Entrevistas
Jeca Tatu mostra um Monteiro Lobato preocupado
com a saúde pública
Marisa Lajolo
A
malária no Brasil e no mundo
Erney Camargo
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A malária no Brasil e no
mundo
O
médico Erney Felício Plessmann de Camargo, presidente
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), fala sobre a malária,
doença que atinge 300 milhões de pessoas por
ano no mundo, das quais cerca de 1,5 a 2 milhões morrem.
O pesquisador analisa as principais características
da malária no Brasil, o tratamento da doença
e as possibilidades de desenvolvimento de uma vacina. Também
conhecida como maleita, impaludismo e febre terçã
(devido aos episódios intermitentes de calafrios seguidos
de febre alta que constituem os seus principais sintomas),
a malária é causada por protozoários
que se multiplicam nos glóbulos vermelhos do sangue
do homem e que são transmitidos pelos mosquitos do
gênero Anopheles.
Erney Plessmann de Camargo antes de assumir
a presidência do CNPq, em fevereiro de 2003, ocupava
o cargo de diretor do Instituto Butantan de São Paulo.
Membro da Academia Brasileira de Ciências e professor
titular de parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas
da Universidade de São Paulo, atua na área de
biologia molecular de parasitas e de epidemiologia da malária.
ComCiência – Quais as
principais características da epidemiologia da malária,
hoje, no mundo? A mortalidade pela doença ainda é
alta?
Erney Camargo - A malária mata, anualmente,
duas vezes mais do que a aids e muito mais do que qualquer
outra doença infecciosa. Ela está presente no
Brasil, na Índia, no Afeganistão, países
asiáticos e na África, onde o índice
de mortalidade é alto. Quase 3 mil crianças
morrem por dia de malária na África e isso acontece
por falta de diagnóstico e de tratamento médico
já que a malária, hoje, é perfeitamente
tratável. No Brasil, felizmente, morre-se muito pouco
de malária. Diz-se, aliás, que aqui a malária
mata mais na região Sul do país do que na região
Norte, onde a doença é endêmica. Isso
acontece porque no Sul, pelo fato de a doença ser incomum,
o diagnóstico tende a ser mais difícil de ser
feito. O fato é que, no Brasil, e principalmente na
região Norte, não se morre de malária
porque qualquer pessoa – desde a dona-de-casa até
o farmacêutico - consegue diagnosticar a doença
devido ao fato de ela ser corrente. E o diagnóstico
permite o tratamento. Poucas mortes tendem a ocorrer, apenas
no caso de crianças que já estão previamente
debilitadas.
ComCiência - É possível,
então, que a malária seja erradicada no Brasil?
Erney Camargo - Não. A erradicação
da malária na Amazônia, onde a doença
é endêmica, é impossível, já
que o combate ao mosquito presente na floresta é impraticável.
O que é possível é o controle da doença
através do seu tratamento. O tratamento da malária
é eficaz e vem sendo feito no Brasil. Existe ainda
uma outra questão, descoberta recentemente, que é
a presença de um número grande de indivíduos,
cerca de 60% da população da região,
que se constituem em portadores assintomáticos da doença.
Essa é uma característica muito importante da
epidemiologia da malária na região Norte do
Brasil. Esses indivíduos, embora não desenvolvam
a doença, são portadores do protozoário
e, ao serem picados pelo mosquito, se tornam fontes de infecção
para novos indivíduos, uma espécie de reservatório
da doença. Por serem portadores assintomáticos
da malária, esses indivíduos não são
tratados.
ComCiência - Nos seus trabalhos
sobre a história da malária, é afirmado
que um novo front de polêmicas em torno da doença
é a possibilidade de produção uma vacina.
Ela é, de fato, viável?
Erney Camargo - Existem muitos pesquisadores do mundo
trabalhando com o desenvolvimento de uma vacina contra a malária.
Muitos estão esperançosos, outros nem tanto.
