Direção:
Roland Emmerich
Estados Unidos, 2004
Por
Rafael Evangelista
Na década de 1980, o filme
O dia seguinte (The day after) , que retratou
as possíveis consequências de um bombardeio nuclear
em solo estadunidense, teve um enorme impacto popular
e contribuiu significativamente para as campanhas
contrárias à corrida armamentista da Guerra Fria.
Filmado 21 anos depois, O dia depois de amanhã
(The day after tomorrow) , pelo título original
em inglês, até parece tratar-se de uma sequência.
Basta substituir os impetuosos líderes soviéticos
por uma natureza enfurecida graças à ganância e à
imprecaução de certos líderes políticos com o aquecimento
global e a história é a mesma: famílias tentando sobreviver
a um enorme desastre.
O efeito político, no entanto,
não foi o mesmo. Junto com Fahrenheit 11 de setembro
- o filme de Michael Moore sobre tudo o que aconteceu
após o atentado contra as Torres Gêmeas -, O dia
depois de amanhã deveria ser a pá de cal de Hollywood
sobre o governo Bush. Ambos os filmes, de fato, fizeram
muito barulho, mas o voto conservador acabou sendo
mais forte e George W. Bush foi reeleito. E não se
pode acusar o filme dirigido por Roland Emmerich de
não ser direto ao tentar passar sua mensagem: o vice-presidente
da ficção, que insiste em não ouvir os alertas do
cientista que protagoniza o filme, é até fisicamente
semelhante ao vice-presidente dos Estados Unidos,
Dick Cheney, conhecido por ser um ferrenho defensor
da indústria de petróleo (mais especificamente, da
Halliburton, empresa da qual já foi diretor).
Passada, então, a eleição estadunidense,
O dia depois de amanhã sobrevive como não
mais do que um filme-catástrofe. Foi tão bem construído
como blockbuster que mesmo a mensagem de alerta
sobre o aquecimento global termina enfraquecida. De
uma maneira geral, o filme lembra até mesmo Independence
day, outro filme-catástrofe do mesmo diretor,
no qual os Estados Unidos são destruídos por alienígenas
- em lugar de uma gigante tempestade. Até mesmo a
famosa cena da Casa Branca sendo pulverizada por uma
espaçonave ganha uma nova versão: desta vez é a Estátua
da Liberdade que é congelada por uma onda glacial.
E a história de O dia depois
de amanhã é tão mirabolante quanto uma invasão
alienígena. Em meio a uma estanha confusão climática,
com granizos gigantescos caindo no Japão e uma estranhíssima
neve atingindo Nova Déli, na Índia, o climatologista
Jack Hall faz alertas em seminários internacionais
sobre uma nova era glacial que poderia surgir graças
ao efeito estufa. É, claro, ignorado pelos políticos,
que afirmam que o mundo não pode pagar por exorbitâncias
como o Protocolo de Quioto.
Porém, alguns poucos dias se
passam e furacões que atacam Los Angeles (sim, essa
é a melhor expressão para descrever a cena: um ataque
de furacões) são apenas o primeiro indício de que
Hall tinha mais razão do que imaginava. Para a surpresa
de todos, inclusive do climatologista, a nova era
glacial que ele previa para daqui a cem ou mil anos
está acontecendo agora. Todo o hemisfério norte do
globo passa a virar uma grande geleira e resta àqueles
que moram nos lugares ricos do mundo invadir pacificamente
o hemisfério sul. Lá se vão milhares de estadunidenses
a cruzar a fronteira com o México, em um momento de
irônica inversão migratória. Na vida real, milhares
de guardas patrulham diariamente o rio Grande e o
conhecido Muro da Vergonha, impedindo à bala entrada
de mexicanos em território dos Estados Unidos.
Com parte da população deslocada
para o quintal mexicano, resta ao climatologista Hall
empreender uma viagem até à congelada Nova Iorque,
onde pretende encontrar o filho. O garoto, também
um gênio da ciência, estava em uma espécie de olimpíada
de conhecimentos quando o desastre começou.
Infelizmente, ao optar pelo
formato tradicional de Hollywood para fazer seu alerta
ambiental, o diretor Emmerich praticamente anula sua
mensagem. Usando do suspense fácil e do sentimentalismo,
o filme desperdiça a chance de encenar um tema importante
que fora da ficção, segundo alguns, já rendeu cenas
dramáticas e tragédias reais como a do furacão Katrina.
A maior parte dos diálogos é artificial e serve apenas
para ilustrar as cenas de ação. Fica parecendo, por
exemplo, que bastaria aprovar o Protocolo de Quioto
- o mecanismo que o mercado financeiro inventou para
fazer novos negócios e ganhar uma imagem pró meio
ambiente - para que uma tragédia da magnitude exposta
no filme fosse evitada. O dia seguinte, de
duas décadas atrás, também não era um bom filme, mas
com seu ar um pouco mais trágico, conseguiu alcançar
maior impacto no imaginário popular.
Vale mencionar também que,
no filme, o sul do mundo é um mero figurante até na
futura era glacial. O México - que fica acima do Equador
mas é a marca a partir de onde o desastre ambiental
não acontece - é o vizinho hospedeiro. O resto da
parte de baixo do mundo aparece rapidamente em um
gráfico que mostra que os efeitos serão bem menores.
Que bom seria se pelo menos desta vez Hollywood estivesse
certa...