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Pouco divulgada, a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA) é um projeto ambicioso para o setor de transportes, avaliado em mais de US$ 20 milhões. Embora os benefícios ao setor produtivo possam ser grandes, as consequências ambientais podem ser desastrosas. É o que afirma, em entrevista à ComCiência, Elisangela Soldatelli Paim, jornalista que atualmente trabalha na Secretaria IIRSA da Coalizão Rios Vivos e no Núcleo Amigos da Terra/Brasil. Desde o início do ano passado Paim acompanha o tema IIRSA, tendo como conclusão desse trabalho a publicação do artigo "IIRSA: É essa a integração que nós queremos?"


ComCiência - O que é a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA)? Quais são os objetivos dessa iniciativa? Quem a financia? Quem serão os principais beneficiados?
Elisangela Paim -
A Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana, IIRSA, foi lançada durante a Cúpula de Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília, entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2000. Essa iniciativa é provavelmente o plano mais ambicioso de investimentos em infra-estrutura que pretende desenvolver e integrar as áreas de transporte, energia e telecomunicações da América do Sul, em 10 anos. A IIRSA está composta por 10 eixos de integração e desenvolvimento definidos conforme os fluxos atuais e potenciais de concentração econômica. Está sendo coordenada pelos 12 governos sul-americanos com o apoio técnico de três bancos multilaterais: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Também estão envolvidos no financiamento de projetos de integração o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o setor privado, este, através das empresas multinacionais, será o grande beneficiado na implantação desses projetos.

ComCiência - Quais são os projetos propostos pela IIRSA? Como está o andamento da implementação desses projetos?
Paim -
Atualmente, existe pouca transparência na forma que se identificam, avaliam e financiam os projetos da IIRSA. Segundo o BID, na primeira carteira de projetos da iniciativa foram realizados 189 estudos de projetos. Destes, 41 foram identificados como projetos "âncoras", que serão a base para o desenvolvimento de diversos outros projetos. No entanto, segundo o Informe Anual da CAF (2002) foram identificados cerca de 300 projetos de integração física na América do Sul, sendo que mais de 140 podem ser imediatamente executados e que requerem um investimento de US$ 23,5 milhões nos próximos cinco anos. Neste mesmo período, dezembro de 2002, estavam sendo executados pela CAF 60 projetos relacionados à IIRSA, dos quais 40 são de transporte, 10 de energia e 10 de telecomunicações. Enfim, não há informações objetivas sobre tal iniciativa, não se sabe o número total de projetos em andamento, a página na internet sobre a IIRSA não é atualizada e poucas pessoas têm conhecimento desse plano de integração da infra-estrutura da América do Sul.

ComCiência - A IIRSA integrará regiões preservadas, como o Pantanal e a Amazônia, com outras regiões do continente. Esta iniciativa pretende levar o desenvolvimento econômico a essas regiões? Quais seriam as conseqüências disso para o ambiente e as populações locais?
Paim -
Os grandes projetos planejados para a Amazônia trarão grandes impactos sócio-ambientais irreversíveis para essas regiões, como inundação de extensas áreas de floresta, aumento da produção de soja que ocasionará conversão de florestas em plantações e expulsão de agricultores familiares. Entre os projetos previstos está o Complexo do Rio Madeira que visa produzir 7,5 MWs de energia, através das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, e criar um sistema de hidrovias totalizando 4225 quilômetros no Brasil, Bolívia e Peru, que atingirá a bacia de seis rios na região amazônica desses países e, conseqüentemente, desalojará inúmeras comunidades indígenas e ribeirinhas. Outro projeto previsto é o da Hidrovia Paraná-Paraguai que prevê obras de mais de 3.400 Km no Rio Paraguai. Esse projeto pretende ligar Cáceres, no Mato Grosso, a Nueva Palmira, no Uruguai, para permitir a navegação de comboios de até 20 barcaças, durante 365 dias do ano e 24 horas por dia, reduzindo o custo do transporte para a exportação de grãos do Centro-Oeste do Brasil e de minérios. Caso seja implementado, o projeto vai ocasionar, entre outros impactos, a expansão da fronteira agrícola sobre o Pantanal Matogrossense - que é a maior área úmida tropical do mundo, protegida pela Convenção Ramsar -, sobre o Cerrado Brasileiro e o Chaco Boliviano e paraguaio. Além disso, causará danos irreparáveis às comunidades indígenas e ribeirinhas, que são em torno de 20, e que dependem do ecossistema equilibrado para sobreviverem.

ComCiência - Como a senhora avalia a participação da sociedade civil na iniciativa de integração, desde a sua criação até o momento atual?
Paim
- Até o momento, os grupos da sociedade civil têm sido excluídos do processo de discussão, não há informações atualizadas dos projetos e dos eixos de integração em desenvolvimento e, consequentemente, não existe espaço para que alternativas a esse modelo de integração sejam apresentadas. A integração regional deve ter como premissas a democracia e o direito à informação e à autodeterminação dos povos com a busca da utilização eficiente dos recursos naturais.

ComCiência - É freqüente a afirmação de que a tecnologia poderá minimizar os impactos ambientais causados por obras de infra-estrutura de transportes. Qual a sua avaliação sobre essa afirmativa?
Paim
- Essa afirmativa vem sendo usada também para obras de energia, como a construção de hidrelétricas. No entanto, as comunidades atingidas muitas vezes são retiradas de suas terras e não são indenizadas pelas empresas construtoras e tampouco pelos governos envolvidos. O interessante é que os projetos sejam analisados no seu contexto: se existe a possibilidade de repotencializar as hidrelétricas existentes, por que construir outras? Se, em alguns casos, existe a possibilidade de melhoramento de uma ferrovia porque construir uma rodovia?

Atualizado em 10/04/04

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