Entrevistas
Expansão hidroviária é a melhor alternativa para o transporte no Brasil Sergio Rocha Santos
Projeto milionário pode trazer graves prejuízos ambientais Elisangela Paim
Crescimento do sistema metro-ferroviário é a saída para o transporte público Jurandir Fernandes
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Expansão hidroviária
integrada à ferrovia é a melhor alternativa
para a matriz básica de transporte no Brasil
Sergio
Rocha Santos é professor associado do Departamento de Hidráulica
e Saneamento da Escola de Engenharia da USP de São Carlos. Pesquisou
e lecionou sobre a área de hidrovias e eclusas por 28 anos na Escola
Politécnica da mesma universidade. Por muitos anos chefiou a área
de navegação da empresa Themag Engenharia e atualmente é
consultor de firmas e órgãos governamentais. É autor
de diversos artigos e capítulos de livros relativos a esses temas.
Santos defende que seja desenvolvido no Brasil, um sistema integrado de
hidrovias e ferrovias, que permita a comunicação entre bacias
hidrográficas, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e na
Europa. Tal estrutura, segundo ele, reduziria o consumo de petróleo
gerando menos poluição, além de proporcionar autonomia
econômica para a produção de energia. O pesquisador
afirma também que o alto custo do transporte no Brasil acarreta
problemas na captação de recursos privados para o desenvolvimento,
além de onerar o custo das mercadorias e dos impostos necessários
para a manutenção do sistema de transportes.
ComCiência - O transporte hidroviário é avaliado como vantajoso, quando comparado a outros meios de transporte. Incluídos os impactos da implantação de hidrovias, em termos gerais, o senhor concorda com essa avaliação?
Santos Rocha Santos - Concordo plenamente. Porque as hidrovias são o modo de transporte de menor gasto energético. Verifica-se, por exemplo, na União Européia, onde a navegação fluvial é mais dispendiosa devido ao uso de muitas embarcações pequenas, que a energia específica despendida pelo modo hidroviário é da ordem média de 0,6 MJ por tonelada-quilômetro, enquanto, em condições semelhantes, a ferrovia despende de 0,6 a 1,0 MJ e os caminhões pesados de 0,96 a 2,22 MJ.
Outra vantagem das hidrovias é que elas são o meio de transporte de menor impacto ambiental em termos globais com a preservação dos combustíveis fósseis, por exemplo, e, em termos locais, uma vez que a navegação é um sistema de transporte privilegiado, comparado a outros, com relação ao meio ambiente físico e biótico, por ser de infra-estrutura natural. As hidrovias em rios naturais não secionam qualquer ecossistema, uma vez que o rio ou o lago natural faz parte de ecossistemas mais amplos com total integração entre margem e água, que ocorre com a perfeição do desenvolvimento da escala milenar da natureza.
Diga-se de passagem, que todos os países desenvolvidos, com potencial para hidrovias, realizaram-nas. Como, por exemplo, os Estados Unidos e os países da União Européia, cuja invejável rede hidroviária, em conjunto com ferrovias, formam a base da matriz de transporte de matérias primas agrícolas e minerais, bem como de produtos industrializados primários, como chapas, lingotes etc.
ComCiência - Qual a sua avaliação sobre os benefícios das hidrovias existentes?
Santos - A expansão hidroviária é formada pela incorporação de afluentes dos rios principais, como é o caso da hoje da discutida hidrovia do Tapajós e, em futuro mais distante, as ligações entre bacias. O desenvolvimento hidroviário significa, basicamente, a realização de aumento de profundidades mínimas, a construção de eclusas e a construção de terminais intermodais, ou seja, locais de comunicação das hidrovias com os outros tipos de transporte.
Com relação
aos benefícios das hidrovias existentes, esses são inequívocos.
As hidrovias em nosso país, consideradas todas as cargas, de longo
curso ou não, movimentam mais de 20 milhões de toneladas
por muitos milhares de quilômetros, economizando no custo do transporte,
pois é o modal de menor custo operacional; ancorando o valor dos
fretes dos outros modais de transporte, como é o caso do trecho
de São Simão a Pederneiras, na hidrovia Tietê-Paraná;
tornando competitivos produtos agrícolas em mercados internacionais
do hemisfério Norte, como ocorre com a soja na hidrovia do Madeira;
diminuindo drasticamente o consumo de combustível por tonelada
transportada, na parte da carga que lhe cabe, principalmente, em nosso
país, onde a atrofia e o sucateamento das ferrovias relega ao modal
rodoviário a maior parte do transporte de mercadorias.