Desenvolver uma vacina contra o sarampo, por exemplo, foi
possível devido ao fato de só existir um tipo
de sarampo. A malária se caracteriza pela existência
de várias espécies de protozoários causadores
da doença. Por conta disso, as pessoas geralmente têm
dezenas de malárias ao longo da vida. O organismo humano
não consegue desenvolver anticorpos e imunidade adequados
a esses protozoários. A partir desse raciocínio,
a criação de uma vacina contra a doença
seria impossível. O que os pesquisadores estão
tentando fazer é descobrir num universo de antígenos
que o protozoário apresenta no homem, identificar um
que tenha o poder de induzir a imunidade à doença,
neutralizando o parasita da malária a cada nova infecção
e conferindo uma proteção duradoura. O desenvolvimento
de uma vacina contra a malária deverá envolver
ainda muita pesquisa a longo prazo.
ComCiência - Ainda em relação
ao tratamento, a indústria farmacêutica investe
pouco na pesquisa e no desenvolvimento de medicamentos destinados
às doenças parasitárias como a malária.
O sr. concorda com isso?
Erney Camargo - Isso é verdade. A própria
indústria farmacêutica reconhece isso. Não
é interessante para essa indústria o investimento
nas chamadas “doenças de pobre”, mesmo
que elas tenham uma alta incidência como é o
caso de doenças parasitárias como a malária.
Os investimentos da indústria farmacêutica necessários
para a produção de um novo medicamento são
muito elevados e, nesse sentido, elas não investem
se não houver a certeza de que obterão um lucro
capaz de ultrapassar os investimentos feitos. Essa mesma lógica
faz com que as “doenças de rico”, mas de
baixa incidência, também não sejam objeto
de atenção dessa indústria. Para se quebrar
esse círculo vicioso é importante que os governos
subsidiem os medicamentos necessários para o tratamento
das doenças parasitárias, também chamadas
de doenças órfãs. No Brasil, todo o tratamento
da malária, por exemplo, é subsidiado pelo governo.
O tratamento da doença na região Norte é
de responsabilidade do Ministério da Saúde.
Nesse contexto, a proposta dos países em desenvolvimento
tem sido a de pesquisarem medicamentos para as doenças
que lhes sejam endêmicas.
ComCiência - Como o Brasil
se situa internacionalmente em relação às
pesquisas sobre doenças infecciosas?
Erney Camargo - O Brasil possui uma posição
internacional de destaque em relação às
pesquisas científicas sobre doenças infecciosas,
principalmente no que diz respeito às doenças
infecciosas causadas por parasitas como a doença de
Chagas, a esquitossomose, o amarelão (ancilostomíase),
as leishmanioses e a malária. Por conta disso, muitas
dessas doenças estão controladas e outras, como
o amarelão característico do personagem Jeca
Tatu, de Monteiro Lobato, foram praticamente erradicadas no
Brasil. Em relação à doença de
Chagas, o Brasil desenvolve pesquisa de ponta nessa área,
sendo reconhecido no mundo todo.
ComCiência - Como o sr. avalia
a atuação dos laboratórios públicos
de pesquisa tais como o Instituto Butantan do qual o sr. foi
diretor?
Erney Camargo - Os institutos públicos de
pesquisa tiveram e tem um papel histórico importante
na pesquisa sobre endemias no Brasil, principalmente por se
dedicarem ao desenvolvimento de vacinas e à pesquisa
sobre doenças que afetam a população
brasileira e que, por isso, se caracterizam como assunto de
segurança nacional.
ComCiência - Dentre as atividades
de fomento do CNPq, como estão os investimentos na
área de saúde, especificamente em relação
às doenças infecciosas?
Erney Camargo - É preciso esclarecer que não
existe nenhum tipo de foco dado a priori para as pesquisas
na área de saúde já que toda a atividade
de fomento do CNPq é feita através da abertura
de editais nos quais são apresentados projetos de pesquisa
sobre os mais variados assuntos. Tudo depende da demanda:
se houver uma solicitação maior por parte de
pesquisadores da área da saúde, o investimento
do CNPq será maior nessa área.
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