Excentricidade
e mitificação marcam a vida de Albert Einstein
No próximo dia 14 de março,
a famosa foto de Albert Einstein com a língua de fora completará
54 anos. Tirada em 1951, quando o físico tinha 72 anos, a foto revela,
no mínimo, uma certa excentricidade de Einstein em meio aos colegas
da academia. Einstein era assim: uma figura que saiu do anonimato com trabalhos
que mudaram o rumo da física, tornou-se o primeiro cientista “pop”
do meio acadêmico, envolveu-se em questões políticas e
sociais e, além do Prêmio Nobel e de várias reverências,
foi nomeado recentemente pela revista norte-americana Time como “homem
do século XX”. Tal prestígio marcou grande parte da vida
do cientista e criou lendas em volta do, talvez primeiro, cientista-ídolo
da história da academia.
Reprodução
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Foto tirada do livro
Albert through the looking glass-the personal papers of Albert Einstein,
organizado em 1998 pela Universidade de Jerusalém
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Einstein
teve uma vida tumultuada, digna de uma celebridade, com a diferença
de que, no mundo da ciência, não é comum ser uma "personalidade".
O físico conquistou o mundo acadêmico em 1905, aos 26 anos, com
a publicação de cinco artigos, sendo dois sobre a teoria da
relatividade. Sua distinção dos demais
cientistas da época começa aqui: Einstein não atingiu
seus resultados fazendo pesquisas numa universidade ou instituto de pesquisa,
ancorado por nomes mais experientes na física. Após se formar
como físico em Zurique, na Suíça – país
para o qual se mudou depois da falência dos negócios da família
na Alemanha – ele se debruçou sobre a física, sozinho,
quando não estava no escritório de patentes em que trabalhava.
Com os resultados atingidos, Einstein deixa o escritório para lecionar
em Praga e, no início da Primeira Grande Guerra (1914), volta para
Alemanha para dirigir o Kaiser Wilhelm Institute, em Berlim. Sua
posição como grande físico e pesquisador estava consolidada.
A
popularidade de Einstein, no entanto, veio depois de 1919, ano da comprovação
de um dos aspectos de sua teoria da relatividade a partir da observação
de um eclipse solar em dois pontos do planeta: em Sobral, no Ceará,
e na Ilha de Príncipe, na África (leia
mais sobre o assunto). De acordo com Alfredo Tiomno Tolmasquim, diretor
do Museu de Astronomia e Ciência Afins (Mast) do Rio de Janeiro, o fato
foi bastante repercutido na mídia da época, que trazia manchetes
do tipo “ele provou” estampadas nos jornais. “A partir de
então, Einstein passou a ser conhecido além do mundo científico
e foi transformado em um gênio”, afirma Tolmasquim.
Gênio
construído
A
mídia teve um papel fundamental na formação da imagem
de Einstein e do estereótipo de um gênio. O uso de imagens como
estereótipos é um artifício comum na comunicação,
principalmente na mídia publicitária, que visa a compreensão
rápida e direta do receptor. “Com a aparição excessiva,
a imagem do físico passou a aludir à genialidade, diretamente”,
diz o pesquisador de semiótica Luciano Guimarães, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp). De acordo com ele, Einstein não foi o único
a ter sua imagem estereotipada e generalizada: o mesmo acontece com a imagem
de Sigmund Freud, representando os psiquiatras. “Quase sempre quando
aparece um psiquiatra num filme, ele será calvo, grisalho e com óculos
redondos, em alusão direta ao Freud”, ressalta.
Muitos
conhecem a figura de Einstein, mas poucos sabem, de fato, dizer o que ele
fez para a física. Em um artigo publicado em janeiro pela revista científica
Nature, o pesquisador John Barrow, do Centro de Matemática
e Ciências da Universidade de Cambridge reconhece que o fato das teorias
de Einstein serem repletas de palavras familiares, como energia e massa, fez
com que as pessoas criassem certa familiaridade com os termos usados em seus
trabalhos, mesmo sem compreender de fato como esses termos eram aplicados
nas teorias. Com isso, surgiram até ditados populares que ganharam
fama no mundo todo, como o célebre “tudo é relativo”.
Foram criadas lendas acerca da vida do Einstein, como a de que ele foi um
mau aluno nos tempos da escola. “Einstein era autodidata, faltava às
aulas para estudar por conta própria e nunca foi mau aluno. Sua única
dificuldade era em línguas”, explica o jornalista Cássio
Leite Vieira, aficionado pela vida do físico alemão.
Einstein
famoso, político e judeu
No
contexto de fama e popularidade, Einstein passou a visitar institutos e universidades
de todo o mundo para dar palestras, iniciando um longo período de viagens.