ComCiência - E em relação aos impactos sócio-econômicos e ambientais?
Santos - Em geral, os impactos sócio-econômicos das hidrovias em operação têm sido benéficos. Esses impactos são bastante distribuídos, uma vez que exportações, economia de combustíveis, barateamento de frete de matérias primas, diminuição de poluição por caminhões em cidades, têm efeito no país como um todo. A economia de combustível, além de beneficiar a nação em termos de economia de divisas, pois ainda somos dependentes de petróleo, é fator promotor de benefício global, face à diminuição da queima de combustíveis fósseis.
Quanto a impactos sócio-econômicos negativos, pode-se citar acidentes, como os acontecidos na hidrovia Tietê, onde, na década passada, ocorreram abalroamentos (colisões) de pilares de pontes, o que levou, por vezes, ao impedimento das mesmas por algum tempo. Esse tipo de acidente, no entanto, com a quantidade verificada na hidrovia Tietê-Paraná, tem como causa principal a combinação de falta de investimentos em sinalização e proteção de pontes com o pouco treinamento e fiscalização de mão-de-obra operadora de comboios.
ComCiência - Mas essas obras visam especificamente a navegação?
Santos - Não. Os impactos relativos a reservatórios se devem principalmente ao fato de que as obras têm finalidade principal de geração de energia elétrica. Essas obras, devido à necessidade econômica de se instalar a maior altura possível, levam a reservatórios largos e profundos. Esses reservatórios, por vezes usados pela navegação, eventualmente, levam ao alagamento de áreas em extensões consideráveis, além de cobertura de jazidas, de sítios arqueológicos, que podem ocasionar a diminuição ou extinção de espécies piscosas antecessoras, etc.
Não são os grandes reservatórios, típicos das hidrelétricas de porte, os que visam a navegação. Reservatórios para navegação, muito pequenos em face da pouca profundidade necessária para as hidrovias, são controlados por barragens móveis que liberam o rio nas cheias. O impacto ambiental, desse tipo de reservatório, é mínimo e, no Brasil, existem não mais que quatro, situados no Rio Grande do Sul. A navegação fluvial no país, no entanto, exceção feita ao Amazonas, ao Paraguai e ao Araguaia, vem a reboque da exploração hidroenergética.
ComCiência - E com relação ao meio ambiente físico e biótico?
Santos - Nesse sentido pouco se verifica de negativo com relação às hidrovias. Alguma poluição localizada em terminais pode ocorrer, o que pode ser sanado com tecnologia e fiscalização e, eventualmente acontecem acidentes com cargas poluentes, como há pouco tempo ocorreu com uma barcaça no Amazonas que afundou com uma carga de petróleo. O petróleo, entretanto, foi recuperado.
ComCiência - Quais são os aspectos positivos e os negativos na construção de uma hidrovia?
Santos - A construção de uma hidrovia, quando bem planejada e projetada, tem muitos aspectos positivos, se comparada com a construção de infra-estruturas de estradas e ferrovias. O principal é que tudo se passa em cima de um leito existente. O próprio leito serve para transportar materiais, como cimento, por exemplo, e equipamentos mecânicos. Em geral os trabalhos realizados no rio, como dragagem e derrocamentos são de pequena monta, considerada a extensão, e são realizados respeitando-se a natural evolução morfológica do rio. No caso de rios canalizados, ou seja, com barragens sucessivas, para o aproveitamento hidrelétrico, em geral, quase nada precisa ser feito ao longo da hidrovia. As obras fundamentais são as eclusas, ou obras de transposição de nível. As eclusas de navegação são formadas por uma câmara de nível variável, alimentada por montante, onde se liga com o reservatório formado pela barragem. Para se ter uma idéia do uso de eclusas pelo mundo, a União Européia tem algo em torno de 700 eclusas; a China tem cerca de 900 eclusas, os Estados Unidos por volta de 230. O Brasil não tem 20 eclusas, mesmo consideradas as em construção: eclusas de Tucuruí e Lageado.
Quanto à construção de eclusas, no caso de aproveitamentos hidrelétricos, se executada junto com a barragem, não implica maiores impactos, em face do volume muitas vezes maior da própria barragem. Se executada a posteriori leva a alguma perturbação local, porém, em geral junto à barragem, que é uma área já degradada ambientalmente.
