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Ciência na Índia multireligiosa
Ranjit Nair

As pontes entre ciência e religião
Eduardo Cruz

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As pontes entre ciência e religião

 

“As promessas da cura do câncer e da terapia genética já deviam ter ensinado um pouco mais de humildade a quem vê na religião apenas uma barreira” diz o pesquisador Eduardo Rodrigues da Cruz.

Físico e teólogo, o professor Eduardo Rodrigues da Cruz conseguiu unir duas áreas aparentemente divergentes em sua carreira. Coordenador do curso de pós-graduação de ciências da religião da PUC de São Paulo, ele promove o diálogo entre ambas, por meio de estudos, pesquisas, trabalhos e análises das manifestações religiosas, dentro de uma abordagem interdisciplinar.
Autor do livro A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza, ele acredita que somente os pesquisadores têm a ganhar a curto prazo com a chancela oficial para uso de células-tronco embrionárias e defende que a religião ajuda a enfatizar que a definição de pessoa não passa unicamente pela sua racionalidade.

ComCiência - O senhor é cientista (físico) e religioso (teólogo), como fez a ponte entre ciência e religião em sua vida? Quando começou a se interessar pelo tema?
Eduardo Cruz - Comecei a carreira como físico, em uma época em que os físicos debatiam acaloradamente as grandes questões sociais e intelectuais, e era mais comum que eles passassem a desenvolver outras atividades mais filosóficas. Paralelamente, a Igreja de São Paulo desenvolvia um ativo trabalho pastoral, um espaço de liberdade e criatividade em face da ditadura. Junte-se a isto uma formação religiosa, e foi assim que começou meu fascínio pelas interfaces entre ciência e religião. Se é possível estabelecer pontes ou não, é uma hipótese que estou continuamente a testar. Construir pontes desse tipo não é trabalho para técnicos, mas sim para desbravadores arrojados.

ComCiência - Como um desbravador, o senhor acredita que ciência e religião sejam realmente divergentes ou é possível, e talvez necessário, estimular o diálogo entre ambas para o desenvolvimento da sociedade? Como desfazer preconceitos e estereótipos dessas áreas e promover um novo olhar?
Eduardo Cruz - Ciência e religião pertencem a categorias diferentes. Avaliar a história da ciência, por ser uma disciplina respeitada, é sempre o primeiro passo para conseguir a ponte entre as duas, quando há um suposto conflito no presente, e achamos que os motivos são fúteis. Como dois sujeitos tão diferentes podem dialogar? Basicamente, em três níveis: por meio do diálogo entre especialistas, cientistas e teólogos; no plano social ou ético, o diálogo entre as comunidades científicas e religiosas; e por meio da percepção das semelhanças entre a atitude científica e a religiosa, das bases evolutivas e comuns entre a aquisição de conhecimento e a construção de símbolos e rituais religiosos. Este tipo de diálogo já ocorre, bastaria que os meios de comunicação, os livros didáticos e paradidáticos, e as escolas e universidades se preocupassem mais em enfatizar as iniciativas de diálogo.

ComCiência - Muitas publicações de divulgação científica têm divulgado matérias sobre assuntos religiosos. Como o senhor vê esse fenômeno e por que as pessoas estão procurando mais por esses temas?
Eduardo Cruz - De fato, com exceção das mais tradicionais, como a Scientific American, as outras têm trazido com mais frequência tais matérias. Parece haver interesse popular, mas essas reportagens refletem mais o senso-comum dos cientistas, não são resultado de pesquisas consistentes e sistemáticas. Como essas pesquisas têm crescido em número e qualidade, é de se esperar que as matérias ganhem pouco a pouco mais destaque e qualidade.

ComCiência - Como o jornalismo científico deve olhar para as questões religiosas e qual deve ser o seu papel numa sociedade que busca mais informações sobre o assunto?
Eduardo Cruz - Não parar nas fontes mais óbvias, buscando fontes mais acadêmicas e também mais fontes na Igreja. Seu papel na sociedade, a meu ver, é desfazer os mitos que a grande imprensa produz a respeito do assunto.

ComCiência - Muitos cientistas costumam ver a religião apenas como barreira para os avanços científicos. A religião pode de alguma forma ajudar a ciência e a sociedade, principalmente quando se refere a questões éticas? Quem garante que uma inovação ou descoberta científica será aproveitada de maneira responsável e contribuir para uma vida melhor?
Eduardo Cruz - Sem dúvida, a religião sempre surgiu como uma reserva de sentido contra o espírito de can do-will do (posso fazer-vou fazer), frequentemente travestido na pele de avanços científicos. As promessas da cura do câncer e da terapia genética já deviam ter ensinado um pouco mais de humildade a quem só vê na religião uma barreira.

