Viagem
no tempo: teoricamente possível, tecnicamente inviável
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Filme
"The Time Machine" produzido em 1960. Baseado na obra de H.G.Wells |
“Imagine
o espaço como...” Um texto que começa com essa frase leva
a pensar que em seguida virá a explicação de alguma teoria
complicada que por meio de analogias se torna mais compreensível. A
teoria da relatividade, elaborada pelo famoso físico Albert Einstein
entre os anos de 1905 e 1916, é um dos modelos científicos que
mais sofre com esse tipo de simplificação. “Na minha opinião
a maioria das tentativas de divulgação da teoria da relatividade
geral, feitas até hoje, foram mal sucedidas”, desabafa o físico
da Universidade Federal Fluminense, José Antônio e Souza. A chance
de cometer erros, segundo ele, aumenta quando se tenta aproximar os conceitos
da teoria da relatividade a aplicações tecnológicas,
alimentando o imaginário humano com possibilidades tais como a de viajar
no tempo (leia mais
sobre este assunto).
Não,
nem tudo é relativo
A popularização da teoria
da relatividade fez com que o conceito de que tudo é relativo também
se tornasse um jargão. Mas atribuir a expressão “tudo
é relativo” a Einstein e anunciá-la como um dos pressupostos
da teoria da relatividade é outra história. Para ele, TODO MOVIMENTO
é relativo. Aliás, a teoria da relatividade foi chamada por
seu autor de Teoria dos Invariantes e não há nada menos relativo
do que algo “invariante”.
“Para Einstein, um modelo só merecia confiança quando
não dependia do referencial”, salienta Souza.
Sendo coerente com esse pensamento, quando
propôs entre os anos de 1905 e 1907 a teoria da relatividade restrita
ou especial, Einstein se baseou em dois postulados
fundamentais. O primeiro coloca a velocidade da luz como única invariante
e como conseqüência disso, nenhum tipo de matéria ou unidade
portadora de informação consegue ultrapassar a velocidade de
aproximadamente 300 mil quilômetros por segundo. Este postulado tem
resistido a vários testes feitos com a utilização de
aceleradores de partículas. O segundo é justamente o de que
as leis que descrevem fenômenos físicos não podem depender
do movimento do observador, ou seja, de que o comportamento da natureza (fenômenos)
acontece da mesma forma em todo o universo.
Dilatação
do tempo
A teoria da relatividade prevê que
os objetos em movimento sofram o efeito de dilatação do tempo
que pode ser maior ou menor de acordo com a velocidade. Assim, o tempo para
um objeto ou para uma pessoa dentro de outro objeto em alta velocidade passa
mais lentamente do que para objetos que se movimentam a baixas velocidades.
Esse efeito já foi observado em testes com relógios de alta
precisão colocados em aeronaves muito velozes e poderia, em tese, ser
utilizado para fazer uma “viagem de sentido único para o futuro”.
Para um astronauta que viajasse a uma
velocidade de 98% da velocidade da luz, cada ano percorrido por ele corresponderia
a cinco anos passados no tempo da Terra. Caso essa viagem durasse 20 anos,
ele teria viajado 20 anos em direção ao futuro, envelhecendo
apenas quatro anos. “A dilatação do tempo, na teoria da
relatividade restrita, é um efeito puramente cinemático. O atraso
nos relógios dos observadores deve-se única e exclusivamente
ao seu estado de movimento”, enfatiza o físico Carlos Romero
Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mas, antes de entender como ocorre o efeito
de dilatação do tempo é importante entender o conceito
de espaço-tempo que é fundamental para a teoria da relatividade
geral. A junção de espaço e tempo em um único
conceito foi proposta por um ex-professor de Einstein, o matemático
Herman Minkowski, em 1908. Por meio desse novo modelo os objetos e eventos
tinham que ser pensados de forma quadridimensional (4D) descritos através
de três coordenadas de espaço (comprimento, largura e altura)
e o tempo. “A representação do mundo por coordenadas cartesianas,
através de um modelo bidimensional foi alternado a partir daí”,
acrescenta Souza.
Segundo Romero, a dilatação
do tempo acontece pelo simples fato de que no espaço-tempo de Minkowski,
partículas não aceleradas seguem curvas geodésicas que,
ao contrário do que se passa no espaço euclidiano, podem ser
definidas como curvas que maximizam a distância entre dois pontos. “Quero
dizer aqui que o campo gravitacional não entra em jogo, e que o atraso
nos relógios dos observadores deve-se única e exclusivamente
ao seu estado de movimento acelerado”, esclarece Romero.
Na verdade, foi Minkowski e não
Einstein quem expôs a idéia de que o espaço e o tempo
dependem crucialmente do observador e são, portanto, relativos. “A
distância espacial entre dois eventos não é a mesma para
dois observadores em estado de movimento diferente. O tempo também
não flui igualmente para esses observadores”, exemplificou o
físico.
