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Novos desafios para o movimento ambiental

Desde a explosão dos movimentos ambientalistas, na década de 80 até hoje, ocorreram diversas transformações tanto na conscientização do público com relação à defesa do meio ambiente quanto nos atores responsáveis pela degradação ambiental. Um dos novos desafios para as ONGs tem sido encontrar meios de aliar grandes áreas de proteção ambiental com o desenvolvimento social das populações que ali vivem.

Foto: Marta Kanashiro

Foi sobre os novos desafios para as ONGs ambientais que a revista Com Ciência conversou com João Paulo Capobianco, biólogo, fundador da Associação em Defesa da Juréia e atual coordenador do Instituto Socioambiental. Capobianco abordou temas como a dificuldades na implantação de projetos de preservação ambiental e o impacto da biotecnologia. Afirma também ser um engano do movimento ambiental aceitar as afirmações sobre o valor econômico da biodiversidade. "Hoje, com a tal da engenharia genética, teoricamente a biodiversidade vale muito. Acontece que isto é uma questão momentânea. Se a tecnologia evoluir para um certa independência em relação a disponibilidade de genes na natureza, então a biodiversidade passa a não valer mais nada"

Com Ciência- Você acha que a proximidade com a cidade dificulta a implantação de projetos de preservação?
João Paulo Capobianco-
O ISA tem um projeto específico para a região de mananciais da região metropolitana de São Paulo, já desenvolveu um diagnóstico sócio-ambiental da Bacia hidrográfica do Guarapiranga e está concluindo agora da Bilings, com o lançamento previsto para as próximas semanas e vai realizar o diagnóstico também do sistema Cantareira. A prioridade do ISA na cidade de São Paulo é a questão da água, produção e qualidade da água em São Paulo. A dificuldade de implantação de projetos nestas regiões decorre de uma baixa capacidade de planejamento e intervenção do poder público, ou seja, não há na nossa opinião, nenhuma incompatibilidade intrínseca entre a expansão urbana e a conservação ambiental. O que há é a degradação ambiental decorrente desta expansão urbana relacionada com falta de presença do poder público, planejando e orientando esta expansão urbana.

Com Ciência- Mas existe alguma dificuldade específica destas áreas com relação a preservação da diversidade social?
Capobianco-
No caso de uma cidade como São Paulo o maior problema é a questão da exclusão social. Na verdade as áreas ambientalmente mais significativas, no caso a região de mananciais, são consideradas áreas de ninguém , já que o poder público não está presente e são áreas de baixo valor, porque justamente são áreas onde não se pode fazer ocupação de forma regular. Estas áreas acabam sendo uma opção (ou a única) de uma população que não tem recursos econômicos e políticos para sobreviver em áreas mais valorizadas da cidade, onde inclusive a infra-estrutura é mais adequada. Estas populações são empurradas, neste processo de exclusão e de especulação imobiliária, para estas áreas, que são as ambientalmente mais frágeis. Por isso, eu acho que a questão é a falta de presença do poder público e de oportunidades e opções. As pessoas vão para estas regiões, estão ali, por falta de opção. O poder público extrapola a idéia de governo, e é consequência do grau de consciência da população sobre a questão ambiental.

Com Ciência- A idéia que a opinião pública tem de projetos de preservação ambiental é advinda desta pouca informação?
Capobianco-
É advinda da baixa percepção e da não correlação entre o uso racional dos recursos e qualidade de vida. De forma geral, as pessoas não estabelecem esta correlação. Ainda prevalece a idéia de que os recursos naturais são infinitos, inesgotáveis. Assim, não há responsabilidade no uso seja da água ou da energia elétrica, e esta cultura do uso alienado dos recursos é um ciclo vicioso, porque as pessoas ao selecionarem seus representantes para o poder público não incluem a questão do uso dos recursos como uma prioridade. A prioridade sempre é a segurança, o transporte, etc. Isso dificulta a ocorrência de uma gestão mais adequada. Porém, não se pode isentar o poder público de sua responsabilidade. O poder público tem obrigação de pensar adiante da média da população e deve cumprir a legislação, que estabelece um conjunto de condições para o uso adequado e a conservação dos recursos naturais.

