As Línguas Indígenas na Amazônia
   
 
Poema

Da pangéia à biologia molecular
Adalberto Luís Val

A biodiversidade e o novo milênio
Vera de Almeida e Val
Contrastes e confrontos
Ulisses Capozoli
As línguas indígenas na Amazônia
Panorama das línguas indígenas
Ayron Rodrigues
Lucy Seki e o indigenismo
As várias faces da Amazônia
Louis Forline
Euclides da Cunha
Isabel Guillen
Yanomami
Saúde dos Índios
Amazônia e o clima mundial
Manejo florestal
Niro Higuchi
Impactos ambientais
Cooperação internacional
Energia e desenvolvimento
Ozorio Fonseca
Interesse internacional
Programas científicos e sociais
Internacionalização à vista?
Indústria de off shore na selva
Marilene Corrêa da Silva
Peixes ornamentais

Produtos da Biodiversidade
Lauro Barata
Missão de pesquisas folclóricas

Radiodifusão para indígenas
Mamirauá
Vídeo nas aldeias
A música dos Urubu-Kaapor
 

Uma das áreas que têm crescido bastante nas últimas décadas dentro da ciência linguística é o estudo de línguas indígenas. A Amazônia possui um vasto material para esse campo de pesquisa e uma urgência cada vez maior de que estudos linguísticos sejam feitos ali. Da mesma forma que, por um lado, tem uma imensa diversidade em sua fauna e flora, e por outro, uma certa quantidade de espécies biológicas ameaçadas de extinção, a região amazônica possui uma extraordinária diversidade de línguas, com um bom número delas correndo sério risco de se extinguir em poucos anos.

Segundo o lingüista Aryon Rodrigues, da Universidade de Brasília (veja artigo), "a quantidade de línguas amazônicas faladas atualmente é de cerca de 240", distribuídas em três grandes famílias linguísticas (Aruák, Karíb e Tupi-Guarani) e outras 49 famílias menores. "O número de línguas em cada família varia de uma a cerca de 40", explica Rodrigues. Os pesquisadores fazem esse tipo de classificação baseados em estudos comparativos das línguas, e quando possível, na reconstituição histórica de sua origem e de suas transformações no decorrer do tempo.

Muitas línguas, no entanto, têm estudos apenas incipientes sobre elas e outras nunca foram documentadas. "É o caso do sabanê", conta Gabriel Antunes de Araújo, da Universidade Livre de Amsterdã (ULA). Ele é um dos linguistas integrados a um projeto voltado para o estudo de línguas da família Nambikwára, coordenado por Leo Wetzels, da ULA, e patrocinado pela Wotro, fundação holandesa de fomento à pesquisa em países tropicais. Desde a década de 30 já existe contato de antropólogos com os sabanê, que se autodenominam kulimãsi. "Mas essa língua só está sendo estudada agora, com esse projeto", revela Araújo. O sabanê é uma língua tonal, característica que os pesquisadores supõem ser de toda língua da família Nambikwára. Nas línguas tonais, existe um componente extra além dos segmentos sonoros vocálicos e consonantais. Trata-se do tom, ou melodia da fala, que altera o conteúdo semântico daquilo que se diz. O chinês e algumas línguas africanas como o banto são os exemplos mais estudados em tonologia. Segundo Araújo, até o momento, havia no Brasil pouquíssimos trabalhos nessa área da linguística.

Além de contribuir para a teoria lingüística em geral, o estudo de línguas como o sabanê é de fundamental importância para evitar sua extinção. A situação atual dessa língua é crítica, e os pesquisadores estão cientes disso. A cerca de 70 anos atrás, a tribo sabanê contava com aproximadamente 20 mil indivíduos. Hoje, restam no norte de Mato-Grosso, na área de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, menos de 100 índios sabanê, dos quais apenas 15 falam a língua de seus ancestrais. Os indivíduos da tribo com menos de 40 anos só falam o português.