ComCiência - Há cientistas que dizem que se criou um otimismo exagerado sobre a aprovação do uso terapêutico de células-tronco, porque as pesquisas científicas costumam ser demoradas e a expectativa de cura de muitas pessoas pode ser frustrante, por não terem sido bem informadas. O que o senhor pensa a respeito?
Eduardo Cruz - Há que se distinguir entre tratamentos com células-tronco em geral, vide avanços recentes na medicina brasileira, e células-tronco embrionárias. Apenas esta última é controversa. Isso porque, a célula-tronco adulta é do indivíduo mesmo, e sua retirada não mata o doador. No caso das células embrionárias torna-se mais difícil dizer que os pais sejam "donos" do embrião, ou que não há morte de um indivíduo em potencial. De qualquer forma, a pesquisa com células-tronco embrionárias ainda está na sua infância, e há um longo caminho a percorrer antes que algum tratamento oficialmente aceito esteja disponível. Apenas os pesquisadores têm a ganhar, no curto prazo, com a chancela oficial para essas pesquisas. Quanto ao argumento de que muitas dessas células vão ser descartadas de qualquer jeito, há que se lembrar uma questão moral anterior, a do desejo de "um-bebê-a-qualquer-custo", sem que o casal incline-se mais para uma adoção.

ComCiência - Como o senhor avalia os recentes episódios de “espetacularização” da vida e da morte nos casos de Terri Schiavo?
Eduardo Cruz - De fato, o caso dela, pelos aspectos políticos, emocionais e morais envolvidos, dá margem ao espetáculo. Os grupos religiosos que a defendiam foram castigados pela mídia, associados que foram à direita política e ao irracionalismo. Mas eles levantaram uma questão importante. Como a ciência pode provar que Terri nada sentiu nas duas semanas em que definhou até a morte? E ainda tem que haver um consenso sobre o que é "sentir". In dubio, pro reu (na dúvida, julgue-se a favor do réu). A religião ajuda a enfatizar que a definição de pessoa não passa unicamente pela sua racionalidade.

ComCiência - A Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) tem lançado projetos para promover a aproximação entre ciência e religião. Muitas universidades norte-americanas como a University of Duke estão estudando cientificamente os efeitos da fé sobre as pessoas e já existem até disciplinas obrigatórias sobre medicina e espiritualidade. Por que esses estudos ainda são tão recentes no Brasil e vistos ainda como assuntos menores por grande parte da academia, sendo o país tão rico na pluralidade religiosa?
Eduardo Cruz - Também nos Estados Unidos esses estudos ainda são vistos como assuntos menores. A diferença é que lá eles já estão institucionalizados e ganharam um espaço que parece definitivo, e aqui ainda não. A meu ver, a questão básica passa pela competência e pelo interesse. No momento em que algum cientista ou grupo de pesquisa de ponta começa a trabalhar nessas temáticas, elas passam a ganhar destaque e respeito acadêmico. Ainda estamos aguardando os brasileiros que darão início a isso.

ComCiência - Diferenciar religião de esoterismo e auto-ajuda pode ajudar a traçar rumos mais sérios para o diálogo entre ciência e religião e evitar a pseudociência? Como fazer isso?
Eduardo Cruz - Esotéricos pressupõem possuir um tipo especial de acesso ao plano transcendente comum entre ciência e religião, uma dimensão mística que dispensaria o trabalho penoso e ascético que leva à boa ciência e à boa religião. Desenvolver essas últimas não significa apaziguamento da consciência, mas enfrentar seriamente a dura, indiferente e elusiva realidade. Questionar o esoterismo como proposta de diálogo deve ser feito pela reafirmação dos princípios epistemológicos e morais da velha e judiada "ciência moderna", assim como da religião ocidental.

ComCiência - Quais serão os desafios do novo papa em relação aos temas científicos? O senhor acredita que se a Igreja não começar a dialogar mais com a ciência e se atualizar poderá perder ainda mais fiéis, principalmente no Brasil?
Eduardo Cruz - Justamente por ser um papa de sólida formação intelectual, vindo de um país onde cientistas e teólogos já têm uma tradição de debate e diálogo, é de se esperar que ele estimule, ainda mais que João Paulo II, o diálogo com a ciência. Por outro lado, sociologicamente não há um nexo entre "ser atualizada" e "ganhar fiéis". Por exemplo, as igrejas protestantes na Europa, em princípio mais atualizadas que a católica, perdem ainda mais fiéis. Há outros critérios para "atualizado" que não o científico, veja-se o sucesso das igrejas evangélicas no Brasil.

ComCiência - Muitas congregações e instituições religiosas são donas ou mantêm muitas universidades e colégios no país. Dessa forma, grande parte dos futuros cientistas pode estar sendo formada a partir de bases religiosas. No passado, muitos padres e seguidores de outras religiões foram cientistas famosos, por que hoje existe a tendência de separar tanto as duas coisas, causando ainda estranheza a existência de cientistas religiosos?
Eduardo Cruz - Também os cientistas do passado e do presente foram formados, aqui no Brasil, em colégios confessionais. Mas não quer dizer que as pessoas saiam como uma "base religiosa" explícita. Penso que a coisa vem mais de família do que propriamente dos colégios. O que mostra que colégios e universidades confessionais falham ao não apresentar uma visão comum crível que saiba unir as aulas de ciências e a formação religiosa. Quanto aos cientistas famosos que professam uma religião, eles são tão comuns no passado como no presente. Newton era anglicano, Einstein era judeu, o biólogo contemporâneo de Darwin, Alfred Russell Wallace reconheceu o espiritismo, Francis Coolins, diretor do projeto Genoma Humano é presbiteriano. Hoje, muitos apenas relegam sua religiosidade ao domínio privado, um traço típico da modernidade.


Atualizado em 10/05/2005

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