Impactos negativos, relativos à fase de construção hidroviária, são muito pequenos e se referem a acidentes que possam afetar as águas. Tais ocorrências quase inexistem em obras organizadas e bem dirigidas, como ocorre em países desenvolvidos.
ComCiência - Como tem sido a participação das comunidades locais no processo decisório relacionado à implantação de hidrovias?
Santos - A implantação de hidrovias, quer seja a implantação de hidrovia nova, como é o caso da hidrovia do rio Madeira, quer seja a implantação de melhorias em hidrovia existente, como é o caso da centenária hidrovia do Paraguai, vem sendo cada vez mais acompanhada e discutida pelas comunidades locais.
Infelizmente as nossas populações têm pouco acesso à informação, pouca formação política e é iniciante na participação em discussões sobre o gerenciamento da coisa pública. No nosso país os planos de desenvolvimento, incluindo os de transporte, sempre vieram de cima para baixo, servindo a interesses mais imediatos, pouco ligados ao planejamento nacional de longo prazo. Em conseqüência temos um país sobre rodas, com alto custo de manutenção, onde ferrovias e hidrovias são desconsideradas. Mais além, o alto custo de transporte no Brasil implica dificuldades no aporte privado de investimentos para o desenvolvimento, além de onerar toda a população, através do custo das mercadorias e de impostos necessários para a manutenção do sistema de transportes. Dessa forma, a participação das populações locais na implantação ou melhoria de hidrovias tem sido por vezes até bastante proveitosa, porém, muito voltada para questões localizadas, faltando consciência do mais geral. Esperemos que o esclarecimento e a politização se disseminem, através de educação, para termos evolução da já bastante boa participação das comunidades nas discussões.
ComCiência - Até que ponto os moradores locais podem ser beneficiados ou prejudicados pelas hidrovias?
Santos - Os benefícios mais imediatos e diretos, advindos das hidrovias para os moradores locais, são os relativos à atividade econômica, empregos, por exemplo, embora em número menor que os advindos de rodovia. No entanto, os benefícios são maiores na questão ambiental: a quantidade de combustível manipulada e queimada é muito pequena, por tonelada, e as cargas, em geral, como grãos e minérios, são de baixo potencial de poluição. Em alguns países europeus, o dono das terras por onde passa o rio, recebe remuneração, via pedágio hidroviário, o que o obriga à manutenção de margens, mata ciliar, etc.
Quanto aos prejuízos a moradores locais, observa-se que a hidrovia em si não traz conseqüências relevantes. Impactos negativos na população local advêm de desenvolvimento não sustentável, por exemplo, um pólo industrial criado sem critérios ambientais severos. Esse tipo de questão, no entanto, pouco ou nada depende do modal de transporte vinculado. Aliás, no exemplo do pólo industrial, o uso exclusivo do modal rodoviário tende a piorar a situação do meio ambiente local.
ComCiência - Quais os projetos de hidrovias que foram ou poderiam ser vantajosos?
Santos - Interessam para o país, em um primeiro momento, diversos projetos hidroviários, entre eles:
Hidrovia Tietê. Paraná Tramo Norte, de São Simão no Paranaíba até Pederneiras ou Conchas no rio Tietê. Essa hidrovia já carrega, no sentido interior capital, mais 1,2 milhões de toneladas de carga de longo curso, sendo necessárias pequenas inversões para correção de leito e maior compromisso de manutenção de níveis em Ilha Solteira e Barra Bonita por parte do setor elétrico, para garantir calado (profundidade mínima de água necessária para a embarcação flutuar) carregado mais tempo.
Hidrovia do Paraguai. Essa hidrovia é importante, para o desenvolvimento do Mercosul. No futuro, após a realização das eclusas de Itaipu, o mesmo papel caberá ao Paraná Tramo Sul.
Hidrovia do Tocantins. Essa hidrovia pode se tornar importante para escoamento da produção do cerrado e mesmo induzir o aumento dessa produção. No princípio, antes das eclusas de Serra Quebrada e de Tucuruí, a hidrovia poderá trabalhar conectada à ferrovia Norte-Sul, atingindo o privilegiado porto de Itaquí, na ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão.
Hidrovia do rio Madeira. Essa hidrovia já transporta cerca de 2 milhões de toneladas, principalmente de soja, em direção ao Porto de Itacoatiara, no Amazonas. Essa hidrovia é fundamental para o escoamento da produção de grãos do Noroeste do país, atingindo diretamente o transporte oceânico em ponto próximo aos mercados setentrionais.
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