Museus
de arqueologia passam por renovação
Alguns projetos arqueológicos recentes têm contribuído
para uma renovação da discussão sobre museus
de arqueologia no Brasil. Situados no interior do país, esses
projetos estão gerando museus que não são um
elemento dissociado da pesquisa em desenvolvimento, mas em constante
interação com a mesma. Além da divulgação
dos objetos arqueológicos pesquisados, são feitas
também oficinas culturais, exposições itinerantes
e o resgate das tradições e da história da
região onde o sítio arqueológico está
situado. Segundo os profissionais da área, caso sejam bem
planejadas, tais experiências podem abrir as portas para ações
educativas de preservação do patrimônio
histórico-cultural e até geração de
renda.
A professora
Maria da Conceição Beltrão, do Museu Nacional
do Rio de Janeiro, coordena uma dessas experiências no município
de Central, no interior da Bahia. A pesquisadora descreve que o
museu, situado no prédio de um antigo mercado da cidade,
tem sua origem ligada à divulgação de pesquisas
arqueológicas desenvolvidas há mais de 20 anos na
região, centradas na investigação sobre pinturas
rupestres de corpos celestes e diversos tipos de animais. No entanto,
também estão sendo divulgadas outras temáticas
complementares, como o significado da passagem da Coluna Prestes
pela região, além de pesquisas sobre plantas medicinais
e animais da fauna local, feitas com a colaboração
de pesquisadores do Instituto Butantan. "Nossa intenção
também é resgatar o 'saber caboclo' da região
e dar um retorno para uma população que precisa, inclusive,
de uma motivação econômica", completa a
professora. O projeto envolve também o vínculo com
a Associação de Artistas e Artesãos de Central,
que ela auxiliou a fundar, e que se propõe a retomar práticas
que estavam sendo abandonadas pelas gerações mais
novas, como o bordado típico da região. Nos próximos
anos, a pesquisadora pretende criar outros museus, dando seguimento
a um projeto denominado "o sertão vai virar museu".
O Museu
de Arqueologia e Etnologia Americana da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF) desenvolve, de forma semelhante, uma proposta
museológica associada às problemáticas regionais
onde o museu está inserido. Além de enriquecer a pesquisa
arqueológica, isso contribuiu para que o projeto "Mapeamento
Arqueológico e Cultural da Zona da Mata Mineira" fosse
viabilizado, por meio de parcerias com prefeituras da região.
Foram feitas exposições itinerantes e ações
educativas em forma de aulas expositivas, oficinas e pequenas mostras
de artefatos produzidos pelas próprias crianças nessas
atividades. Segundo uma das coordenadoras, Ana Paula Loures de Oliveira,
"estas ações têm motivado na nova geração
um olhar diferenciado para o patrimônio e até para
uma concepção de museu menos elitista, pois, até
então, esta era uma realidade distante das crianças,
principalmente daquelas oriundas de famílias mais simples."
De acordo com a pesquisadora, a arqueologia tem proporcionado a
possibilidade de uma conscientização para a importância
do museu enquanto espaço cultural e do seu papel na valorização
da identidade local, a partir da exposição de documentos
da história dos municípios e de artefatos arqueológicos
encontrados na região. "Estas ações têm
despertado nos dirigentes das comunidades e na própria população
local atingida pelo projeto, o interesse pela construção
de um local privilegiado enquanto espaço cultural e social
de todos", completa.
Esses
resultados ocorrem num momento em que é possível notar
um aumento do interesse do público em geral pela arqueologia,
mesmo nos museus mais antigos, localizados em centros urbanos. Para
o pesquisador Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia
e Etnologia (MAE) da USP, a Mostra do Redescobrimento do Brasil,
ocorrida em 2000, foi muito emblemática neste sentido: "Ficamos
surpresos com o interesse do público pela arqueologia brasileira.
Achávamos que isso era algo muito mais ligado ao interesse
de pesquisadores". Para o arqueólogo, as iniciativas
regionais contribuem para responder a essa demanda e também
encontram paralelos em algumas experiências desenvolvidas
fora do país. Na Europa, existem alguns sítios arqueológicos
que seguem a proposta de construir grandes "museus a céu
aberto", inclusive definidos como "museus de sítio".
No Brasil, ele cita como referência os casos do Parque
da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí
e outro em Saquarema, no Rio de Janeiro.
