epísodio, houve uma invasão
de terras de uma Unidade de Conservação pelo MST. Não que eu não seja
a favor da reforma agrária, mas a invasão de uma unidade de conservação,
o que ela mostra? Que o governo não conseguiu mostrar para sociedade
brasileira a função social de uma unidade de conservação de uma estação
ambiental. Minha experiência foi que nós temos criar essa sustentabilidade
política. Lógico que nós tivemos muitos problemas e muitos defeitos
na gestão. Desde a inexperiência pessoal minha até um governo que era
um governo de austeridade, com problemas administrativos graves. Nós
tínhamos 28 fontes pagadoras, era uma loucura, as contratações eram
lentas. Era um governo mal preparado, gerencialmente mal preparado.
A dificuldade política surge na área de ambiente quando você faz defesa
do meio ambiente. Vamos pegar um exemplo concreto: nós fizemos um inventário
do lixo e a partir daí fizemos uma pressão junto aos prefeitos para
regularizar a situação. Explicamos a disposição correta do lixo no solo,
e aí você chama o prefeito e começa um processo de debate com a sociedade
sobre onde colocar o lixo. Aí, o que você identifica? Enquanto o lixo
está sendo colocado num local inadequado mas que fique na periferia
não há problema. Você precisa explicar para a sociedade que você está
fazendo a opção do processo democrático. Quando você começa a discutir
a disposição de colocar numa área que afeta outros interesses a situação
fica mais complicada. A minha reflexão em relação à minha gestão como
secretário do meio ambiente é que nós temos que criar dentro da sociedade
condições para que as políticas ambientais sejam mais respaldadas pela
sociedade.