Jared
Diamond
Ed. Record, 2005
Por
Flávia Natércia
"Chassez le naturel, il revient
au galop!" (Expulse o natural, ele volta a galope).
A julgar por parte do discurso proferido sobre a mudança
climática em curso, o aquecimento global, que fala
de vingança ou revolta da natureza contra a artificialidade
crescente do ambiente criado pelos seres humanos,
o natural se reafirma com força por meio das catástrofes.
Furacões, ciclones, tornados, inundações e secas mostrariam
haver uma natureza "lá fora", de cujos ciclos o homem
se faz vítima. No entanto, como Jared Diamond defende
em Colapso, parece mais razoável pensar de
outra forma: humanos, não-humanos, atmosfera, oceanos
se integram num nível sistêmico, intrincado, complexo.
É o fato que o efeito-estufa ilumina. Não há vingança,
e sim, revelação definitiva da quase organicidade
da relação do homem com o meio.
O "natural" é modificar o ambiente.
Como bem frisou Richard Lewontin em A Tripla Hélice,
qualquer espécie de ser vivo, ao utilizar recursos
escassos do ambiente e devolvê-los em formas que não
podem ser utilizadas novamente por indivíduos da própria
espécie, está modificando o ambiente de forma "natural".
Nada mais comum que comer, e nada mais ilustrativo
da destruição micro-operada por cada célula viva:
o metabolismo transforma comida em restos, produtos
a serem excretados. No entanto, há algo de peculiar
no "terceiro chimpanzé", o Homo sapiens, desde
que ele "desenvolveu a inventividade, a eficiência
e as habilidades de caçador há uns 50 mil anos".
A colonização humana de qualquer
grande extensão de terra virgem sempre foi
seguida de enorme impacto ambiental: derrubada de
florestas, extinção de grandes animais "que evoluíram
sem temer os seres humanos e foram facilmente abatidos,
ou que sucumbiram à mudança de habitat, introdução
de espécies daninhas e doenças trazidas pelo homem".
A mesma história se repetiu na Austrália, na América
do Norte, na América do Sul, em Madagascar, nas ilhas
do Mediterrâneo, no Havaí, na Nova Zelândia e em diversas
outras ilhas do Pacífico. Segundo o Diamond, descobertas
recentes de arqueólogos, climatologistas, historiadores,
paleontólogos e palinologistas (especialistas em pólen)
têm confirmado a suspeita de suicídio ecológico (ecocídio)
não-intencional por parte das sociedades que entraram
em colapso.
As evidências de dano ambiental
são alocadas pelo autor nas seguintes categorias,
"cuja importância relativa difere de caso para caso:
desmatamento e destruição do habitat, problemas com
o solo (erosão, salinização e perda de fertilidade),
problemas com o controle da água, sobrecaça, sobrepesca,
efeitos da introdução de outras espécies sobre as
espécies nativas e aumento per capita do impacto
do crescimento demográfico." A esses processos, a
sociedade industrial acrescentou mais quatro: "mudanças
climáticas provocadas pelo homem, acúmulo de produtos
químicos tóxicos no ambiente, carência de energia
e utilização total da capacidade fotossintética do
planeta".
Diamond adverte que a maioria
dessas 12 ameaças se tornará crítica em âmbito mundial
nas próximas décadas, o risco é crescente, e, caso
não se implementem contra-medidas, teremos o mesmo
destino da Somália e de Ruanda. Mas o autor não crê
num cenário apocalíptico de extinção da humanidade
ou da civilização industrial. "Tal colapso pode assumir
diversas formas, como a disseminação mundial de doenças
ou de guerras provocadas pela escassez de recursos
naturais". Em sua "estrutura de cinco pontos" de possíveis
fatores capazes de contribuir para um colapso, quatro
- danos ambientais, mudança climática, vizinhança
hostil e parceiros comerciais amistosos - "podem ou
não se mostrar significativos para uma sociedade particular.
O quinto fator - as respostas da sociedade aos seus
problemas ambientais - sempre se mostrou significativo".
Muitas sociedades do passado,
por exemplo, se depararam com os efeitos danosos do
desmatamento. Diante do problema, "as sociedades das
terras altas da Nova Guiné, Japão, Tikopia e Tonga
desenvolveram um manejo florestal bem-sucedido e continuaram
a prosperar, enquanto a ilha de Páscoa, Mangareva
e a Groenlândia Nórdica não conseguiram um bom manejo
florestal e, por isso, entraram em colapso". Os resultados
foram diferentes, em parte, porque dependem dos valores
culturais, dos interesses econômicos, da estrutura
social e da organização política das sociedades, tornando-as
mais ou menos dispostas, mais ou menos capazes de
perceber a degradação e de tentar revertê-la. Não
se pode, portanto, dizer que todas estejam fadadas
ao fracasso devido à degradação ambiental, nem que
ela seja integralmente responsável pelo seu destino.
Mas, por outro lado, pode-se procurar compreender
o que tornou algumas sociedades suscetíveis de desaparecimento
físico e/ou cultural.
Nenhum agrupamento humano está
livre da armadilha potencial de sobre-utilizar recursos
ambientais. A princípio, eles parecem inesgotáveis
e têm suas reduções muitas vezes mascaradas por oscilações
normais ao longo dos anos. As aparências enganam.