Com Ciência- Neste contexto, de necessidade de valorizar os recursos naturais, você acha que uma solução é quantificar estes recursos em cifrões?
Capobianco
- Eu acho que isso é um equívoco, uma armadilha que nós todos estamos criando para nós mesmos. Quando digo nós, refiro-me ao fato de os próprios ambientalistas, em vários momentos, tentam argumentar dando valor econômico aos recursos naturais. O problema é que este tipo de estratégia não trabalha a questão essencial, que é a percepção pela sociedade do valor intrínseco da biodiversidade e dos recursos naturais. Na verdade o valor da biodiversidade extrapola muito o eventual valor econômico que possam atribuir-lhe no atual momento histórico que estamos vivendo. Não se pode reforçar uma tese de que o que vale é aquilo que tem valor econômico, porque este valor é uma definição momentânea do ponto de vista histórico. Hoje, com a tal da engenharia genética, teoricamente a biodiversidade vale muito. Acontece que isto é uma questão momentânea. Se a tecnologia evoluir para um certa independência em relação a disponibilidade de genes na natureza, então a biodiversidade passa a não valer mais nada. O ponto central é desenvolver na sociedade a compreensão de que a biodiversidade e os recursos naturais, de uma forma geral, são essenciais para a qualidade de vida e para a sobrevivência da humanidade, ou seja, é o valor intrínseco a que me referi.

Com Ciência- E como você vê o impacto da biotecnologia, que vem buscando patentear processos relacionados com microorganismos, por exemplo, sobre o movimento ambientalista e o conhecimento tradicional?
Capobianco-
Existe um impacto sério decorrente de como as patentes são concebidas. As patentes desconsideram o processo científico desenvolvido pelas populações tradicionais. Na verdade o processo de patenteamento só entende como científico, e portanto merecedor de um reconhecimento, inclusive financeiro, aquilo que foi resultado da atual ciência, a ciência tecnológica da atualidade. Então, por exemplo, em certos produtos ou medicamentos originários de centenas de anos de aprimoramento desenvolvido por populações tradicionais, este processo não é considerado no valor deste produto, só considera-se o momento em que um laboratório qualquer identifica, isola e é capaz de obter uma substância sintética e não há remuneração nem reconhecimento do que foi feito anteriormente a isso. Na verdade, é uma forma de seccionar o processo do desenvolvimento do conhecimento humano, de forma a passar a considerar que o conhecimento humano digno de ser reconhecido é apenas desenvolvido por um laboratório high tech norte americano, por exemplo. O prejuízo para as populações indígenas e tradicionais em geral é enorme, pois elas não têm como garantir o retorno e o reconhecimento por aquilo que elas introduziram no sistema através de um trabalho de centenas de anos.

Com Ciência- Você acredita que exista algum mecanismo perverso nos financiamentos internacionais para preservação, com relação a descoberta de novos microorganismo visando patenteamento de novos processos?
Capobianco-
Não, eu acho que existe um processo que se desenvolveu ao longo de dezenas de anos, e que ainda ocorre, que chamamos de prospecção mesmo de recursos naturais ou genéticos na Amazônia ou na Mata Atlântica, com interesses de indústrias farmacêuticas e empresas de manipulação. Mas esta questão não está associada a projetos de conservação. Eu não conheço nenhum caso concreto onde uma ação de conservação, desenvolvida, por exemplo, por uma organização brasileira, tenha tido, como segunda intenção, descobrir princípios ativos ou substâncias que pudessem gerar recursos para uma empresa ou laboratório estrangeiro. Eu não conheço nenhum caso destes. O que há realmente é pirataria mesmo, deste próprios laboratórios estrangeiros que financiam seus pesquisadores, alguns deles inclusive brasileiros, para fazer esta prospecção sem nenhum controle.

Com Ciência- É sabido que nas regiões nas quais vivem índios, a devastação é menor. Você acredita que uma solução para a preservação da biodiversidade é a preservação da sociodiversidade?
Capobianco-
Com certeza, isso está comprovado. Nós realizamos no final de 1999 um seminário em Macapá, com mais de 226 especialistas, para identificar áreas prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade da Amazônia e, boa parte das áreas consideradas prioritárias do ponto de vista biológico, são áreas dentro de terras indígenas. Então há uma correlação direta entre estas áreas indígenas e áreas importantes para a biodiversidade. Por outro lado, quando se observa o processo de expansão do desmatamento na Amazônia, pode-se notar que as terras indígenas são praticamente ilhas de conservação em áreas muito degradadas. É claro que existe degradação em terras indígenas também, mas a verdade é que a degradação tem se dado de forma muito mais intensa fora destas áreas. Há uma óbvia conexão entre as duas questões, e se formos capazes de apoiar a trajetória dos povos indígenas rumo a uma melhoria de qualidade de vida e maior sustentabilidade cultural a longo prazo, também estaremos contribuindo para a conservação e sustentabilidade biológica.