Distorções
no espaço-tempo e viagens no tempo
Foi com base nesse conceito de espaço-tempo
que Einstein formulou sua proposta de geometrizar a gravitação
na teoria da relatividade geral. Para ele a geometria do universo é
curva e não plana. “Olhando em retrospectiva, vemos que seria
impossível realizar essa tarefa mantendo espaço e tempo como
grandezas independentes e separadas”, analisa Romero.
Para Einstein, o espaço-tempo envolve
todos os objetos maciços (planetas, estrelas...) através de
seu encurvamento. E esse encurvamento é o que se chama de “força
da gravidade”, que não é na verdade uma força,
mas sim a curvatura do espaço-tempo sobre a matéria. Em campos
gravitacionais fortes, próximos a objetos de grande massa, também
ocorre o fenômeno de dilatação do tempo, mas nesse caso,
devido à aceleração. “Quando se trata de gravidade
o único fato é que todos os corpos caem, todas as outras explicações
são modelos. Einstein propôs um outro modelo, diferente do newtoniano
para o qual a gravidade era uma força de atração”,
sintetiza Souza.
E, em maio de 1919, uma expedição
de cientistas feita à cidade de Sobral, no Ceará, conseguiu,
por meio de imagens feitas durante o eclipse solar, fortes evidências
sobre essa curvatura no espaço-tempo. As fotos mostraram que a luz
das estrelas localizadas próximas ao sol realmente sofriam pequenos
desvios. Esta foi a primeira comprovação empírica de
uma previsão da teoria da relatividade geral.
Segundo Romero, a entrada em cena do campo
gravitacional, agora como uma geometria do espaço-tempo, revolucionou
completamente a maneira de encarar o espaço e o tempo. Isso porque
essa geometria não é, como na teoria newtoniana e euclidiana,
estática. “Em termos cosmológicos, a geometria do espaço-tempo
assume um caráter dinâmico, e é assim que procuramos descrever
hoje a evolução do universo”, conta o físico da
UFPB.
Curvas
fechadas de caráter temporal
Em 1949, o matemático austríaco
Kurt Gödel encontrou uma solução para as equações
da relatividade geral que demonstrava a existência das chamadas curvas
fechadas do tipo-tempo que existiriam graças às deformações
do espaço-tempo provocadas pela gravitação.
Essa formulação foi possível
porque, segundo a teoria da relatividade, qualquer partícula material
possui uma linha de universo do tipo-tempo que está sempre confinada
no chamado cone de luz local. Essa idéia expressa matematicamente o
fato de que nada pode viajar mais rápido do que a luz. No entanto,
Gödel demonstrou que a gravitação pode 'entortar' esses
cones de luz e fazer com que as curvas do tipo-tempo fechem-se sobre si mesmas
provocando um retorno ao passado. “Saindo da linguagem dos físicos,
o que isso quer dizer é que é possível um viajante, sem
violar o princípio relativista de que a velocidade da luz é
a maior velocidade possível, voltar para o seu passado, descrevendo
uma linha de universo fechada”, explicou Romero.
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Simulação de
buraco negro: Poderiam ser usados como 'máquinas do tempo' ? |
Existem
ainda, outras situações diferentes do universo de Gödel,
tais como nas proximidades de um buraco negro ou dos chamados "buracos
de minhoca" ,
em que essa volta ao passado seria teoricamente possível. “A
grande dificuldade em se aceitar que uma partícula material possa ter
uma linha de universo que permita uma volta ao passado é o problema
da aparente violação da causalidade que provoca paradoxos relacionados
à mudança do passado”, acredita Romero. A série
“De
volta para o futuro ”, de Robert Zemeckis oferece exemplos de paradoxos
temporais que poderiam acontecer caso as viagens no tempo fossem possíveis.
“Mas é claro que uma viagem no tempo nunca seria possível
em um carro como aquele”, ironiza Souza.
Apesar
da possibilidade teórica de se viajar no tempo, quem espera poder participar
de uma viagem desse tipo não tem muitos motivos para se animar. Segundo
a opinião dos dois físicos especialistas em relatividade, as
dificuldades tecnológicas de tal empreitada tornam a possibilidade
muito remota. “Por mais que avance nossa tecnologia, não acredito
que seja possível algum dia empreendermos uma viagem ao passado na
forma como essa possibilidade se apresenta teoricamente na relatividade geral”,
acredita Romero. “Apesar de haver a possibilidade teórica, com
as tecnologias que dispomos hoje, seria necessário uma quantidade de
energia superior a que dispomos em todo planeta”, acrescenta Souza.
Também
para ambos seria pouco desejável o investimento hoje em pesquisas com
a finalidade de descobrir tecnologias que possibilitem viagens no tempo. “Não
acredito que existam grupos de pesquisa trabalhando hoje na construção
de máquinas do tempo ou coisas do tipo. Na minha opinião, se
as viagens no tempo se tornarem possíveis algum dia, isso será
fruto de idéias simples e não de pesquisas e tecnologias caras
e complexas”, finaliza Souza.
(MT)