Depois, quando se mostram críticos os níveis do recurso
em questão, é difícil fazer as pessoas mudarem de
atitude. Além disso, "não nos esquecemos de nada,
nós nos habituamos". As paisagens pelas quais passamos
quotidianamente vão se alterando - surgem casas, prédios,
lojas, academias, estacionamentos; árvores são derrubadas,
flores são plantadas; postes, antenas de celular,
fiações, luminosos se multiplicam. A questão é tão
complexa, que desafia até os ecólogos profissionais.
Se as mudanças se processam lentamente, correm o risco
de passar despercebidas.
Diamond ressalta que "os problemas
ambientais que hoje são difíceis de administrar certamente
eram ainda mais difíceis no passado" e as sociedades
que entraram em colapso nada tinham de estúpidas ou
primitivas. Mas adverte que as diferenças entre o
mundo moderno e as sociedades do passado impedem que
soluções simples e diretamente transferíveis venham
a ser extraídas do estudo. Temos hoje uma "poderosa
tecnologia" e uma sociedade global, com tudo que isso
tem de bom e ruim. A medicina moderna salva milhões
de vida, e logo terá de salvar bilhões. A população
mundial continua crescendo e ameaçando ultrapassar
a capacidade de suporte da Terra. "Talvez ainda possamos
aprender com o passado, mas apenas se avaliarmos cuidadosamente
as suas lições".
Da mesma forma como desafiaram
as sociedades do passado, os problemas ambientais
colocam as sociedades atuais diante de escolhas e
decisões que implicam o futuro do planeta e da humanidade.
O pior é que, na melhor das hipóteses, as próximas
futuras gerações já receberão um ambiente altamente
degradado que deverá impor-lhes um padrão de vida
inferior ao de seus progenitores. Um dos processos
responsáveis é a salinização, um problema em diversos
países: Estados Unidos, Índia, Turquia e Austrália,
e que outrora favoreceu o declínio da Mesopotâmia,
a mais antiga das civilizações, e faz da expressão
"Crescente Fértil" "uma brincadeira de mau gosto".
Somente em Montana, as estimativas do dano econômico
direto causado por plantas daninhas ultrapassam os
US$ 100 milhões por ano.
Colapso mostra que é
sempre problemática e desafiadora a relação do homem
com seu entorno, mas os islandeses e os habitantes
de Tikopia, entre outros, "conseguiram resolver problemas
ambientais muito complexos e puderam, assim, persistir
durante um longo tempo, e ainda estão fortes atualmente".
Os colonizadores noruegueses "inadvertidamente destruíram
grande parte do solo da Islândia e a maioria de suas
florestas", mas os islandeses acabaram aprendendo
com a experiência e adotaram rigorosas medidas de
proteção ambiental. Agora desfrutam de uma das rendas
nacionais per capita mais altas do mundo. Os
habitantes de Tikopia, que vivem muito longe até do
vizinho mais próximo, tiveram de se tornar auto-suficientes
em quase tudo; por meio de uma meticulosa administração
de seus recursos e de um rigoroso controle do crescimento
populacional, mantiveram sua ilha produtiva, mesmo
após três mil anos de ocupação humana.
A ilha de Páscoa fornece o
exemplo mais dramático do passado, de acordo com Diamond,
o que há de mais próximo de "um desastre ecológico
ocorrendo em completo isolamento". No lugar dos deuses
astronautas de Erich Von Däniken, tudo indica que
as gigantescas estátuas de pedra que até hoje recontam
parte da história de seus habitantes foram obra humana,
demasiado humana, de custo ambiental excessivamente
alto. O resultado é que ficaram poucos pascoenses
para contar a história e repovoar a ilha.
O isolamento de Páscoa faz
dela o mais claro exemplo de uma sociedade que se
destruiu por abusar de seus recursos. Além dos impactos
ambientais humanos - sobretudo desmatamento e extinção
das aves -, houve "os fatores políticos, sociais e
religiosos por trás dos impactos": a impossibilidade
da emigração como válvula de escape, o foco na construção
de estátuas e a competição entre clãs e chefes induzindo
a construção de estátuas cada vez maiores, requerendo
mais madeira, mais cordas, mais alimentos. "Metáfora
imperfeita" do futuro do planeta? O livro convida
a refletir: "se alguns insulares usando apenas pedras
como ferramentas e seus próprios músculos como fonte
de energia conseguiram destruir o seu ambiente e,
assim, destruir a sua sociedade, o que farão bilhões
de pessoas com instrumentos de metal e com a energia
das máquinas?".
Outros colapsos do passado
analisados envolvem Mangareva, Pitcairn e Henderson,
as únicas ilhas habitáveis do sudeste da Polinésia;
os anasazis do sudoeste dos Estados Unidos; e seus
vizinhos, os maias. Das sociedades contemporâneas,
o livro se ocupa do genocídio de Ruanda (tema de filme
recente); das diferenças entre a República Dominicana
e o Haiti, países que compartilham da mesma ilha,
Hispaniola; da China, "gigante cambaleante", cujo
crescimento econômico explosivo tem acelerado a destruição
do planeta; da Austrália, "que vem minando seus recursos
renováveis como se fossem minerais" e sofrendo como
poucos países com o fardo das espécies introduzidas
que se tornam pragas.
Fica implícito, no que Diamond
diz, que confiar em tecnologias capazes de salvar
o mundo é uma abordagem temerária. Dentre as civilizações
que entraram em colapso no passado e as que correm
risco de entrar no presente, muitas dispõem de sofisticados
aparatos tecnológicos para os padrões de seu tempo.
Também não se deve esperar que as indústrias, as empresas
de mineração, as madeireiras e o governo se comprometam
a mudar de atitude: "nós, o público, temos a responsabilidade
final".