Seguiu primeiramente aos Estados Unidos, Europa e Japão, mas não
deixou de passar rapidamente pelo Brasil, em 1925, durante sua viagem pela
América Latina, atendendo a um convite da Universidade de Buenos Aires.
Ele foi o primeiro cientista alemão de renome a visitar a Inglaterra
depois da Primeira Grande Guerra – não foi à toa: ele
era um pacifista e logo descobriu a força que tinha para dar voz a
movimentos internacionais pela paz. Por causa disso, chegou a ser encarado
como um traidor da Alemanha. “Enquanto a maioria dos cientistas se envolvia
em esforços da guerra, ele foi um dos poucos que levantou a voz a favor
do pacifismo e contra a guerra”, destaca Tolmasquim. “Com a notoriedade,
ele passa a ser muito festejado e muito atacado também, pelas suas
idéias pacifistas e por ser judeu”, complementa.
Einstein
engajou-se nas causas judaicas, justamente num período histórico
em que os judeus lutavam pela criação de um estado próprio
– num movimento conhecido como sionismo – e sofriam duras perseguições.
Por causa disso, pensou várias vezes em sair da Alemanha, o que aconteceu
quando Hittler tomou o poder, em 1933. Na época, Einstein estava na
Bélgica, a caminho da Alemanha. Com a notícia, ele viajou para
os EUA, onde ficou até sua morte em 1955. Parte do seu material de
trabalho foi destruído pelos nazistas na Alemanha.
Mesmo
dos Estados Unidos, o físico continuou intercedendo em favor dos judeus.
“Existem cartas dele até para Osvaldo Aranha, que era o ministro
das relações exteriores durante o governo do Getúlio
Vargas, solicitando intervenções em prol dos refugiados da Alemanha”,
enfatiza Tolmasquim. Durante a guerra, ele fez uma carta ao então presidente
dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, afirmando que a Alemanha tinha condições
de desenvolver a bomba atômica, por isso os Estados Unidos deveriam
se apressar. A carta é considerada por alguns pesquisadores uma das
molas propulsoras do Projeto Manhattan, que construiu as bombas de Hiroshima
e Nagasaki. Outros pesquisadores contestam: “os americanos não
acreditavam em Einstein, achavam que ele era comunista”, explica o diretor
do Mast. (leia mais sobre o assunto).
Com
uma conturbada vida pessoal, marcada por esforços em prol da física,
da paz e dos judeus, casou-se duas vezes, separou-se da primeira esposa depois
de 11 anos e com a segunda esposa passou 17 anos, até ficar viúvo.
Foi durante esse segundo casamento que tornou-se conhecido e ganhou o Prêmio
Nobel em 1921 – popularidade aprovada pela segunda esposa, que fazia
questão de administrar a vida pessoal do físico e de cuidar
da sua imagem. Mas ele se sentia um estranho em sua própria casa de
classe média, na qual dormia no corredor, já que os quartos
eram ocupados pelos filhos e pela esposa. Mesmo casado e com filhos, mesmo
popular, mesmo gênio, Einstein continuava no isolamento que manteve
na sua infância, como se estivesse sempre formulando mais uma teoria
da física.
Foto
polêmica e eternizada
O contexto no qual a foto de Einstein foi tirada divide pesquisadores
e aficionados pela sua história. A teoria mais aceita é
a de ele teria sido fotografado a pedido do fotógrafo Arthur
Sasse, que solicitou uma pose para comemorar seus 72 anos. Outras vertentes
acreditam que a foto tenha ligação com uma campanha anti-bomba
atômica, num contexto pós Segunda Guerra Mundial. O físico
pedira que as pessoas encaminhassem cartas ao governo alemão
solicitando o fim dos planejamentos nucleares e sugeriu que sua língua
fosse emprestada para “selar’ tais cartas. Numa terceira
hipótese, Einstein teria sido fotografado na saída de
um hospital nos Estados Unidos, também a pedido do fotógrafo.
De qualquer maneira, Einstein gostou da imagem, tanto que, de acordo
com o jornalista Cássio Leite Vieira, encaminhava a foto para
os amigos, autografada. |
(SR)
Leia
mais sobre o assunto:
-Einstein,
o viajante da relatividade na América do Sul, de Alfredo Tiomno
Tolmasquim. Ed. Vieira&Lent, RJ, 2004.
-Einstein,
o reformulador do universo, de Cássio Leite Vieira. Ed. Odysseus,
SP, 2003
-“Sutil
é o senhor...” – a ciência e a vida de Albert Einstein,
de Abraham Pais. Ed. Nova Fronteira, RJ, 1982.
-Science
in public – communication, culture and credibility, de Jane Gregory
e Steve Miller. Plenun Press, NY, 1998.