Com Ciência- E com relação a Mata Atlântica, que é uma das mais devastadas, qual é a saída para sua preservação aliada a grande ocupação destas regiões?
Capobianco-
A Mata Atlântica deve ser encarada como área de conservação efetivamente. Pode-se ter uma atividade econômica, mas que deve estar restrita ao lazer, ao turismo e ao uso de alguns subprodutos, como plantas ornamentais e medicinais. Mas não se deve insistir na tese do manejo sustentável da Mata Atlântica, como se tem proposto. A Mata Atlântica não suporta mais um manejo, nem sustentável, porque as áreas remanescentes são muito pequenas, via de regra, são áreas que já foram exploradas no passado. Estima-se que haja 1 ou 2% de mata primária onde poderia haver algum interesse econômico em termos de recursos madeireiros, mas seria uma heresia pegar este pouco que restou e partir para um uso econômico intensivo, mesmo que sustentável, isso não se justifica. Então a vocação do que resta da Mata Atlântica é conservação e recuperação. Já existe um processo de recuperação natural da Mata Atlântica bastante importante, ocorrendo principalmente nos estados do sul do Brasil, isso já é algo que começa a aparecer nas estatísticas de forma bastante promissora e a nossa tese é de que nós devemos investir pesado em recuperação. Esta recuperação tem uma enorme viabilidade ambiental, tem se demonstrado pelos processos naturais de recuperação e tem uma grande viabilidade tecnológica também. São Paulo, por exemplo, possui tecnologias muito avançadas e um conjunto de atores sociais envolvidos nas ações de recuperação que podem viabilizar, a médio prazo, um incremento significativo da área remanescente da Mata Atlântica.

Com Ciência- É mais fácil conseguir financiamentos para projetos na Amazônia do que para a Mata Atlântica?
Capobianco-
Do ponto vista de recursos internacionais, sim. O maior programa de financiamento para meio ambiente no Brasil, em termos de conservação de florestas, é o PPG7 Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras que, apesar de ter o "brasileiras" no nome, só financiava a Amazônia, que ficava com praticamente 98% dos recursos. Mas isso também está mudando, este ano nós conseguimos aprovar um componente Mata Atlântica no PPG7, com um orçamento de U$120 milhões. Então a idéia é que estamos mudando esta correlação desfavorável para a Mata Atlântica dentro do PPG7 e isso deve modificar esta questão nos próximos anos.

Com Ciência- Qual a sua avaliação do movimento ambientalista dos anos 80 até o momento atual?
Capobianco-
O movimento ambientalista passou de uma posição terciária, como ator político, para ser um dos atores principais no quadro das discussões e das negociações. A questão ambiental, que sempre foi tratada como uma externalidade, e por isso o movimento ambientalista dos anos 80 até metade dos anos 90, foi um movimento de denúncia e de manifestação, passou a adquirir, recentemente, um papel propositivo muito mais intenso. Isso coloca uma dificuldade, uma necessidade de mudança na forma de atuação das Ongs. Se até meados da década de 90 era a denúncia, agora é a proposição, e isso exige uma ação mais consistente na produção, por exemplo, de banco e análise de dados, produção de alternativas e desenvolvimento de projetos. O cenário que temos hoje aponta o crescimento do movimento ambientalista em direção a ocupar um espaço na formulação, proposição e desenvolvimento de ações de conservação e recuperação de áreas degradadas. Este é um processo complexo, os recursos são limitados. O Brasil é um país que ainda não estabeleceu de forma adequada uma percepção do papel das organizações da sociedade civil. Qualquer outro país na Europa, mesmo os EUA ou Canadá, por exemplo, têm organizações na sociedade civil intensamente apoiadas pela sociedade como um todo e no Brasil isto não acontece, os recursos são muito limitados. Assim, o movimento ambientalista vive um momento complexo, rico e difícil, pois nos exigem capacidade propositiva e executiva, mas sem que tenhamos disponibilidade de recursos técnicos (recursos humanos) e financeiros para responder a este novo papel que foi conquistado.

Atualizado em 10/06/01

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