Pesquisador
trabalha no laboratório de restauro e conservação
do MAE/USP
Crédito: Sabine Righetti
Outro
aspecto que realça a importância dessas iniciativas
está associado a um esforço dos arqueólogos
de romper com alguns estereótipos relacionados à área.
Não é raro verificar que o conceito de museus de arqueologia
é vinculado a exposições de objetos considerados
relíquias coletadas por aventureiros. Para Ana Paula Loures
de Oliveira, que também é professora de Antropologia
na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a idéia do
museu abarcar o patrimônio extra-muros abre a possibilidade
de desmitificar a atividade do arqueólogo, apresentando as
etapas de trabalho em um contexto concreto.
O caráter
inovador dessas experiências é destacado, se considerarmos
que a história da arqueologia no Brasil, como campo acadêmico,
é relativamente recente. "A pesquisa [arqueológica]
ainda é 'adolescente' e a divulgação e valorização
do material e do conhecimento ainda é 'criança' ".
A afirmação é de Pedro Schmitz, professor da
Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). O pesquisador pontua
duas tendências que nortearam a constituição
de museus de arqueologia até hoje: "O museu pode ser
uma instituição científica que pesquisa e também
expõe, ou uma instituição de guarda e divulgação
dos acervos, não fazendo mais do que a pesquisa necessária
para a exposição e conservação do material".
Para ele, os grandes museus brasileiros foram incorporados às
universidades, assemelhando-se à primeira corrente. Schmitz
também inclui nesse grupo os pequenos museus recentemente
criados, ligados a projetos acadêmicos. Segundo o Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), existem aproximadamente 1.300 instituições
museais no Brasil, porém não existem dados disponíveis
relativos aos que desenvolvem atividades na área de arqueologia.
O ponto
crítico comum a todos projetos é a falta de um apoio
financeiro sistemático. Grande parte das verbas é
oriunda de instituições de fomento à pesquisa,
circunscritas a determinados projetos, com duração
estabelecida. Há também verbas cedidas por municípios,
que variam de acordo com as prioridades políticas conjunturais.
O Museu Nacional, por exemplo, passa por uma grande reestruturação,
que inclui desde mudanças na ocupação do palácio
até a implementação de novos projetos de conservação
e restauro. Esta reformulação está sendo financiada
por agências de fomento à pesquisa e pela Fundação
Vitae.
Imagens de fóssil de preguiça-gigante
que fazem parte
do Projeto de Renovação da Sala de Paleontologia do
Museu Nacional.
Segundo
Tania Andrade Lima, curadora das coleções arqueológicas
do Museu, as mudanças buscam tirar o "museu da situação
de abandono em que se encontrou nas últimas décadas",
o que contribuiu para que o mesmo deixasse de ser um cartão
postal do Rio de Janeiro e as pesquisas fossem bastante prejudicadas.
A pesquisadora
afirma também que as salas de exposição estão
sendo adequadas a padrões de qualidade internacionais e,
neste momento, está sendo dada uma ênfase especial
à preservação do acervo.
Algo
que é apontado como alternativa pelos pesquisadores é
o potencial turístico das regiões onde estão
localizados os sítios. Alguns museus têm alavancado
um crescimento econômico significativo nas áreas de
serviço e comércio. O museu paleontológio da
região de Peirópolis-Uberaba, mantido pelo Centro
de Pesquisas Llewelyn Ivor Prie, atraiu a visitação
de 175 mil turistas em 9 anos de existência. Implantado pela
prefeitura de Uberaba em 1991, o Centro tem projetos apoiados pela
Fapemig e realiza coleta e identificação de fósseis.
O "Museu dos Dinossauros" possui um acervo de mais de
1.500 peças e expõe esqueletos e réplicas de
dinossauros que ocuparam o território brasileiro há
aproximadamente 75 milhões de anos.
A professora
Ana Paula Loures de Oliveira concorda que o turismo tem sido fundamental
enquanto justificativa econômica para empreendimentos arqueológicos
regionais. No entanto, ela também destaca aspectos que vão
além dos ganhos materiais: "Atualmente, vejo a relação
entre os museus e o turismo como essenciais para a valorização
das tradições culturais locais, oferecendo à
população instrumentos para que possam receber seus
visitantes de cabeça erguida, como conhecedora de sua história
e consciente do valor das suas tradições culturais",
afirma.
(DC)
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