O grau de inserção da língua portuguesa entre os índios brasileiros é bastante variável de uma tribo para outra. Entre os aweti do alto Xingu, por exemplo, "somente alguns homens adultos, entre 20 e 45 anos, sabem falar o português", conta o alemão Sebastian Drude, que tem contato com esses índios desde 1998. Professor da Universidade Livre de Berlim desde abril deste ano, Drude foi um dos contemplados para integrar o projeto da Fundação Volkswagen que financiará os estudos e a documentação de oito línguas ameaçadas de extinção ao redor do mundo.

O pesquisador alemão teve o seu primeiro contato com os aweti através de Bruna Franchetto, do Museu Nacional (RJ). Em sua primeira estada na aldeia, participou como instrutor no curso de formação dos professores indígenas do parque Xingu, organizado pelo Instituto Sócio-Ambiental (ISA). Nessa etapa de seu trabalho de campo, contou com o apoio da FINEP e do Museu Emílio Goeldi (PA).

Drude já elaborou hipóteses sobre a fonologia do aweti e recolheu material para estudo da morfologia e sintaxe da língua, através de gravações e anotações em seu trabalho de campo. Ele reconhece, no entanto, que o estudo da gramática aweti ainda está muito incipiente. O pesquisador alemão também fez registro de relatos de mitos indígenas e filmou, entre outras coisas, um documentário sobre a preparação e celebração da festa do Kuarup. O material filmográfico produzido por Drude no Xingu integra o acervo do Museu Goeldi. Segundo ele, quando se fala em extinção de uma língua e de uma etnia, "não se pode ter em mente apenas a perda de um objeto de estudo de uma disciplina científica, mas a perda de povos e culturas, e com isso concepções ricas e muito valiosas do mundo".

Bruna Franchetto, do Museu Nacional, que acaba de lançar Os Povos do Alto Xingu: História e Cultura pela editora da UFRJ, fez um levantamento sobre o estágio atual de documentação de línguas indígenas no Brasil. Ela apresenta o resultado desse trabalho em seu artigo que integra o livro As Línguas Amazônicas Hoje (veja resenha) lançado este ano pelo Instituto Sócio-Ambiental. Segundo Franchetto, 34 línguas possuem uma boa documentação, sendo 28 da região amazônica; 23 línguas não possuem documentação alguma, e um grande número (114, segundo os registros do Museu Nacional) possui documentação apenas parcial. Ela explica que as línguas com pouca ou alguma documentação incluem as que têm registro e análise de dados fonológicos e morfossintáticos.

Franchetto também participará do projeto da Fundação Volkswagen, com o estudo e a documentação do kuikuro. Além dela e de Drude, há ainda a participação de Raquel Guirardello, do Instituto Max Planck de Psicolingüística, da Holanda, que trabalha com o registro do trumai. "Os três projetos no Brasil são todos sobre língua da região do Alto Xingu, permitindo assim comparabilidade de dados e resultados, numa cooperação contínua", diz Franchetto. Ela já trabalha com os kuicuro desde 1976, e Guirardello tem mais de dez anos de experiência no contato com os trumai. Drude, por sua vez, contou com a colaboração de Ruth Monserrat, da UFRJ, que lhe deu acesso a seus dados sobre o aweti colhidos na década de 70.

Alguns dos trabalhos de registro de línguas indígenas são feitos a partir da iniciativa dos próprios índios. É o caso do livro Shenipabu Miyui: história dos antigos, que saiu este ano pela editora da UFMG. Trata-se de uma coletânea de lendas indígenas contadas, escritas e ilustradas por índios kaxinawá e realizada pela Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC). São histórias como a "da Feiticeira Cega", "do Relâmpago e do Trovão", da Arara Misteriosa" e "da Origem dos Remédios da Mata", que aparecem no livro em versões bilíngues: kaxinawá e português.

   
           
     

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Atualizado em 10/11/2000

   
     

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