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Escritos sobre a universidade
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Escritos sobre a universidade
Marilena Chauí, Ed. Unesp, 2001


por Rafael Evangelista

Uma das grandes qualidades de um texto de reflexão está em dar sentido a fatos que são, apenas aparentemente, desconexos. Essa talvez seja a maior contribuição da coleção de ensaios da professora da USP Marilena Chauí reunidos no livro intitulado Escritos sobre a universidade. Em oito textos - um escrito na década de 1970, outro na de 1980 e o restante na década de 1990 - a autora analisa as transformações que a estrutura universitária brasileira sofreu desde as reformas iniciadas durante o regime militar até as mais recentes medidas implementadas durante a última década, derivadas do modelo de administração neoliberal. Com um poder de observação agudo, ela não perde a perspectiva histórica e mostra como o processo de sucateamento do ensino superior brasileiro começou há mais de trinta anos, quando os militares transformaram a universidade em meio de ascenção social e prestígio para os filhos da classe média, culminando com a identidade entre as propostas da última gestão do Ministério da Educação e o ideário privatizante.

É na introdução do livro, intitulada "A universidade na sociedade", que Chauí estabelece a grande análise teórica que dará base às discussões presentes nos capítulos seguintes. Na análise, a autora comenta o contexto sócio-político que deu origem e no qual cresceu o neoliberalismo, mostrando como este casou-se perfeitamente com o perfil autoritário que sempre qualificou a sociedade brasileira. No Brasil, diferentemente do que ocorreu com os países europeus, o neoliberalismo encontrou uma sociedade em que o Estado de Bem Estar Social não chegou a ser implantado. "O neoliberalismo nos cai como uma luva, porque nos afirma idéias e práticas anti-democráticas", diz Chauí.

O pós -modernismo também é criticado, sendo descrito como a ideologia que acompanha a nova forma de capitalismo neoliberal. "Para essa ideologia, a razão, a verdade e a história são mitos totalitários; o espaço e o tempo são sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compreensão dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga todo contato com o espaço-tempo como estrutura do mundo; a subjetividade não é a reflexão, mas a intimidade narcisística, e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso do sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de linguagem, que representam jogos de pensamento". Como resultado dessa ideologia, Chauí aponta a emergência das engenharias aplicadas aos diversos setores da pesquisa (a engenharia genética, a engenharia política, a engenharia social). A ciência contemporânea reproduziria a ilusão dos magos renascentistas de que podem "criar a própria realidade e, agora, a própria vida", abdicando da contemplação e da descrição da realidade, que não mais existe.

As críticas de Chauí são contundentes também com relação à "modernização" da universidade pretendida por alguns setores da sociedade. No texto "Modernização versus democracia", ela analisa a insatisfação geral da sociedade com a universidade mas matiza as diferentes demandas ligadas aos diferentes setores da sociedade. As classes altas, as médias, as baixas, os professores, os alunos e os funcionários, unidos por uma mesma insatisfação derivada de suas diferentes posições sociais, têm expectativas e visões diferentes sobre como deve ser a universidade brasileira. Enquanto a classe média queixa-se da diminuição do prestígio das carreiras universitárias e os trabalhadores manuais queixam-se das dificuldades para entrar nela, as empresas criticam a inadequação dos profissionais que saem das universidades para a ocupação de seus quadros.

Outro ponto discutido são as avaliações de produtividade a que a universidade brasileira vêm sendo submetida. Chauí critica os métodos quantitativos de avaliação que trazem critérios desenvolvidos nas empresas para o ambiente universitário. Também é questionada a falta de transparência desses critérios e a falta de diálogo na constituição dos índices. Diz ela: "O primeiro aspecto que impressiona nesse procedimento é o desinteresse de quem 'mede' e 'avalia' pelo que os próprios universitários possam entender por medida e avaliação. Em particular, merece atenção o deslizamento da noção controvertida de produção para a de produtividade e a identificação entre esta última e a quantidade de publicações, deslizamento incompreensível quando se leva em conta a multiplicidade de atividades que os universitários realizam e das quais a publicação é a menos apta à medida, uma vez que os autores estão sujeitos ou às decisões do mercado editorial ou às dificuldades e lentidão das editoras universitárias".

Em geral, as propostas sugeridas pela autora para uma reforma alternativa às de caráter neoliberal, mercantilistas e empresarial estão baseadas em práticas democráticas radicais, com envolvimento e discussão de soluções entre os diversos atores (professores, alunos, funcionários e todas as classes sociais). A partir da perspectiva histórica que a autora coloca sobre as três "reformas" principais pelas quais passou a universidade brasileira (a promovida pelo regime militar, a derivada da redemocratização nos anos 80 e a neoliberal dos anos 90), percebe-se como acontecerão as mudanças que levaram ao desenho atual. Essa visão dá ao leitor a possibilidade de imaginar uma universidade que vá além das propostas correntes de adequação a princípios de mercado e que tenha a construção do pensamento crítico e autônomo com o seu objetivo principal.

Atualizado em 10/02/03
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2003
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Brasil