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genética - O sétimo dia da criação A
bioprospecção no Brasil - Contribuições
para uma gestão ética |
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bioprospecção no Brasil - Contribuições
para uma gestão ética. por Érica Speglich A bioprospecção - exploração da biodiversidade para a geração de produtos de valor comercial, como medicamentos e cosméticos - tem se tornado um tema de discussão e disputa internacional. Uma disputa que envolve a divisão justa dos lucros provenientes da comercialização desses produtos entre seus produtores e os que possuem uma grande biodiversidade e conhecimentos de como utilizá-la. Uma questão delicada e envolvida por interesses muitas vezes conflitantes de diversos atores. Paulo Sant'Ana enfrenta essa problemática propondo, como cerne da discussão, uma nova ética para a ação humana. Uma "ética da responsabilidade" baseada nos pensamentos de Hans Jonas (1903-1993) que tem em seu núcleo a preocupação com a totalidade da natureza e com as gerações futuras. O caráter transnacional dessas discussões traz, para o autor, uma necessidade de ampliação das discussões sobre a crise ecológica e a perda da biodiversidade, de uma questão científico-tecnológica para uma questão político-ética. Um pensamento que permeia toda a obra e as análises nela presentes. Duas arenas de discussão internacional foram enfocadas com o intuito de entender como essas questões políticas e éticas emergem, principalmente com relação aos direitos de propriedade intelectual das populações indígenas e tradicionais e a divisão eqüitativa de produtos gerados a partir desses conhecimentos. Esses espaços, muitas vezes conflitantes, foram o acordo Trips (Aspectos relacionados ao comércio de Direitos de Propriedade Intelectual) da Organização Mundial de Comércio (OMC) e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidades, organizada durante a ECO-92. Arenas recheadas de disputas entre países detentores de grande tecnologia para a produção de fármacos e outros produtos derivados da biodiversidade (Estados Unidos e Europa), interessados em regulamentar rapidamente as patentes internacionais sobre organismos vivos e processos biológicos (alvo principal do acordo Trips), e países detentores da biodiversidade, preocupados com a chamada biopirataria (comércio ilegal da biodiversidade) e interessados em transferência de tecnologias e divisão dos lucros (alvo da CDB), onde se inclui o Brasil. Procurando analisar as possibilidades de implementação de atividades de prospecção baseadas nos preceitos da CDB, Paulo Sant'Ana destrincha o que chama de "cadeia produtiva da bioprospecção para novas drogas terapêuticas". O autor traz os passos envolvidos desde a concepção até a fase de marketing de uma nova droga e exemplificações das possibilidades de retorno de benefícios resultantes dessa prospecção. A partir disso, analisa minuciosamente diversas experiências internacionais e nacionais, um exercício extremamente rico que mostra como essas questões, nas diferentes práticas existentes, foram encaminhadas e resolvidas e quais os problemas encontrados. É importante ressaltar que essas análises foram realizadas levando-se em consideração os aspectos jurídicos dos países envolvidos, o que a torna ainda mais rica. Em parte do Capítulo 3 ("O contexto brasileiro para a bioprospecção: o ordenamento jurídico brasileiro") o autor enfoca os mecanismos legais para a proteção da biodiversidade no Brasil, trazendo interpretações da Constituição Brasileira, da medida provisória e das leis e decretos relacionados ao tema. Entre as experiências brasileiras analisadas está o acordo entre a BioAmazônia e a multinacional Novartis, alvo de grande controvérsia na época de sua assinatura (maio/2000) por não envolver a transferência de tecnologias nem a divisão de propriedade das descobertas para o Brasil, motivos que levaram ao cancelamento da parceria pelo Ministério do Meio Ambiente e à aprovação da Medida Provisória 2.052 "sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios derivados de sua utilização". Essa Medida Provisória ainda está em vigor e se encontra em discussão para transformação em lei e regulamentação. O autor segue buscando avaliar a competência científico-tecnológica para a bioprospecção (incluindo uma análise dos mercados brasileiro e mundial de fitoterápicos e das ações governamentais de fomento) e, como resultado de sua pesquisa de campo, identifica potenciais atores para a bioprospecção no Brasil, divididos por sua esfera de origem - produção e consumo, comunidades indígenas e governo - procurando compreender as motivações que levam ao envolvimento ou não com atividades de bioprospecção, as razões e problemas para efetuação de parceiras entre os diferentes setores e os interesses envolvidos para a implementação de tais atividades. Uma das conclusões tiradas dessa vasta pesquisa foi que os fatores que levam à busca por atividades de bioprospecção são extremamente imediatistas, que "os problemas da biodiversidade vêm do fato de que a atividade econômica tornou-se um fim em si ao invés de um meio a serviço de finalidades humanas" e que as comunidades indígenas são consideradas de importância secundária. Fatores que, se não forem considerados, podem levar à implantação de atividades e programas institucionais que não realizam os objetivos da CDB. "Chega-se então à questão da responsabilidade ética, ao momento em que a economia - nela incluída a atividade científico-tecnológica - não pode mais isolar a questão dos valores: o que pode justificar que privemos hoje o conjunto das gerações futuras de uma riqueza que nos é oferecida pela natureza e que sequer temos a capacidade de avaliação de sua importância? Ao se colocar essa questão, portanto, fomos obrigados a ampliar a questão científico-tecnológica para a questão ético-política". |
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Atualizado em 10/04/03 |
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